Leandro Pimentel

Vanguarda: Devido às suas letras
realistas sobre a marginalidade, Bezerra é tido como precursor do rap

A voz do morro era ele mesmo, sim, senhor. O sambista Bezerra da Silva morreu no Rio de Janeiro, aos 77 anos, na segunda-feira 17, de falência múltipla dos órgãos – estava internado desde o dia 28 de outubro, com enfisema pulmonar. Abastecido por um time de compositores populares, cantou como ninguém a vida dos excluídos, dos encarcerados e dos malandros e sabia de cor a lei da bandidagem, traduzida em canções crispadas de realismo e galhofa. Seu bordão era “malandro é malandro, mané é mané”. Foram ao todo 28 álbuns, que venderam juntos três milhões de cópias. Armas de fogo, drogas, acerto de contas, confrontos com a polícia e um escorregadio jogo de cintura: não havia vida fácil na crônicas de Bezerra. Muito menos concessão ao politicamente correto.

Figura polêmica, Bezerra não se furtou a enaltecer Escadinha na canção Meu
bom juiz
, entoada no enterro do traficante em setembro passado. Mas não gostava muito quando diziam que fazia “sambandido”. Pelos temas explosivos e crus, foi apontado como precursor do gangsta, vertente violenta do rap americano. Começou mesmo foi tocando zabumba e cantando coco em Pernambuco, onde nasceu. Chegou ao Rio aos 15 anos num navio cargueiro de açúcar, trabalhando na construção civil e como pintor de paredes. Influenciado por Jackson do Pandeiro, lançou-se como ritmista na Rádio Clube e tocou na Orquestra da Rede Globo. Estudou violão clássico e sabia ler cifras musicais, tendo parodiado o encontro dos tenores Pavarotti, Carreras e Domingo no CD Os três malandros in concert, gravado em 1995 com Moreira da Silva – também já falecido – e Dicró. Nos últimos anos, andava nas graças das novas gerações. O Barão Vermelho gravou a célebre Malandragem dá um tempo e O Rappa deu sua versão para Candidato Caô-Caô.
Há três anos, ele passou a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus. Seu próximo CD seria justamente de canções religiosas.