Faz cinco anos que o sexo não é mais o mesmo. Depois do surgimento do Viagra, a primeira pílula contra a impotência, lançada pela Pfizer em 1998, a vida sexual de homens e mulheres ficou melhor. Não somente porque o remédio deu uma solução para um dos maiores pesadelos masculinos – o de falhar na hora H. Além desse auxílio providencial, o Viagra ajudou a tirar da sombra o tema do fracasso na cama e outros percalços ocorridos entre os lençóis. Nesses cinco anos, os casais aprenderam a discutir com menos vergonha as dificuldades de cada um e o que
fazer para que o sexo voltasse a ser prazeroso. Mas o comprimido
azul causou outros fenômenos. Sua chegada incentivou laboratórios farmacêuticos a desenvolver produtos com ação semelhante,
iniciando uma disputa poucas vezes vista na história da indústria
de medicamentos. Hoje, além do Viagra, há outras três drogas orais contra a disfunção erétil (o nome médico para o problema): o Cialis,
da Eli Lilly, o Levitra, da Bayer e Glaxo SmithKline, e o Uprima, da Abott. Os quatro remédios – em especial os três primeiros – brigam pela conquista de pedaços cada vez maiores de um dos mercados mais atraentes do setor. Afinal, só no Brasil são 11 milhões de homens com algum grau de dificuldade de ereção. No mundo, são 150 milhões.

Para muitos especialistas, o Viagra foi um divisor de águas. “Pela primeira vez, uma medicação conseguiu restabelecer uma função importantíssima que muitos homens haviam perdido. Além disso, antes do remédio, falar do assunto era difícil”, afirma o urologista Eric Wroclawsky, de São Paulo. “A ereção era um problema para a masculinidade. Mas as campanhas realizadas ajudam a quebrar o tabu”, reforça o ator Heitor Martinez. Até mesmo namoradeiros assumidos, como o empresário paulista Ricardinho Mansur, 29 anos, não têm vergonha de confessar que recorreram ao remédio. “Há dois anos tive um dia estressante. À noite, usei o comprimido. Não senti muita diferença, porque não preciso. Mas fiquei mais tranquilo psicologicamente. Tomaria de novo se voltasse a passar uma situação daquelas”, conta.

A pílula mexeu também com as mulheres. Elas passaram a compreender melhor seu papel na ereção. Viram que a pílula ajuda, mas sem o desejo, ou seja, sem a emoção, ela não acontece. “Isso mostrou para a mulher que ela tem parte na ereção e precisa aprender a dar chance para que o homem se excite”, afirma o psicólogo Oswaldo Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Inadequação Sexual, que reúne pesquisadores para discutir as disfunções sexuais. Hoje, portanto, os casais percebem melhor que devem valorizar outros aspectos relacionados ao sexo, como o afeto. “Ficou claro que a ereção é importante, mas é necessário que o sexo seja feito com alguém com quem se esteja envolvido”, diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade da Universidade de São Paulo. Num estudo da psicóloga paulista Maria Virgília Grassi essa percepção ficou evidente. Depois de avaliar as reações de 125 pacientes com problemas sexuais durante cinco anos, ela constatou que mesmo os que usaram o Viagra quiseram continuar a terapia psicológica. “Eles viram que o remédio resolve a transa, mas não a falta da libido ou outros fatores emocionais”, afirma.

A possibilidade de recorrer a um remédio para impotência encheu
os homens de coragem para buscar ajuda, inclusive em outros procedimentos. “Nos últimos três anos, no meu consultório, dobraram
os casos de implante de próteses penianas”, exemplifica o urologista carioca Fernando Vaz. Além disso, muitos homens que chegaram às clínicas com queixa de dificuldades de ereção saíram também com o diagnóstico de outras doenças, como diabete e hipertensão (a disfunção erétil pode ser sinal de algumas enfermidades, como as citadas). Por causa do interesse dos homens, os médicos se viram quase que obrigados a conversar sobre sexo com seus clientes. “Há um interesse crescente desses profissionais de saúde em saber mais sobre o tema e também em valorizar as emoções do paciente”, afirma o psiquiatra Moacir Costa, autor de vários livros sobre sexualidade e coordenador de um serviço (0800 770 6543) para tirar dúvidas sobre o assunto.

Batalha – Enquanto os casais compreendem melhor o sexo, os laboratórios se entregam à guerra pela preferência de médicos e consumidores. Pudera. O segmento de remédios contra a disfunção erétil deve movimentar no Brasil cerca de US$ 85 milhões neste ano. Marcos Nour, diretor de marketing da Pfizer, assegura que este é o maior mercado da indústria farmacêutica no País. É claro que todos querem abocanhar o pedaço mais generoso do bolo – o único que parece fora da disputa é o Uprima, que não conquistou o público. A fatia maior se mantém nas mãos do fabricante do Viagra, apesar do surgimento, em maio, do Levitra e do Cialis.
“Era de se esperar que o setor ficasse dividido,
mas o que aconteceu foi que ele cresceu”, afirma Nour. Tanto é que a previsão da empresa é vender 12,5 milhões de comprimidos em 2003, contra os 11,4 milhões de 2002.

A capacidade de crescimento do setor é celebrada pelas companhias. “É um potencial imenso. Do público-alvo, apenas 10% estão em tratamento”, garante Jorge Albuquerque, gerente de marketing da Glaxo. Para ele, o incremento do mercado é favorecido pela quebra dos tabus. Com isso, a população busca mais informações junto aos profissionais de saúde. E o laboratório está de olho nessa comunidade. “Estamos trabalhando com o médico. Ele será o multiplicador da informação”, completa. Albuquerque jura que a estratégia está dando certo. De acordo com ele, as vendas de Levitra estão 15% acima da expectativa. Sem poder disputar mercado na mídia – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibiu a veiculação de propaganda que aborde a disfunção erétil –, a Lilly também investe na conquista dos médicos.

A Pfizer tira outra carta da manga. O ás, no caso, é a pesquisa
da empresa Inestra, que começou este ano a prestar serviços à
indústria farmacêutica. O instituto registra que o Viagra ainda é o campeão de receitas médicas. “Ele nunca deixou de ser o mais
prescrito. Em outubro, chegou a 39%. O Cialis atingiu 27% e o Levitra, 20%”, diz o diretor Flávio Seraphim. É bom lembrar que por aqui muita gente compra os remédios sem receita.

Para aumentar as vendas, cada empresa reforça as vantagens em relação aos concorrentes. O Viagra tem a seu favor, entre outras coisas, o tempo. Foi o primeiro no mercado e mostrou-se seguro e eficaz. O Cialis tem seu apelo mais forte no efeito de 36 horas, o que permite ao usuário tomar a pílula numa sexta-feira à noite e só transar no sábado à tarde. Já o Levitra foi especialmente criado para tratar a disfunção erétil e, segundo o fabricante, apresenta menos efeitos colaterais. Nesta guerra, cada empresa apresenta estudos científicos para endossar seus argumentos. Um dos mais recentes usados pela Pfizer, por exemplo, é o trabalho piloto realizado pelo urologista Joaquim Claro, professor da Universidade Federal de São Paulo. Resultados iniciais mostraram que o Viagra promove uma ereção em menos tempo do que o Cialis. Os outros laboratórios também exibem pesquisas em favor de seus produtos.

Escolha – Apesar desse tiroteio de informações, o Viagra permanece na dianteira. Dados de outubro da Genexis, empresa que processa, por dia, quatro milhões de transações comerciais envolvendo produtos farmacêuticos, mostram que a droga detém 74% do mercado brasileiro no total de comprimidos vendidos (estima-se que até o final do ano sejam comercializados 15,5 milhões de pílulas contra a impotência). O Cialis ficou com 22% e o Levitra 3,8%.

Os consumidores passam ao largo dessa guerra. Para eles, quanto mais opções, melhor. Os médicos, por outro lado, procuram esclarecer os pacientes sobre as características de cada droga. “O melhor é expor as vantagens e desvantagens dos remédios e deixar que o homem escolha”, diz o urologista Joaquim Claro. No consultório do urologista Paulo Palma Rodrigues, professor da Universidade Estadual de Campinas, as situações são variadas. “Às vezes, há pacientes que pedem um determinado remédio. Como os três medicamentos são eficazes, levo também em conta o estilo de vida de cada homem. Se é mais velho e tem parceira fixa, provavelmente não tomará a mesma droga indicada para um paciente jovem que não tem namorada”, afirma. Há um ano, o publicitário Carlos Mendonça (nome fictício), 22 anos, começou a ter dificuldade na ereção nas transas com a namorada. Procurou ajuda médica e hoje usa o Cialis.

O endocrinologista Freddy Goldberg, de
São Paulo, porém, levanta dúvidas sobre as vantagens da permanência do Cialis durante
36 horas no organismo. “Eventuais efeitos colaterais, como dor nas costas, também
podem se prolongar. Sem falar que, se o paciente for diabético e tomar vários tipos
de remédio, corre maior risco de, ao ingerir o Cialis, sofrer uma interação medicamentosa”, afirma. A Lilly descarta essa possibilidade.
“O remédio tem seu pico de concentração depois de duas horas, quando podem ocorrer
os efeitos colaterais de forma mais intensa. Depois, eles enfraquecem, apesar de a eficácia se manter”, rebate Fernando Martins, gerente médico do laboratório. Controvérsias à parte, a verdade é que as pílulas melhoraram a qualidade da vida na cama. Inclusive fazendo com que os casais se lembrassem de que o sexo vai muito além de uma ereção.

 

Mil e uma funções

No futuro, o Viagra pode ter novas indicações, como tratar problemas sexuais femininos. Há estudos em andamento e os resultados são animadores no sentido de atenuar dificuldades de excitação. A droga funcionaria da mesma forma que no homem, aumentando o fluxo sanguíneo na região genital. Isso melhoraria a lubrificação, facilitando a penetração. O remédio também é forte candidato a auxiliar no tratamento de doenças nas quais o sangue não transita com facilidade pelos vasos sanguíneos. É o caso da hipertensão arterial pulmonar.

O problema é caracterizado pela dificuldade de passagem de sangue no órgão, o que resulta no aumento da pressão no interior das artérias pulmonares. No Brasil, um dos centros que pesquisam os efeitos do Viagra contra a doença é o Instituto do Coração, em São Paulo. Há dois anos, 15 pacientes estão tomando o remédio. O estudo ainda não foi concluído. “Mas os resultados iniciais mostram que as chances são promissoras”, comenta Antônio Lopes, coordenador do trabalho. Estudo semelhante está sendo feito pela cardiologista Maria Virgínia Santana, do Instituto Dante Pazzanese. Se os resultados dessas pesquisas forem positivos, a previsão é a de que as novas indicações (disfunções sexuais e hipertensão pulmonar) sejam incluídas na bula entre 2005 e 2006. Os fabricantes do Levitra e do Cialis não pensam em estudar outras propriedades de seus medicamentos.

 

Que belo efeito

O inglês Simon Campbell não gosta de ser chamado de pai do
Viagra, em respeito aos colegas envolvidos na pesquisa. Mas
foi ele, junto com David Roberts, que descobriu o efeito do sildenafil (princípio ativo da pílula) contra a impotência. Em entrevista a ISTOÉ, ele conta que sente orgulho por isso. Casado com uma brasileira, Campbell trabalhou na Universidade de São Paulo na década de 70, mas agora está aposentado.

ISTOÉ – Quando o sr. percebeu que a droga que testava para o coração poderia ser um bom remédio para a disfunção erétil?
Campbell –
Inicialmente percebemos um pequeno efeito em
humanos. Continuamos o teste com doses mais altas. Foi aí que voluntários relataram a ereção.

ISTOÉ – Como foi o processo para a criação da droga?
Campbell –
Tivemos de entender como a droga agia. Depois, decidimos como continuar, com segurança, os testes clínicos. Finalmente o grupo comercial pesquisou a incidência de disfunção erétil e concluiu que o problema era mais comum do que imaginávamos e necessitava de ajuda médica.

ISTOÉ – Como o sr. se sente por ser o “pai” de um remédio
tão importante?
Campbell –
Sinto-me bem por saber que ele é eficaz contra uma doença tão angustiante.

Lia Bock