A governadora do Maranhão, Roseana Sarney, sabia que seu calcanhar-de-aquiles seria a própria casa, um Estado pobre onde sua família está encastelada há 35 anos. Acertou em parte. A casa caiu, mas não por causa dos indicadores sociais do Maranhão. No escritório da Lunus Participações e Serviços Ltda., empresa que pertence a Roseana Sarney e ao seu marido, Jorge Murad, negócios ligados às fraudes milionárias da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) atrapalham os planos políticos do PFL. Os documentos apreendidos pela Polícia Federal na sexta-feira 1º de março em São Luís, no escritório da Lunus, reforçam as suspeitas de que ainda existe uma conexão entre a firma de Roseana e Murad e empresas campeãs de fraude da Sudam, como a Agrima – Agricultura e Pecuária Ltda. e a Nova Holanda Agropecuária. Em meio a um caminhão de documentos, a PF encontrou uma detalhada previsão de investimentos para o ano 2000 da Lunus na Agrima, mostrando que, apesar de uma separação societária, a firma de Roseana e Murad ainda mantinha ligações com a Agrima na época em que projetos fraudulentos eram aprovados. Roseana e o marido vêm afirmando que venderam a empresa em 1994 e, desde então, se afastaram do empreendimento. Há ainda uma outra coincidência: a Agrima e a Lunus possuem o mesmo endereço comercial no bairro da Renascença, em São Luís.

Os documentos encontrados pela PF na Lunus impressionaram os policiais e procuradores envolvidos na investigação. Uma pasta traz farta documentação que pertence à Usimar Componentes Automotivos S/A, empresa criada em São Luís e financiada pela Sudam, mas que jamais saiu do papel. A Usimar, cujos donos o MP suspeita serrem laranjas, recebeu R$ 44 milhões e nunca comprovou a aplicação do financiamento para montagem de uma fábrica de autopeças. Entre os documentos encontrados na empresa de Roseana há ainda uma pasta com a inscrição de “pendências” da Usimar para serem resolvidas pela Lunus. Um fax da Sudam para Jorge Murad também traz dados de um processo da Usimar. Foi enviado aos cuidados da contadora Maria Auxiliadora Barra Martins, ex-diretora financeira da Sudam e peça-chave do esquema do ex-senador Jader Barbalho. Auxiliadora cuidou das contas do ranário da mulher de Jader, um projeto acusado de desviar R$ 9 milhões dos cofres públicos. O fax é assinado por Honorato Cosenza Nogueira, ex-secretário do Conselho Deliberativo, e por José Artur Guedes Tourinho, ex-superintendente da Sudam. O trio está respondendo a um inquérito por este desvio e foi levado preso junto com Jader, no dia 16 de fevereiro, para Palmas (TO).

Os policiais também encontraram registros de doações para as campanhas eleitorais de Roseana de 1994 e 1998. Em 1994, 58 empresas enviaram dinheiro para a campanha ao governo do Maranhão, inclusive a fraudadora Nova Holanda, que desembolsou R$ 15 mil. Quatro anos depois, na reeleição, ela contou novamente com o caixinha da Nova Holanda: R$ 25 mil. Entre computadores, dezenas de CDs e disquetes, um chamou a atenção pelo nome: um disquete com as inscrições “Proppa Sudene”.

Pró-Labore – A PF descobriu que um engenheiro civil foi colocado por Roseana e Murad para ser o homem da assinatura nos negócios da Lunus. Severino Francisco Cabral, dono de irrisórios 0,23% das ações da empresa, é o gerente da firma. Em depoimento à PF, Severino contou que recebe R$ 200 mensais como pró-labore, mas que quem decide mesmo é a dupla Roseana e Murad, proibidos por lei de misturar sua vida pública com negócios pessoais. O engenheiro trabalha no andar acima da sede da Lunus, na empresa Pleno – Planejamento de Engenharia e Obra Ltda., da qual diz ser o único dono. Severino não soube explicar a origem dos R$ 1,34 milhão em cédulas de R$ 50 achados no cofre da empresa de Roseana e Murad e a quem pertence.

Não é ilegal guardar dinheiro, mas a origem e o destino de R$ 1,34 milhão aumentam a suspeita sobre as atividades da Lunus. A explicação de Roseana na semana passada foi de que o dinheiro pertence a outra firma da família, a Pousada Lençóis Maranhenses, localizada em Barreirinhas, interior do Maranhão. A pousada existe, mas ainda está em construção e não tem condições de acomodar mais que 20 pessoas. Na cidade de Barreirinhas, todos os turistas são informados de que a pousada pertence ao deputado Albérico Filho (PMDB-MA), primo de Roseana. Há duas semanas, a pousada não tinha o registro dos hóspedes, estava sem móveis e com as paredes ainda inacabadas. Mesmo assim, os gerentes e funcionários estavam negociando a compra de uma fazenda na área rural da cidade. Como a área está para ser considerada parque ecológico, Albérico Filho estava apressado em comprar a fazenda antes que o valor da terra aumentasse em razão do tombamento.

Na quinta-feira 7, o Superior Tribunal de Justiça aceitou pedido dos advogados de Roseana – o ex-ministro da Justiça Saulo Ramos e o ex-presidente do STJ Luís Vicente Cernicchiaro – para que todos os documentos envolvendo a Lunus passassem da Justiça Federal para o STJ. O caso também sai das mãos do baixo clero do Ministério Público, conhecido por sua independência, e vai para o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, apelidado por seus colegas de engavetador-geral. Em tese, as investigações ficam paralisadas. Mas, com tanta lenha jogada na fogueira, nem um exército de bombeiros parece capaz de apagar o incêndio.

Ninguém escapa

A reunião do Conselho Deliberativo da Sudam do dia 14 de dezembro de 1999, presidida pela governadora Roseana Sarney, aprovou, numa só tacada, meia dúzia de pedidos de financiamentos solicitados por uma única empresa, chamada AC Rebouças Projetos e Assessoria Ltda. Com trânsito livre na Sudam e Sudene, o empresário pernambucano Aldenor Cunha Rebouças, dono da empresa, está sendo investigado pela Polícia Federal como um dos elos entre projetos fraudulentos da Sudam e empresas de Roseana e seu marido, Jorge Murad, donos da Lunus Participações e Serviços Ltda. Instalado até o ano passado em um escritório próximo ao centro da cidade, o empresário operava milagres. Especializou-se em transformar pessoas humildes em laranjas de grandes empresas e em elaborar projetos mirabolantes para conseguir recursos de incentivos fiscais, que, mesmo sem nenhum respaldo jurídico, eram aprovados com facilidade.

As ligações de Aldenor Rebouças com Murad, segundo a polícia, ficaram mais evidentes quando, durante uma devassa em sua empresa, em dezembro do ano passado, foram encontrados, além das contas de laranjas do empresário no paraíso fiscal das Ilhas Virgens, vários extratos bancários indicando que a empresa Lunus, de Roseana e Murad, continuava a realizar transações financeiras com a Agrima. A Agrima é acusada de desviar grande parte dos R$ 33 milhões destinados à malfadada Nova Holanda, um projeto de agricultura no município de Balsas, no interior do Maranhão. Outros documentos mostram que a AC Rebouças mantinha relações comerciais com a Lunus. A ação policial coincidiu com a descoberta pelo Ministério Público de um relatório elaborado por um fiscal da Sudam de Belém, que vasculhou os documentos da Nova Holanda. Um contrato de gaveta mostra que, apesar de ter vendido a Agrima para um grupo de empresários paranaenses, em 1994, Murad continua sócio da empresa. Os procuradores descobriram também que tanto os projetos da AC Rebouças quanto os da Nova Holanda eram sempre fiscalizados pelas mesmas pessoas: sete fiscais indiciados por fraude na Sudam do Pará. “Há provas suficientes de que todas essas empresas são da Roseana e do Murad”, acusa o deputado estadual Aderson Lago (PSDB-MA), inimigo político de Roseana e um dos primeiros a denunciar a conexão maranhense. A PF também descobriu que Aldenor Rebouças foi consultor da Usimar Componentes Automotivos S/A, empresa financiada pela Sudam, mas que nunca saiu do papel.

Destinadas a construir indústrias no Maranhão, as verbas liberadas pela Sudam para a AC Rebouças só ajudaram a engordar as contas bancárias do empresário em paraísos fiscais no Caribe. Internado num Hospital Público de São Luís, onde se recupera de uma úlcera gástrica, Antônio Rodriguez da Costa, 71 anos, que prestava serviços para a Indústria de Alumínios Alusa, levou um susto ao ser informado pela PF que ele e o filho Carlos Antônio Costa eram carpinteiros milionários. Apareciam como titulares de contas nos paraísos fiscais das Ilhas Virgens Britânicas e eram proprietários de várias indústrias no Estado, implantadas com recursos da Sudam e da Sudene. “O delegado ainda brincou comigo. Disse que eu era dono de metade dessas indústrias da cidade e que deveria aproveitar para cobrar os meus direitos”, conta Antônio. Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que o carpinteiro, usado como laranja no esquema, aparece como sócio da Construtora Coral, que, além de emitir US$ 2 milhões em notas frias para a indústria de Alumínios Anodezina S.A, era sócia acionista de outras indústrias que tiveram seus projetos aprovados pela AC Rebouças na Sudam.

Apesar de ser controlada por uma empresa de engenharia que não possui nem mesmo registro e de permanecer até hoje inoperante, a Anodezina conseguiu atrair, por meio da emissão de ações no mercado, investimentos de pequenos bancos paulistas. A PF suspeita que esses bancos estejam ligados a Murad, que instalou a Lunus inicialmente em São Paulo, em 1990, transferindo-a para a capital maranhense somente em 1993, às vésperas da primeira eleição vencida por Roseana. Instaladas precariamente na zona industrial de São Luís, a Anodezina e outras empresas da AC Rebouças, que até hoje não entraram em funcionamento, estão abandonadas.

Amaury Ribeiro Jr. – São Luís