Passada a empolgação com a era da velocidade e da globalização, a sociedade colhe os problemas que os novos tempos plantaram. Se os jovens de hoje têm a vantagem da informação precoce, sofrem, por outro lado, a irreparável desvantagem de se tornarem vítimas desse mundo cada vez mais cedo. Prova disso está no estudo coordenado pela psiquiatra Sandra Scivoletto, responsável pelo Ambulatório de Adolescentes e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Durante sete anos, Sandra acompanhou 180 adolescentes de 11 a 17 anos e constatou que, na última década, a idade média para se experimentar a primeira droga – lícitas, como o álcool, e ilícitas – baixou de 14 para 11 anos. “Antigamente a preocupação com as drogas só aparecia quando os jovens já estavam cursando o ensino médio. Agora isso é praxe também no ensino fundamental”, conta a psiquiatra. A crescente falta de diálogo dos pais com os filhos e a vista grossa das autoridades e da sociedade frente ao avanço das drogas no universo jovem constituem boa parte do problema.

Teoricamente, a legislação proíbe bares e estabelecimentos de venderem bebidas alcóolicas a menos de 200 metros de distância das escolas. Basta, entretanto, uma pequena volta em torno de algumas instituições de ensino para constatar que a prática é outra. Ao redor do Colégio Oswald de Andrade, localizado num bairro de classe média em São Paulo, por exemplo, chega a oito o número de bares que pauta a diversão dos alunos nos intervalos de aula. “A gente sabe que é ilegal, mas é tão fácil sair da escola e tomar uma cervejinha que não dá pra segurar”, conta um aluno da oitava série. Mais afastado dali, na Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Anhanguera, a realidade não é diferente. Os alunos só precisam atravessar a rua para tomar suas cervejinhas.

“A gente fuma maconha e bebe quase todos os dias”, conta Henrique*, 14 anos. “Um traficante da minha sala traz o fumo pra galera e a cerveja a gente toma aqui no bar em frente da escola mesmo”, completa Júlio, 15 anos. Por mais que o depoimento dos alunos mostre que o consumo de drogas lícitas e ilícitas faz parte do cotidiano, a presença de ISTOÉ no bar, na semana passada, incomodou a direção do Anhanguera e chamou a atenção do batalhão de polícia responsável pela região. Em menos de 20 minutos, seis carros de polícia chegaram ao local para acusar a reportagem da revista de fornecer bebidas alcóolicas a menores de idade. Nossa defesa veio da boca dos próprios alunos. “A gente nunca precisou usar um maior de idade para beber. Temos acesso às drogas que quisermos independentemente disso”, disse Lucas, 14 anos.

De acordo com a psiquiatra Sandra Scivoletto, a proximidade dos bares com as escolas é tão ou mais nociva quanto a presença de alunos que distribuem maconha dentro das salas de aula. “Ao contrário do que dizem por aí, a maconha não é a porta de entrada para outras drogas. Quem abre o caminho é o álcool. A maconha vem depois”, afirma. Isso porque a maioria dos adolescentes que começa a beber, rouba bebida do pai antes mesmo de ouvir falar em maconha. “Meu primeiro porre foi aos 11 anos, numa festa de família. E meu primeiro baseado fumei aos 12, com amigos mais velhos”, recorda-se Lucas. Fruto de uma educação bem diferente da de Lucas, Eduardo, 15 anos, também fumou o primeiro cigarro de maconha aos 12 anos. Ele é aluno da Escola da Vila, também da classe média paulistana, e já foi pego usando a droga em um passeio, quando cursava a sexta série. “A diretora conversou com meus pais. Eu tomei uma bronca e aprendi a lição: não paro de fumar, mas nunca mais fumo perto da escola”, diz Edu, enquanto passa o baseado para a amiga Lúcia, aluna da oitava série da Escola Vera Cruz.

Lúcia, Edu e outros alunos do ensino fundamental das principais escolas particulares de São Paulo fizeram de uma praça próximo à Vera Cruz o ponto de encontro das tardes regadas a maconha e bate-papo. Há dez anos, a mesma praça era habitada por crianças brincando de corre-corre e de amarelinha. Os adolescentes mudaram e a escola foi obrigada a mudar também. Polêmica por sua linha liberal de ensino, há duas semanas a Vera Cruz virou assunto depois de expulsar dois alunos que enrolavam um baseado em sua quadra de esportes. Categórica, a diretora de ensino fundamental, Stella Mercadante, defende a postura da escola: “Se alguns pais de nossos alunos são permissivos, nós não somos. As regras são claras: quem for pego usando ou portando drogas ilícitas dentro da escola será punido”, diz. Um importante produtor cultural, pai de um dos alunos que foi pego enrolando um baseado, condena a postura de Stella. “Ela é educadora. Devia estar preocupada com o debate, mas expulsou meu filho e o amigo semanas antes da formatura e nem sequer discutiu o assunto”. Colegas dos garotos transferidos, entretanto, deixam claro que a Vera Cruz trabalha bem a questão dos limites e das punições às transgressões. No primeiro semestre, mais de 30 alunos foram pegos bebendo em um passeio. Entre eles estavam os dois garotos envolvidos no último incidente. A punição da escola, na época, foi branda e agradou aos alunos. “Fizemos um estágio nas turmas de 2ª à 4ª série e percebemos que as crianças pequenas, muitas vezes, são mais maduras do que a gente, pois não transgridem a lei”, resume o aluno Daniel, 15 anos.

Para Sandra Scivoletto, a culpa não é só da escola se cada vez mais alunos são expulsos e suspensos do ensino fundamental por porte ou uso de drogas. “Mais de 60% dos jovens apresentam sintomas depressivos antes de usar pela primeira vez a droga. Talvez os pais estejam ignorando os sinais de depressão dos filhos.” De fato, os pais que partem do princípio de que “adolescente é sempre aborrecente” ignoram que ansiedade e depressão são distúrbios sérios que demandam tratamento. Sandra explica que um sintoma claro de uso de drogas é que os meninos costumam ficar mais agressivos e as meninas melancólicas. Cabe aos pais perceber e dar apoio.