Torrar dinheiro sempre foi atribuição de malucos. Na Bélgica, virou arma contra a violência. O malote eletrônico que põe fogo nas notas quando interceptado pelos ladrões praticamente eliminou os assaltos a carros-fortes. Criado por uma empresa belga capitaneada por um brasileiro, o malote que se autodestrói será implantado este mês em parte da frota de carros blindados de uma transportadora nacional. O mesmo sistema será usado para manter a salvo os caixas eletrônicos.

Dentro de cada malote é instalado um dispositivo eletrônico (chip) para identificar o pacote. Ali ficam arquivadas informações como o local e o nome da agência de destino e em quanto tempo o malote deve ser retirado da caçamba para ser trancado no cofre. Os dados são repassados a um computador central e, se o malote não chegar no local certo, no horário determinado, um jato de fogo com até 2.000 oC transforma partes das notas em fumaça.

A tecnologia entrou em funcionamento na Bélgica em 1998. Na ocasião, os ladrões usavam o arsenal de guerra proveniente das ex-repúblicas soviéticas. Num rompante de ousadia, uma gangue empregou um minitanque para bloquear a estrada e atacar um carro blindado. “Foi preciso inteligência da tecnologia para reduzir o número de armas”, diz o pernambucano Paulo Coelho Vieira, presidente da Arrowplan, empresa com sede em Louvain-La-Neuve, na Bélgica.

A multiplicação de assaltos em território belga tem motivo. Oito vezes menor em área do que a cidade de São Paulo, com quase a mesma população e renda per capita cinco vezes maior, o País é a capital administrativa da União Européia. E faz fronteira com França, Holanda, Alemanha e Luxemburgo, o que facilitava a fuga dos ladrões. Além do malote inteligente, a Europa tentou esguichar tinta para destruir as notas. Com o tempo, surgiram antídotos para remover as manchas.

“No Brasil, logo nem as seguradoras vão aceitar cobrir nossos carros blindados”, reclama Paulo Dalla Nora Macedo, diretor da Transbank, transportadora cuja frota de 540 veículos circula por 14 Estados brasileiros e que será a primeira a testar o malote de fogo. Em seis anos, a empresa sofreu 17 tentativas de assalto, com um saldo de seis mortos, três sequestros e um carro capotado.

Só no ano passado, os bancos brasileiros gastaram R$ 1,5 bilhão em segurança física das agências. “Tudo o que inutiliza o objeto do roubo inibe a violência, mas o malote inteligente ainda está em estudos porque há algumas questões não esclarecidas”, avisa Jorge Higashino, superintendente da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban). A reposição das notas queimadas é uma delas. Os jatos de fogo deixam intactos os números de série e o valor das cédulas, para que o Banco Central possa ressarcir a transportadora. No Brasil, há dúvidas sobre a quem caberia a responsabilidade por tocar fogo no precioso vil metal.