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Conhecido pelos posicionamentos radicais, o pintor paulista Loio-Pérsio (1927-2004) cunhou uma teoria sobre o esquecimento sofrido por tantos talentos de sua geração. Segundo ele, a marginalização de sua pintura teria sido um efeito do chamado milagre econômico. Diretor do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), o crítico Paulo Herkenhoff, que prepara uma antologia da obra completa do artista para o segundo semestre, vai mais longe. “O Brasil é que tende a ser mesquinho com sua história. É um país muito canibal e está reduzindo cada vez mais a história da arte”, afirma. Em quase 60 anos de carreira, a resposta de Loio ao pouco-caso da mídia e da crítica foi atuar como um incansável documentarista teórico de seu processo criativo. Deixou para as novas gerações valiosos testemunhos sobre a arte de seu tempo, e o esforço não foi em vão. Seus escritos serviram para que o crítico Agnaldo Farias conhecesse sua trajetória e escrevesse o belo texto Da pintura da natureza à natureza da pintura, publicado no único livro dedicado ao artista, A arte de Loio-Pérsio, de 1999. “Ele é um artista primoroso, um líder de sua geração, do qual eu só tinha uma referência verbal”, afirma Farias. “O problema de Loio é que ele foi um nômade. No Brasil, sempre foi muito fácil ser soterrado por modas. Em um mercado não consolidado, se você fica longe, desaparece”, diz.

Nascido no interior paulista, Loio-Pérsio Navarro Vieira Magalhães viveu em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Lisboa, Vitória, Belo Horizonte, em uma praia deserta do Espírito Santo e em Petrópolis, até sua morte no Rio de Janeiro, em 8 de janeiro de 2004. Contrário à representação figurativa da realidade e à “formulação matemática” da abstração geométrica, defendia a espontaneidade do gesto e a liberdade de expressão, posição que o colocou entre os maiores expoentes do abstracionismo informal. Quando Manabu Mabe ganhou o prêmio de pintura da V Bienal de São Paulo, em 1959, Loio-Pérsio também participava da mostra com a série Composição. Em 1960, representaria o Brasil na Bienal de Veneza. “Nos anos 50, quem deu as cartas foram os informais. Os artistas concretos eram um nicho, mas eles tinham um programa mais definido que os informais, para conforto dos teóricos que vieram depois”, analisa Agnaldo Farias.

As duas vertentes abstracionistas produziam o grande debate da época, mas quem levou a melhor foi o concretismo e o neoconcretismo. “O Brasil de 1950 é animado pela crença da industrialização e por isso precisa de repertórios comuns e claros. Tem um otimismo construtivo. A subjetividade do expressionismo abstrato tinha valor nos Estados Unidos porque lá a casa já estava arrumada”, diz Fernando Cocchiaralle, curador do Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro. O mercado confirmou as crenças: se nos anos 50, tanto Loio-Pérsio quanto Lygia Clark vendiam a US$ 3 mil, hoje ele se mantém na faixa e ela chega ao pico de US$ 70 mil. “As importâncias estão todas descalibradas no Brasil. A história da arte ainda está por se fazer”, afirma Farias.

Cientes do descompasso, algumas mostras recentes vêm tentando corrigir as ausências históricas e redescobrindo jóias, como Yolanda Mohaly ou Zélia Salgado, com retrospectiva no MNBA até 14 de fevereiro (leia quadro). O caso de Loio-Pérsio é mais urgente. “Ele precisa de um resgate completo. Sempre foi um artista de investigação da matéria e não foi vítima da decadência”, afirma Herkenhoff. As telas Composição (1963) e Composição nº 22 (1959), pertencentes ao acervo do MNBA, podem ser seus pontos de partida. Mas há muito mais material reunido, à disposição, graças ao trabalho da filha Sarah Vieira Magalhães. “Tive muito pouco contato com o Loio durante minha vida, como todos os seus filhos, mas no último ano me aproximei dele e comecei a ajudá-lo a catalogar sua obra. Prometi terminar isso para ele”, conta Sarah, 38 anos. Do acervo da família, espalhado em quatro Estados brasileiros, ela já reuniu e catalogou 438 obras, entre óleos, desenhos, gravuras e estudos. Do total, 43 delas foram restauradas. O próximo passo será levantar obras em galerias, coleções públicas e particulares. Entre os trabalhos figurativos, nunca expostos, Sarah destaca os retratos de amigos, uma série de representações de São Francisco de Assis e as paisagens. “Ele observava muito a natureza.” Seus últimos trabalhos são justamente 38 aquarelas com paisagens abstratas da praia de Copacabana.