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Algumas mazelas parecem se eternizar no Brasil. Uma delas são os marajás do serviço público. Por mais que sejam impostos limites e criados tetos constitucionais, muitos servidores continuam a receber salários acima dos limites legais. É o que mostra o levantamento da Secretaria de Fiscalização e Pessoal, do Tribunal de Contas da União, com a ajuda dos Ministérios do Trabalho e do Planejamento. A partir das folhas de pagamento de agosto e dezembro do ano passado, concluiu-se que 1.061 servidores ganham acima do teto de R$ 24,5 mil. Pelo menos 13 funcionários públicos chegam a receber mais de R$ 100 mil mensais e 79 ganham mais de R$ 50 mil. A lista dos marajás inclui cerca de 100 magistrados.

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O que mais surpreendeu os técnicos, no entanto, foi o enorme número de servidores em cargos que exijam muita qualificação. Alguns deles declararam trabalhar até 276 horas por semana, o que é impossível, pois a semana tem 158 horas. O procurador junto ao TCU, Marinus Marsico, enviou representação ao presidente da Casa, Ubiratan Aguiar, pedindo investigação sobre os incríveis contracheques. “O teto salarial está virando piso salarial”, lamenta Marsico.

Marsico decidiu não divulgar os nomes desses servidores, porque muitos dados ainda serão checados pelo Ministério Público Federal, que deverá tomar as medidas cabíveis para impedir a continuação desses supersalários. ISTOÉ, porém, conseguiu levantar alguns nomes da lista dos servidores com ganhos de R$ 50 mil a R$ 100 mil, com um técnico do governo que acompanha a folha salarial e com base em informações obtidas nos próprios órgãos em que os marajás trabalham. Pelo menos dois nomes da Companhia Imobiliária de Brasília, Terracap, aparecem na lista dos megasalários. Um deles é o diretor-superintendente da Fundação de Previdência da Terracap, a Funterra, Jânio Fábio Machado Lessa. Procurado por ISTOÉ, Lessa se recusou a falar sobre seus rendimentos. Por meio de sua secretária, informou que não falaria a respeito do assunto. A Funterra, segundo seus estatutos, é “uma instituição de caráter não econômico e sem fins lucrativos”. Outra funcionária que aparece na lista é Teresinha da Cunha Marra Pinheiro, diretora-financeira do Funterra. Teresinha foi procurada insistentemente pela ISTOÉ, mas, assim como Lessa, afirmou, também por meio de sua secretária, que não daria entrevista.

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Entre os magistrados e ministros de tribunais, alguns nomes chamaram a atenção dos técnicos. Muitos deles podem, de acordo com as normas do Conselho Nacional de Justiça, acumular rendimentos, mas há casos em que a acumulação de funções é geograficamente impossível. Esse é o exemplo do ministro Luiz Fux, do STJ. Conforme apurou ISTOÉ no próprio tribunal, Fux entrou na lista dos marajás porque trabalha 40 horas semanais, em Brasília, e 30 horas semanais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que fica a mais de mil quilômetros do STJ. Questionado sobre a impossibilidade de acumular as duas cargas horárias, Fux mobilizou sua assessoria para responder. “O ministro faz parte do Departamento de Videoconferência da Uerj para viabilizar assuas funções no STJ”, explicou o chefe de gabinete de Fux, José Antonio Nicolao Salvador. “Ele trabalha diuturnamente no STJ e se ausenta quando vai realizar conferências e participar de bancas examinadoras da Uerj.”

A lista dos marajás tem fatos curiosos. Há pelo menos 26 servidores com mais de cinco fontes pagadoras. Mas o que mais chamou a atenção dos técnicos foi o caso da servidora Maria da Conceição Vaz Araújo. Ela tem 11 vínculos ativos. Maria da Conceição estaria recebendo duas vezes pelo governo de São Paulo e ainda teria vínculos formais de emprego com as Prefeituras de Diadema, Santana de Parnaíba, Embu, Franco da Rocha, Francisco Morato e Santo André. Segundo os técnicos, ela seria uma médica que atende em vários hospitais, o que, em tese, poderia justificar tantos vínculos empregatícios. Os telefones em nome da servidora não atenderam nos últimos dias. Para os técnicos que fizeram o trabalho, os supersalários identificados até agora representam apenas uma ponta do iceberg, pois não entraram no cruzamento os dados sobre os aposentados do Legislativo e do Judiciário e dos Estados e municípios e inativos das Forças Armadas. O levantamento restringiu-se a cruzar os dados do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais), de natureza declaratória, com os do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).

Pelos cálculos dos técnicos, o País teria economizado R$ 750 milhões se limitasse ao teto constitucional os ganhos dos 1.061 marajás do serviço público. Para isso, o governo teria de fazer valer a Lei no 10.887, de 2004, que manda instituir cadastro único de remunerações em todas as esferas do poder público, da União, Estados e municípios. Na representação que enviou ao presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, o procurador Marsico diz que o Ministério do Planejamento foi “omisso” sobre o tema. O número de marajás pode ser ainda maior, cerca de três mil servidores, segundo projeção do TCU. Os gastos para cobrir esses salários teriam custado ao País R$ 2,25 bilhões desde 2004.


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