OCUPAÇÃO CILDO MEIRELES – RIO OIR/ Itaú Cultural, SP/ até 2/10

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ELOGIO DAS ÁGUAS
Para realizar o LP “rio oir” (acima), Cildo Meireles orquestrou sons de rios, riachos,
pororocas, mares e cataratas (abaixo), mas também águas encanadas e residuais (última)

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Deixar os trabalhos decantarem por muito tempo, na forma de ideia e anotações, antes de torná-los realidade. Esse é um procedimento comum na trajetória de Cildo Meireles. Nos anos – ou décadas – em que se dedica à decantação dos projetos, o artista garante a filtragem de suas impurezas, assemelhando seus processos criativos aos químicos. Esse ato de decantação marcou também a criação da instalação sonora “rio oir”, que teve sua primeira anotação em 1976 e agora ganha forma graças ao projeto Ocupação, do Itaú Cultural. Foram dois anos de viagens e gravações dos sons das águas das três principais bacias do País: Tocantins, Paraná e rio São Francisco. O resultado é uma obra sonora de primeira grandeza, em que Cildo tece seu elogio à natureza desenvolvendo todos os sentidos da palavra decantar: celebrar em cantos ou poemas.

O trabalho parte de um palíndromo, uma frase reversível e reveladora. O espelhamento de “oir” – ouvir em castelhano – com “rio” sugere que paremos para escutar o que as águas têm a dizer. E, ao prestar atenção aos fluxos dos rios, o artista e sua equipe descobriram em suas viagens um sistema de nascentes em estado de alarme, muitas delas natimortas. A fim de demarcar essa percepção, a obra sonora orquestra os sons grandiosos das fontes naturais – do estrondo das pororocas à arrebentação das marés – com os sons das águas encanadas dos sistemas residuais das cidades. “rio oir” é uma obra sonora em forma de LP de vinil. A sinfonia das águas ocupa o lado A. O lado B é formado pelo som de risada humana. Afinal, esse é o segundo sentido da palavra “rio”: rir na primeira pessoa do singular. Há uma série de duplos sentidos, espelhados e sobrepostos, nos dois lados desse palíndromo.

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O trabalho funciona muito bem como vinil. O único ruído da nova obra sonora de Cildo Meireles é o caráter cenográfico de sua montagem no espaço, criada, em realidade, pelo curador da mostra, o arquiteto Guilherme Wisnik. Incomoda o aspecto provisório das salas concebidas para a escuta dos rios e das risadas e é desnecessário o circuito de imagens do making of das gravações, que circunda a instalação. Contudo, se a arte pudesse mudar o mundo, “rio oir” contribuiria para decantar nossas contaminações.  


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