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Com o título de um dos grandes bestsellers da atualidade, o escritor canadense William P. Young, 56 anos, chega essa semana ao Brasil para participar da Bienal do Livro do Rio de Janeiro e traz algumas novidades na bagagem. Ele está finalizando um novo romance, na mesma linha de “A Cabana”, com mais de 12 milhões de exemplares vendidos, e revela que a história do protagonista de seu livro cultuado, Mack Allen Philips, cuja filha de seis anos é seqüestrada e assassinada durante um acampamento, vai finalmente chegar aos cinemas. Young também vai debater com seus milhares de fãs brasileiros o seu pensamento religioso – e isso certamente o fará relembrar as passagens de sua vida que o colocaram diante de impasses existenciais e de experiências espiritualistas mais tarde abordadas em sua obra. 
 
Nascido em Alberta, no Canadá, Young é filho de missionários e antes de completar um ano de idade foi morar com eles em uma tribo na Nova Guiné Holandesa, no sudeste asiático. Além de sofrer preconceito racial por ser a única criança branca na comunidade, sofreu abusos sexuais em seu período escolar. “A Cabana” narra como Young superou os traumas da infância e a perda, em um período de seis meses, da sogra e de dois irmãos. Mas, segundo ele, não é uma autobiografia, mas uma obra de ficção. “A cabana é o lugar interno onde a dor cresce no homem”, disse o autor a ISTOÉ, de sua casa em Portland, Oregon, para onde se mudou antes de se casar e se dedicar à literatura. Não foi um início fácil: para ver seus escritos publicados, ele teve que abrir a própria editora, Windblown – os originais haviam sido recusados por 26 importantes casas editoriais.Criticado por religiosos americanos pela forma com que aborda os dogmas cristãos, o escritor canadense não vê problema em ser classificado como um autor de auto-ajuda: “Se o seu livro ajudar as pessoas a se reerguerem, então ele deve possuir algum mérito”.
 
ISTOÉ – Em seu livro o sr. descreve experiências transcendentais. Mas qual sua religião?
 
William P. Young – Não sigo religiões. Eu aposto mais no relacionamento com Deus. A religião, de certa forma, divide as pessoas em vez de unir. E isso é inaceitável. 
 
ISTOÉ – Seu objetivo ao escrever “A Cabana” não foi apresentar o espiritismo a pessoas que não o conhecem?
 
Young – Escrevi “A Cabana” para meus seis filhos. Meu objetivo era passar a eles uma experiência importante. As pessoas sempre me perguntam como eu fui capaz de escrever esse tipo de história para meus filhos. Eu penso que desde criança você deve ter essa consciência da perda, que além de inevitável responde muitas questões sobre nossa existência.  
 
ISTOÉ – Religiosos americanos o criticam por ter uma visão particular dos dogmas cristãos, como o da Santíssima Trindade. Como encara essas reações?

Young – Encaro como um bom motivo para questionar todas as regras e regulamentos religiosos. O próprio Jesus Cristo foi criticado por esse tipo de líderes. Por outro lado, esse tipo de discussão é bom, pois os religiosos raramente se envolvem em discussões como essa. Mas é sempre importante não esquecer que o meu livro é uma obra de ficção. 

ISTOÉ – No Brasil as pessoas comparam o seu trabalho ao de Paulo Coelho. O que acha disso?

Young – Já me falaram isso, mas ainda não tive oportunidade de ler as obras de Paulo Coelho.
 
ISTOÉ – Ele é muito criticado pelos elementos de auto-ajuda em seus livros. 

Young – Se você é um escritor que pretende viver independente das convenções sociais ou literárias provavelmente vai ser vítima desse tipo de comentários. Mas para um leitor que passa por algum tipo de dificuldade, o importante é se o livro lhe proporciona algum tipo de superação. Se a obra ajuda as pessoas a se reerguerem então você tem algum tipo de poder, tem seu mérito.
 
ISTOÉ – A sua vida mudou depois de se tornar um bestseller e vender mais de 12 milhões de livros?

Young – As coisas que importam para mim são a minha relação com Deus, com minha esposa, meus filhos e amigos. E elas já estavam profundamente salvas antes do sucesso acontecer. Sou grato por essa espécie de comoção que meu livro causa, mas tenho consciência de que essas coisas passam. A fama não é o que realmente importa. 
 
ISTOÉ – Por que decidiu lançar “A Cabana” de forma independente? 

Young – Procurei 26 editoras e as respostas variavam de “Você fala muito sobre Jesus” até “Não lançamos esse tipo de livro, ele é muito radical”. Então, imprimi cerca de 15 cópias e, no natal, distribui aos amigos mais próximos. Eles passaram a emprestá-las para outras pessoas e, em seis meses, fui procurado pelas editoras.
 
ISTOÉ – Foi nessa época que o sr. criou a editora Windblown? 

Young – Sim. Fundei a empresa em sociedade com os produtores de cinema Wayne Jacobsen e Brad Cummings, que haviam gostado da história. Sem querer, criamos um impacto positivo no mercado editorial. Acabamos com aquela regra velada das editoras que dizem que “se ninguém está publicando esse tipo de coisa, nós também não faremos”. 
 
ISTOÉ – Poderia falar de sua experiência como o único garoto branco em uma tribo na Nova Guiné? 

Young – Como era criança, não entendia aquele tratamento hostil. Eu e meus pais fomos viver nessa tribo gigantesca, que reunia por volta de 50 mil pessoas, e eu pensava que eles eram minha família até conhecer o lado negativo daquela cultura. Fui abusado sexualmente na escola dos missionários justamente pelas pessoas que nos conheciam. Eu tinha seis anos de idade. Uma das razões de ter escrito o livro reside nessas experiências. A cabana é uma metáfora do coração e da alma de uma pessoa. 
 
ISTOÉ – De que forma esses abusos sexuais afetaram sua vida? 

Young – De todas as formas possíveis. Não quis lidar com isso por muitos anos mas, olhando para trás, percebo que pessoas que sofrem esse tipo de trauma naturalmente desenvolvem mecanismos de sobrevivência. Você simplesmente não confia em ninguém e se mantém distante de tudo. Minha tendência era achar que eu era uma pessoa ruim. Esse sentimento refletia tanto na minha vida que, em dado momento, aos 38 anos de idade, tive que lidar com ele e, para isso, contei com a ajuda de minha esposa e de Deus.
 
ISTOÉ – O sr. pensou em recorrer à psicologia ou a psiquiatria para se tratar? 

Young – Não, apesar de achar que a psiquiatria é muito útil se voltada para o entendimento da natureza humana. Nesse caso, ela realmente abre algumas portas internas. Não importa se o nome de Deus é usado. Acredito que o Espírito Santo se manifesta em todas essas coisas. Ele pode estar ligado até ao rock and roll e não importa se o músico tem ou não uma ligação com Deus.  
 
ISTOÉ – No seu livro o protagonista perde a filha, assassinada de forma violenta. O sr. passou por algo semelhante? 

Young – Minha família viveu um período obscuro que durou seis meses. Nesse período eu perdi minha sogra e dois irmãos. São situações que levantam uma série de questionamentos. Muito do que escrevi veio da minha vida. Não digo que fui literalmente a uma cabana, mas falo de momentos em que eu me sentia perdido e não conseguia superar de forma alguma. 
 
ISTOÉ – Foi quando o sr. mudou-se para o Oregon? 

Young – Nessa época eu conheci minha esposa Kim e, como sou desapegado dos meus pais, fui para onde a grande família da minha esposa está. O ambiente aqui é bom porque as pessoas têm uma mentalidade muito mais aberta do que o resto do país, com um grande senso de amor e criatividade. 

ISTOÉ – Os conflitos entre islamismo e cristianismo continuam fortes nos EUA?

Young – Toda batalha entre religiões é gerada por algum tipo de fanatismo e tudo depende de como cada um se relaciona com seus próprios pensamentos. Esses conflitos envolvem outro aspecto que é a ganância. Existem muito poder e dinheiro envolvido, coisas contrárias ao que a religião deveria ser. Essa contradição continuará até que todos os corações sejam curados.
 
ISTOÉ – Quais são os seus novos projetos? 

Young – Estou escrevendo um novo romance que usa o mesmo tipo de jornada vivida pelo personagem de “A Cabana”. Será lançado ainda esse ano.
 
ISTOÉ – Há rumores de que “A Cabana” se transformará em filme.

Young – É verdade. Estou acompanhando tudo de longe e espero que a adaptação seja bem feita. Fui convidado para colaborar, mas percebi que não tenho experiência e que só atrapalharia o processo.


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