Axixá do Tocantins é um lugar miserável, esquecido. Muitas casas são de taipa. As de alvenaria dificilmente têm reboco. O pouco de calçamento que existe no centro está estragado. A estrada que corta o município foi asfaltada há poucos meses, reduzindo o isolamento do local, afastado 750 quilômetros de Palmas, a capital, e facilitando o trânsito com Imperatriz, cidade importante do sul maranhense, situada a pouco mais de 30 quilômetros de distância, do outro lado do rio Tocantins. Não há ponte, a travessia entre os Estados é feita de balsa.

O visitante que faz o trajeto a partir do Maranhão se cansa de apreciar as palmeiras de babaçus que margeiam a estrada até ganhar as boas-vindas de Axixá, numa placa em que também se lê um esperançoso “Construindo para o século XXI”. Logo na entrada da cidade, à esquerda, um açougue. As carnes estão expostas em ganchos na porta do estabelecimento. Quase nove mil pessoas vivem por lá, segundo o IBGE. A economia é impulsionada por duas forças: os aposentados e os funcionários públicos municipais. A maioria deles ganha o salário mínimo. A agricultura é basicamente de subsistência e muita gente depende dos R$ 15 mensais do Bolsa-Escola.

Pergunte ao carteiro Milton Nonato Pereira, um axixaense de coração, se ele pensa em sair de lá (todos os seus amigos já saíram). “Não, meu lugar é aqui”, ele dirá. Pereira, 30 anos, é provavelmente a figura mais importante da cidade hoje em dia. É ele que, ao lado de seus colegas dos Correios, opera o Banco Postal, a primeira agência bancária da história da cidade (na verdade, uma lotérica operou por lá durante alguns meses realizando algumas funções bancárias, mas logo fechou as portas).

A agência dos Correios acoplada a um banco é, de longe, o lugar mais movimentado de Axixá desde que foi inaugurada, em junho de 2002. “O banco mudou a vida da cidade”, atesta Pereira. De fato. Antes, todas as transações dependiam da estrada (então) de terra para Imperatriz ou para Araguaína (cidade tocantinense de médio porte, distante 250 quilômetros). Os deslocamentos eram inevitáveis. Em dia de pagamento, as vans que fazem o trajeto para Imperatriz saíam lotadas de gente e voltavam abarrotadas com as mesmas pessoas e com as mercadorias que elas adquiriam no Maranhão. “Agora o dinheiro circula aqui mesmo”, diz o articulado carteiro-banqueiro, que percorre até 20 quilômetros por dia a pé e de bicicleta para entregar correspondências.

Que o diga Luiza Pereira de Souza, 52 anos, pioneira da feirinha de mercadorias instalada há cinco anos na praça em frente aos Correios. A cada dois meses, ela encara 26 horas de ônibus para buscar peças de confecção em Fortaleza (CE) para abastecer sua “loja”, coberta com lona numa tentativa malsucedida de aplacar o sol esturricante do Tocantins. “Comecei com uma barraca pequenininha”, diz, orgulhosa, do alto de um faturamento mensal de até R$ 3 mil (de dar inveja a muito camelô da 25 de Março, a principal rua de comércio de São Paulo). A competição está cada vez mais acirrada. Um ano atrás, ela contava apenas dois ou três concorrentes. Hoje, são mais de dez. E crescendo, com a irrigação garantida pelo movimento constante do Banco Postal.

Inclusão – Os aposentados também se beneficiaram. Antes, eles
eram obrigados a comparecer aos Correios para receber, mesmo se estivessem acamados. Hoje, o cartão eletrônico permite que alguém próximo faça o saque, inclusive no único caixa eletrônico disponível na cidade, instalado nas dependências da drogaria Luryellem, de propriedade de Luiz Rodrigues Oliveira, 43 anos, um ex-tecelão que morou em São Paulo e retornou para sua terra natal há 18 anos para investir no ramo. Antes do Banco Postal, ele era obrigado a mandar, via balsa, alguém de confiança para fazer seus depósitos e pagar suas contas em Imperatriz. “Era um risco grande”, lembra. Hoje, ele está a alguns passos de distância do Banco Postal, do qual é correntista.

A pequena revolução que está acontecendo em Axixá começou
em março de 2000, nos gabinetes do Banco Central. Foi de lá que
saiu a regulamentação da figura do correspondente bancário, muito
antes de o tema da inclusão dos pobres e desvalidos no sistema financeiro entrar na agenda do Planalto (o presidente Lula já deu
diversas declarações conclamando os bancos a abrir as portas ao povo, principalmente via operações de microcrédito). O objetivo da medida era criar um mecanismo que levasse as instituições financeiras a lugares onde elas não chegavam por falta de interesse econômico – Axixá inclusa. As estatísticas variam de acordo com a fonte consultada, mas é certo que pelo menos 25 milhões de brasileiros estão alijados do sistema financeiro. Mais de 1,7 mil dos 5,5 mil municípios brasileiros não possuem agência bancária. E mesmo nos grandes centros, onde o que não falta é banco, há milhões e milhões de “sem conta” – trabalhadores informais e até alguns formais de menor renda.

Aproveitando a legislação, os Correios criaram, um ano e meio atrás, o Banco Postal. O Bradesco pagou R$ 200 milhões pelo direito de ser o operador do sistema, que no futuro poderá chegar a qualquer lugar onde estão os Correios (ou seja, qualquer ponto do Brasil). Aproveitando a estrutura da estatal, o Bradesco se infiltra e cria postos onde todas as operações bancárias podem ser realizadas, sem exceção. Já são 3,4 mil municípios atendidos e mais de um milhão de correntistas que, lembre, não tinham oportunidade de abrir uma conta perto de casa. Apesar do evidente apelo social da operação, o Bradesco a encara como um negócio. O correntista paga R$ 2,80 por mês de tarifa. “Nesse processo, estamos descobrindo o Brasil e acreditando no desenvolvimento dessa pessoas”, diz o diretor do Bradesco responsável pelo Banco Postal, André Rodrigues Cano, que despachou uma equipe de seis gerentes para instalar o
projeto e conquistar a clientela espalhada pelo Brasil.

Seja em Axixá, seja na sofisticada alameda Santos, em São Paulo, paralela à avenida Paulista, coração financeiro da América Latina. O Banco Postal de lá é um sucesso, frequentado por gente simples que orbita a região – os taxistas, as camareiras dos hotéis, os garçons dos restaurantes e até os faxineiros dos bancos. Um pessoal que vive rodeado pelo sistema financeiro que os exclui. “Muitos se sentem intimidados em entrar numa agência bancária, o que não acontece numa agência dos Correios, normalmente muito simples”, diz Cano.

Curvas – Autazes, encravada na beira do rio Amazonas, é um lugar inacreditavelmente próspero. Em linha reta, está a pouco mais de
100 quilômetros de Manaus. Só que o rio faz muitas curvas, então o município fica a 12 horas de barco da capital. Há uma estrada, de
terra, praticamente intransitável na época das chuvas. A pecuária, embora tire o sono dos ambientalistas, fornece uma vida digna para a maioria dos 24,3 mil habitantes. A festa do leite, realizada na semana passada pela 11ª vez, é o principal evento do ano. Culmina com a
eleição da moça mais bonita da cidade, que no final da festa ganha um banho de leite do prefeito.

Aos poucos, a cidade vem articulando outras vocações, além da pecuária: o turismo de pesca e a plantação do cupuaçu, matéria-prima de um doce espetacular. Uma faculdade, criada com dinheiro do município, do Estado e da União, já conta com 210 alunos no curso de ciências agrárias. O comércio local é forte. A praça principal, ornada com árvores de copas esculpidas, é cercada de lojas. Até hoje, tanta prosperidade não foi capaz de atrair uma agência bancária para o lugar. O Banco Postal, há um ano, vem suprindo a necessidade dos habitantes.

Antes, os principais agentes bancários de Autazes eram Clodoaldo Monteiro e Rosineide Pinheiro, o casal dono do barco Amaral. Há dez anos eles cumprem, quase diariamente, a rota Manaus-Autazes-Manaus. O Amaral é uma “gaiola” típica da região amazônica. Está sempre lotada de mercadorias e de viajantes esticados em redes. “A gente recolhia o dinheiro dos comerciantes e fazia o serviço de banco em Manaus”, diz Rosineide. “Agora parou.” A prefeitura, para honrar a folha de pagamento, precisava fretar um avião e contratar seguranças para trazer dinheiro de Manaus. Depois do advento do Banco Postal, o dinheiro tem circulado mais na própria cidade, num fenômeno semelhante ao que está ocorrendo em Axixá. “O movimento cresceu 60%”, atesta Arlene Silva, a gerente do Mercadinho Leida, vizinho de frente da agência. E o risco de transportar dinheiro pelo leito barrento do Amazonas acabou.

“Em dias de pagamento, praticamente todo o dinheiro que sai pela manhã retorna à tarde, quando os comerciantes fazem seus depósitos”, nota Nézio Vieira, o gerente do Bradesco responsável pela operação do Banco Postal na região Norte. Vieira é paulistano do Tatuapé, tem 40 anos de idade e 22 de casa. Cumpria uma carreira clássica no banco e gerenciava a agência do Brás antes de ser recrutado para o projeto. Não conhecia sequer o Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, conheceu mais de 100 cidades. Lugares tão remotos quanto Envira (AM), Nova Iorque (MA) e Castelo dos Sonhos (PA). É capaz de entrar em um temerário bi-motor com a mesma tranquilidade com que discorre sobre os encantos de Macapá (AP). A companhia aérea lhe deu status de cliente prioritário. Seu prato preferido hoje é costela de tambaqui, o peixe amazônico.
Como se vê, o Banco Postal muda a vida das pessoas.