Elas são três mulheres com trajetórias distintas. Em comum, todas têm a fascinação pelos mistérios do universo. As astrônomas Silvia Rossi, Daniela Lazzaro e Zulema Abraham fazem
parte de um crescente contingente feminino que, aos poucos, invade esse mundo da ciência, antes quase exclusivamente masculino.

Há pelo menos 30 anos, a participação de mulheres na área de astronomia no Brasil ainda era limitada. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de
São Paulo (IAG-USP), que credenciou seu curso de mestrado em astronomia em 1973, só recebeu a sua primeira pesquisadora dois
anos mais tarde. Hoje, as coisas mudaram. Em seu departamento
de astronomia, metade dos membros são mulheres. Envolvidas em pesquisas que se traduzem em muito trabalho e viagens, elas
tentam equilibrar suas vidas para dar tanta ou mais atenção
às suas famílias quanto a dispensada aos telescópios.

Pesquisadora e professora do IAG, Silvia Rossi é a representante brasileira de um grupo de astrônomos dos Estados Unidos, Alemanha, Austrália, Suécia e Brasil que fez uma importante descoberta, publicada na revista Nature, no final do ano passado: a estrela mais antiga
da galáxia, com cerca de 12 bilhões de anos. “A descoberta foi importante porque abriu a possibilidade de questionar a teoria vigente sobre a evolução do universo”, afirma ela. O motivo é simples: as características da estrela, batizada de HE0107-5240, não batiam
com o que se esperava de um corpo celeste dessa idade. Segundo
a pesquisadora, a concentração de metal presente na HE0107-5240
é muito menor do que o previsto.

Em seu escritório recheado de fotos de seu filho de 12 anos, Silvia conta, muito falante, que a paixão pela astronomia vem desde criança e teve em seu pai um grande incentivador. Amigo do então diretor do planetário municipal de São Paulo, o pai da astrônoma propôs que a filha fizesse cursos no local. À medida que ela estudava astronomia, astrofísica e reconhecimento do céu, nascia o interesse pelo assunto.

O trabalho, garante ela, é duro. Muitas viagens e burocracia para requisitar tempo de observação nos telescópios espalhados pelo mundo, sendo os do ESO (Observatório Europeu Austral), no Chile, os mais procurados. Segundo a pesquisadora, o ritmo de trabalho impede qualquer escapada para uma excursão turística às cidades mais próximas. Imersos no observatório, os cientistas passam a noite em claro, fazendo as observações, e dormem parte do dia. O momento de socialização acontece no jantar. Mesmo assim, as chances de fazer amizades é difícil. “Eles só falam de seus estudos”, comenta Silvia.

Em fevereiro, a pesquisadora deve passar cinco dias no observatório de Cerro Tololo, também no Chile, e até dezembro haverá pelo menos mais cinco rodadas de observações. A equipe acredita que ainda pode encontrar uma dezena de estrelas com concentração de metal tão baixa ou ainda menor do que a da HE0107-5240. “Quem não gosta nada das minhas viagens é meu filho. Sempre tento compensar nos finais de semana, quando passeamos e cozinhamos juntos”, explica Silvia, que diz com orgulho que ainda consegue olhar para o céu com uma dose de romantismo, e não só como objeto de estudo.

Outra apaixonada por estrelas é a argentina e também astrônoma do IAG, Zulema Abraham, que veio ao Brasil na década de 70 para dar aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Em 1988, chegava em São Paulo para trabalhar com radioastronomia, uma parte da astronomia que lida com a radiação emitida pelos corpos celestes. Se a pesquisa de Silvia trata das estrelas mais velhas, a de Zulema cuida do outro extremo: os chamados berçários de estrelas. Num mapeamento inédito do céu do hemisfério sul, os pesquisadores descobriram 157 prováveis nascedouros de estrelas, objetos muito difíceis de serem vistos porque costumam ficar envoltos em nuvens espessas de gás e poeira.

Zulema conseguiu vencer as nuvens usando uma câmera detectora de infra-vermelho, acoplada a um telescópio do IAG, instalado no Laboratório Nacional de Astrofísica, em Brasópolis, Minas Gerais. Das 46 nuvens analisadas nos últimos meses, 32 abrigam estrelas jovens. “Observamos as regiões mais densas, mas ainda restam outras”, afirma.
Professora associada, a radioastrônoma passou cinco anos nos Estados Unidos fazendo sua tese de doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sobre a evolução das estrelas. Ela lembra que era a única mulher da turma. “Senti um pouco de discriminação nos EUA, coisa que nunca aconteceu no Brasil”, diz.

Asteróides – As estrelas não são o único campo de pesquisa das astrônomas. No Sistema Solar, entre as órbitas de Marte e Júpiter, existe uma faixa de pequenos corpos rochosos, os asteróides. Esse é o objeto de estudo da italiana Daniela Lazzaro, astrônoma do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro. “Pesquiso sua distribuição, composição física e suas rotas, e possíveis colisões”, explica Daniela, que estima que existam 32 mil asteróides conhecidos e cerca de dez vezes esse número de objetos ainda não catalogados. A pesquisa, que durou cinco anos, é o segundo maior mapeamento de asteróides já feito no mundo. “Esses corpos são restos da formação do Sistema Solar. Por meio deles, é possível entender o processo de criação dos planetas”, afirma a astrônoma, que é professora-titular do ON e veio para o Brasil em 1972, quando o pai, engenheiro, foi transferido para o País, depois de ter morado na Argentina, em Sri Lanka e na Itália.

A discussão sobre buracos negros num trabalho escolar foi o que despertou em Daniela a paixão pelos mistérios do universo e, sempre ligada às ciências exatas, não conseguia se decidir entre matemática e física. A solução: cursar astronomia.

A pesquisadora faz cair por terra aquela visão estereotipada de que os astrônomos são pessoas que contemplam o céu a esmo, por horas a fio. Hoje, segundo ela, os amadores são os maiores responsáveis pelas descobertas feitas na área. “Os pesquisadores profissionais têm um tempo e um objeto de estudo determinados. Os amadores podem ficar apontando seus telescópios para onde e por quanto tempo quiserem”, explica Daniela, que afirma com orgulho nunca ter sofrido preconceito e que o número de astrônomas vem crescendo no mundo. Parece que chegou a vez das mulheres cientistas. Abram alas para elas.