i134339.jpg

A foto acima mostra Jacqueline Ruas, 15 anos, com suas amigas Laryssa, Fernanda e Carolina (da esq. para a dir.), na sextafeira 24, no restaurante do Animal Kingdom, no quarto dia de férias da excursão “Meus 15 anos na Disney”, em Orlando, na Flórida. Estão fazendo pose, graça, exibindo um estado de euforia constante próprio da idade. É um dos últimos flagrantes de felicidade da jovem de classe média de São Caetano do Sul que trocou a festa de 15 anos para realizar o sonho acalentado desde os 7: conhecer a Disney. Filha única da gerente de vendas Maria Aparecida Ruas e do gerente de informática Danilo Ruas, Jacque, como era chamada pela família e pelos amigos, era o xodó da casa. Todos os esforços do casal eram voltados para o bem-estar e o futuro da menina – tanto que, mal tinham conseguido realizar o projeto da viagem para Orlando, eles já guardavam dinheiro para comprar um carro quando a garota completasse 18 anos.

i134343.jpg

Foi nesse espírito de alegria e satisfação que os pais experimentam quando realizam o sonho de um filho que Maria Aparecida e Danilo foram buscar Jacqueline no Aeroporto Internacional de Guarulhos, nove dias depois de a adolescente tirar essa foto. O voo estava previsto para chegar às 5 horas do dia 2 de agosto. Haviam programado um café da manhã de princesa para a filha, com uma de suas receitas preferidas: panquecas com cobertura de chocolate. Ela tinha pedido o prato pouco antes de embarcar, por telefone, e se despedir com um carinhoso “eu te amo”. Foi o derradeiro contato. Quando o avião aterrissou, a família recebeu a inacreditável notícia: a jovem bonita e saudável havia morrido durante o voo.

Na véspera do retorno, Jacqueline parecia bem, ao falar por rádio com os familiares. Durante a viagem, a família afirma que só foi informada que ela tinha uma gripe corriqueira – ninguém nem desconfiava que ela havia desenvolvido uma pneumonia que a levou à morte. “Temos perguntas que ficaram sem respostas. Houve erro médico? Por que a agência não nos comunicou sobre a pneumonia e deu os medicamentos sem ter nos consultado?”, questiona a consultora Magda da Paz Santos, tia da jovem, embora a agência Tia Augusta, responsável pela excursão, alegue ter informado sobre o princípio de pneumonia. Os pais de Jacqueline já anunciaram que irão processar a empresa.

Com a rotina de sol forte, ar-condicionado e piscina, vários integrantes do grupo de 29 pessoas apresentaram sintomas de gripe. Quatro dias depois de tirar a foto com as amigas no Animal Kingdom, na terça-feira, 28 de julho, Jacqueline teve febre e tosse. Uma médica foi visitá-la no hotel, receitou o antiviral Tamiflu, o analgésico Tylenol e o antibiótico Azitromicina e liberou-a para os passeios da excursão. Uma de suas colegas de quarto, Loretta Boncristiani Pincetti, 15 anos, foi examinada junto com ela. “Fiquei com dor de garganta, a Jacque também. Ela tirou a pressão e mediu a febre”, conta Loretta. “Quando a médica foi ao quarto, minha filha disse que a Jacqueline estava com suspeita de gripe suína”, conta a funcionária pública Eliana Pinto de Moraes Sordi, 39 anos, mãe de Marinna Sordi, 13, que também fazia parte da excursão.

Marinna afirma que Jacqueline parecia estar se recuperando e só reclamava de uma dor no abdômen. “Ela estava tranquila, achando que ia tomar o remédio e melhorar”, diz Marinna.
Jacqueline chegou a sair com o grupo na quarta-feira 29 de julho, mas sentiu náuseas e preferiu voltar para o quarto. No dia 30, foi examinada, junto com outras jovens com suspeita de gripe, por outra médica, e se queixou de falta de ar. Foi encaminhada, então, ao pronto-socorro do Celebration Hospital, onde fez radiografia e exames de sangue, incluindo o que detecta o vírus H1N1 (causador da gripe suína). Os médicos diagnosticaram apenas um princípio de pneumonia e liberaram Jacqueline nas primeiras horas do dia 31.

Enquanto isso, no Brasil, os pais desconheciam o estado de saúde das filhas. Eles se queixaram à reportagem da ISTOÉ da falta de comunicação da agência Tia Augusta, que abre um canal no site para que os pais falem com os filhos. “Tenho quatro ou cinco e-mails enviados à minha filha, mas ela não pôde responder”, diz a comerciante Edione Bento Prata, 46 anos, do Guarujá, mãe de Laryssa, 13 anos. Carla Soares, mãe de Fernanda, 16 anos, tem a mesma reclamação. “O combinado era comprar um cartão telefônico e falar com a gente por e-mail. Enviei seis mensagens e minha menina não me respondia.” A adolescente também ficou doente. “Na terça, a Fernanda acordou muito tonta e fraca e pediu para falar comigo. Ela segurou o choro para não entrar em pânico. Disse para mim que se sentiu mal, humilhada, jogada. E eu aqui sem notícias”, lamenta Carla.

Segundo Carla, apenas na quinta-feira 30, dez dias depois do início da excursão, chegaram os cartões telefônicos. “Ela ligou aos prantos. Disse que tinha melhorado, mas que a amiga [Jacqueline] dela não estava bem”, conta. Conforme as adolescentes foram medicadas, se recuperaram. A única que ainda aparentava fraqueza no fim da viagem era Jacqueline. As amigas acreditam que a jovem evitou preocupar a família. “Ela não era muito de reclamar, mas chegou a contar para a gente que estava mal”, diz Loretta. “Na terça, ela ainda estava comendo bem, mas nos últimos dias não.” Jacqueline precisou de ajuda das amigas para terminar de fazer as malas e, nas últimas compras, feitas num outlet em Orlando, ela ficou o tempo todo sentada e indicava as peças que queria para que as amigas comprassem. “Ela não estava muito bem, mas continuava rindo”, afirma Loretta.

O voo saiu no domingo 1º de agosto dos EUA e fez uma conexão no Panamá. Na madrugada do dia 2, Jacqueline já estava bastante debilitada – ficou o tempo todo numa cadeira de rodas, no Panamá. Eram 4 horas quando começou a movimentação para o café da manhã. Do lado direito do avião, estavam sentadas Laryssa, Loretta e Fernanda. Do outro, Jacqueline, Carolina e um rapaz do grupo. “Ela só dormia, a viagem inteira. Não quis comer nada, tomar nada. A gente não conversou com ela, todo mundo estava cansado”, conta Marinna. “Uma hora antes de chegar ao Brasil, a Laryssa sentiu que a Jacqueline estava fria e chamou a guia, gritando.” Foi Laryssa quem colocou a mão na frente do rosto de Jacqueline e percebeu que ela não estava respirando, tocou o peito da amiga e sentiu que estava gelado.

Imediatamente, a guia Gisele dos Santos pediu ajuda médica e dois voluntários se aproximaram. “Os médicos tentaram ressuscitá-la. Eu abaixei a cabeça, não quis mais ver”, diz Laryssa. Durante alguns minutos, o oftalmologista Aníbal Fenelon, 58 anos, e o cirurgião Irineu Rasera Júnior, 41, fizeram o atendimento de urgência no corredor. Eram cerca de 4h30. “Até ouvir o chamado, não estava acontecendo nada no avião. Eu nem sequer a tinha visto antes da parada cardiorrespiratória”, lembra o médico. “Depois de fazer a desobstrução das vias aéreas, a transferimos para o fundo da aeronave”, conta Rasera. O clima era tenso, os adolescentes choravam assustados. Os médicos passaram cerca de meia hora tentando reanimar Jacqueline, até constatarem a morte às 5h05. “Insistimos porque era uma menina superjovem e ninguém viu o que aconteceu”, conta Rasera. “Mas, quando cheguei, ela estava fria, com a secreção seca. Eu acho que ela foi tentando aguentar até o fim, pensando que ia passar”, afirma o cirurgião.

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5232502164573173.jpg

Aos poucos, o choro foi sendo substituído pelo silêncio. “Todo mundo ficou muito assustado”, lembra Loretta. “Alguns olhavam para trás, outros nem queriam virar o rosto.” O corpo foi carregado embrulhado em panos, pelo corredor da aeronave. “Minha filha chegou branca do avião”, conta Carla, mãe de Fernanda. “Ninguém acompanhou o desembarque, encontrei-a totalmente perturbada.” Algumas jovens, como Marinna, saíram do aeroporto diretamente para o hospital para fazer exames. Rasera, o cirurgião que atendeu Jacqueline, procurou um infectologista e está tomando antibióticos e Tamiflu preventivamente. Na segundafeira 3, o diretor-executivo da agência Tia Augusta Turismo, Filipe Fortunato, afirmou que um menino de cerca de 10 anos estaria contaminado pelo vírus H1N1. Na quintafeira 6, a agência divulgou um comunicado afirmando que o teste do menino deu positivo para quadro viral, sem definição para gripe suína. Embora a Secretaria de Saúde de São Paulo tenha anunciado que iria monitorar 18 pessoas, até a quinta-feira, nenhuma das famílias entrevistadas por ISTOÉ tinha sido procurada.

No atestado de óbito, as causas do falecimento foram choque séptico, empiema pleural e broncopneumonia (leia quadro), que devem ser mais bem explicadas com o relatório complementar do Instituto Médico Legal de Guarulhos, previsto para sair em três semanas. De acordo com o Elie Fiss, professor de pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC, não é incomum pneumonias evoluírem rapidamente e o quadro clínico mudar em 24 horas. “A indicação é retornar ao médico em casos de fraqueza intensa, tontura, falta de ar ou qualquer sintoma diferente.” No boletim de alta de Jacqueline, havia a advertência de retorno imediato ao médico diante do agravamento da situação. De acordo com a Tia Augusta, Jacqueline teria reclamado apenas de uma leve tontura. A agência afirma que já levou mais de 300 mil turistas à Disney e esse foi o primeiro falecimento registrado em 35 anos. Segunda a Tia Augusta, a morte de Jacqueline foi uma fatalidade. Fatalidade essa que mergulhou em pesadelo a vida de uma família.

 /wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_5232551427936163.jpg