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No ritmo em que a tecnologia e os conhecimentos sobre o funcionamento do organismo evoluem, em um futuro próximo um dos mais graves problemas que médicos e pacientes têm hoje poderá ser solucionado: a escassez de doadores de tecidos e órgãos para transplantes. Neste momento, em vários laboratórios do mundo, inclusive no Brasil, estruturas como bexiga, rins, pulmões, ossos, pele, veias e cartilagens estão sendo construídas com a ajuda de tecnologias sofisticadas. O objetivo é que elas substituam o que estiver lesado dentro do organismo, como peças de reposição.

Esta é a linha de pesquisa da chamada medicina regenerativa, uma das áreas da ciência que mais crescem atualmente. Um dos países com os experimentos mais avançados são os Estados Unidos. Lá, está em funcionamento um consórcio financiado pelo Departamento de Defesa e formado por 30 universidades. O Instituto de Medicina Regenerativa da Universidade Wake Forest integra a iniciativa. Cerca de 150 pesquisadores da instituição estão trabalhando na engenharia de 23 diferentes tecidos e órgãos. Entre eles artérias, ossos, cartilagens, córneas, orelhas, esôfago, válvulas cardíacas e rins.i134145.jpg

Um dos trabalhos mais avançados está sendo feito com uma bexiga construída em laboratório. O órgão foi desenvolvido a partir da combinação de células-tronco (capazes de dar origem a diferentes tipos de tecidos) e de materiais biocompatíveis, que não oferecem risco de rejeição pelo organismo. Hoje, há 25 pacientes usando as bexigas criadas pelos cientistas. “Se elas se mostrarem eficientes, vamos avaliar seu funcionamento em pacientes com câncer de bexiga”, disse à ISTOÉ Anthony Atala, diretor do instituto.

A fórmula usada para a geração da maioria dos órgãos é basicamente a mesma. Os médicos colhem células (tronco ou já especializadas) do paciente e as deixam imersas em uma cultura especial para que se multipliquem. Elas são usadas para recobrir moldes produzidos com os biomateriais. Entre os tipos mais usados está o colágeno.“Essas estruturas servem de suporte para as células enquanto elas se desenvolvem”, explica Atala.

No Brasil, entre as pesquisas mais promissoras estão as voltadas para o desenvolvimento de outras opções de biomateriais. Uma delas é a biocerâmica, usada para reconstrução óssea. Essa estrutura serve para a regeneração de ossos da face, crânio e até de partes da coluna. “O material funciona como base para que novas células ósseas se repliquem no local”, explica o médico Francisco Wykrota, um dos pioneiros na criação desse material no Brasil.

Um dos estudos para aprimorar a biocerâmica está sendo realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em São Paulo. O objetivo é desenvolver uma nova tecnologia que deixe o recurso ainda mais resistente. “Estamos testando em animais um modelo com potencial de ter maior integração com o corpo”, explica o pesquisador José Carlos Bressani, diretor do instituto. A estudante carioca Julia de Aquino, 15 anos, beneficiou-se da tecnologia. Ela teve traumatismo craniano depois de um atropelamento. Toda a parte superior do crânio foi refeita com o auxílio da biocerâmica. “O resultado ficou muito bom”, diz.

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Outra área na qual se observam avanços é a da criação de pele. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, estão testando um novo procedimento para ajudar pacientes que sofreram queimaduras ou que apresentam úlceras de pele. O método consiste na retirada de um pedaço sadio da derme do paciente, de onde são tiradas células como os fibroblastos e os queratinócitos. Elas são multiplicadas e processadas de forma que se transformem em uma espécie de pasta, aplicada nos indivíduos. “Cerca de 45 dias depois uma nova pele nasce na área”, explica Beatriz Puzzi, coordenadora do laboratório da Unicamp. “Não há risco de infecções e as cicatrizes são sutis.”

No Instituto Wake Forest, os cientistas estão trabalhando no desenvolvimento de um aparelho para ajudar na regeneração da pele. Ele é abastecido com células humanas. Elas são a matéria-prima para a produção, dentro do próprio equipamento, de um curativo a ser aplicado na área lesada. “Essa máquina poderia ser usada em campos de guerra, por exemplo”, disse Atala. Espera-se que fique pronta em cinco anos.

FOTOS: DANIELA DACORSO/AG. ISTOÉ; DIVULGAÇÃO. ARTE: FERNANDO BRUM