Quando foi aprisionado pelo conquistador espanhol Francisco Pizarro, o imperador inca Ataualpa (1502-1533) profetizou que a planta da coca traria a ruína aos invasores e ao seu algoz. A profecia sobre a coca deu tão errado e se revelou tão absurda que, nos dias de hoje, a galera diria: “Ataualpa cheirou.” A Espanha não apenas se deu muito bem nas terras andinas como também fez fortuna. E outros impérios estrangeiros seguiriam com a planta da coca a mesma carreira de escalada de sucesso. A Coca-Cola, por exemplo, utiliza anualmente cerca de 145 mil toneladas das folhas desse vegetal. É baseado nessa capacidade econômica da coca que o novo presidente da Bolívia, Evo Morales, prometeu liberalizar a lavoura. Mais: pediu para a ONU retirá-la da lista de ervas ilícitas. Mais ainda: pediu, também para ONU, a promoção da coca ao status de “patrimônio da humanidade”.

O presidente Morales fez carreira política e foi eleito usando as folhas de coca como bandeira. Líder em seu país dos cultivadores da Erythroxylum coca, ele sempre pregou a necessidade de liberação de maiores áreas para plantio. O problema é que desde 1988 a ONU mantém a coca na lista de substâncias proibidas pela Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas e também pela Convenção Contra o Tráfico Ilegal de Drogas. Aos camponeses andinos que consomem as folhas da planta há milênios (chás, rituais religiosos e mastigo para aliviar os efeitos da altitude e o desconforto da fome) foram permitidos apenas 12 mil hectares de lavoura, na região subtropical de Los Yuncas. A ONU diz que na prática existe uma safra ilegal de mais 18 mil hectares na área central de Chapare. A Lei nº 1.008, do governo Hugo Bánzer (1997-2001), reconhece os limites impostos pela ONU e prevê penas severas para quem viola essas determinações.

A Convenção contra o Tráfico Ilegal de Drogas se reunirá novamente em Viena em 2008. Será nesse fórum que Morales tentará tornar a folha de coca “patrimônio da humanidade”. “¡No pasarán!”, diz com ironia Frederick Patterson, da missão americana junto à ONU. E emenda: “Não há qualquer possibilidade de que uma resolução mais liberal ao cultivo seja aprovada pela ONU. Qualquer alteração deverá ser feita por consenso e os EUA e a União Européia serão contrários. O governo Bush tem uma política muito clara em relação a essa questão e, em 2008, George W. Bush ainda será o presidente americano.”


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