Simpático, embora reservado, o cavalheiro em questão é do tipo que usa suspensórios, guarda-chuva, sapatos de boliche e não sua, apesar de estar em pleno sertão do Nordeste. Fisicamente, lembra Monsieur Hulot, alter ego do cineasta Jacques Tatit. No momento, mostra-se condoído pelo estado de confusão em que vive a humanidade. Chega a ser afável, desde que não discordem de suas opiniões. Afinal, Ele é Deus. Não um Deus ameaçador e exigente. Mas um Deus cansado. Necessitando de férias.

ssim, Ele é visto em Deus é brasileiro (Brasil, 2002) – cartaz nacional na sexta-feira 31 –, 15º longa-metragem do alagoano Cacá Diegues.

Deus (Antonio Fagundes) surge no meio do mar, encarapitado no mastro de um navio afundado, para espanto de Taoca (Wagner Moura), mistura de borracheiro, pescador e trambiqueiro. Juntamente com Madá (Paloma Duarte), garota linda, promissora, mas que vive atolada em um lugarejo, os três saem à procura de um santo para cobrir as férias do Criador. Deus escolheu o Brasil por não ter um santo reconhecido oficialmente – na vida real, a santa Madre Paulina ainda não havia sido canonizada pelo papa –, então vai atrás de uma pessoa em especial. Trata-se de Quinca das Mulas (Bruce Gomlevsky), que de tanto defender desvalidos e brigar por direitos humanos se tornou ateu. Mas, como para Deus “tudo acaba bem e se não está bem é porque não acabou”, a ira divina é contornada.
Cacá compara a viagem empreendida pelos seus personagens à de seu filme Bye bye Brasil (1979), dizendo-se um apaixonado pelos chamados road movies descendentes da literatura do escritor beat Jack Kerouac.

Não é o caso. A vocação mambembe remete principalmente às aventuras medievais e seus heróis picarescos e moralistas. A performance dos protagonistas, aos quais se agregam nomes como os de Castrinho, Stepan Nercessian e Hugo Carvana, conserva o tom de humor nordestino consagrado em O auto da Compadecida. Enfim, é um filme agradável, que conserva o mote original de um dos criadores do cinema novo: uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Se bem que idéias menos afoitas, mais de acordo com um sessentão, cuja câmera é uma steadycam Panaflex Millenium XL. Deus é brasileiro. Mas o mercado é global.