Dias de ira

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Os rebeldes líbios avançavam em massa nesta segunda-feira (22) no centro de Trípoli, onde fica a residência do ditador Muamar Kadhafi, cuja queda os países ocidentais acreditam ser iminente. Em poucos minutos, quase 40 veículos passaram por um correspondente da AFP e seguiram rumo à Praça Verde, lugar simbólico onde se reuniam os partidários do regime de Kadhafi. A chegada de guerrilheiros, que exibiam a bandeira da revolução, reforça o número de rebeldes já presentes em Trípoli.
 
O líder do Conselho Nacional de Transição (CNT), órgão político da rebelião na Líbia, afirmou nesta segunda-feira que a era de Muamar Kadhafi "acabou" e disse esperar que ele seja capturado "vivo". Durante uma entrevista coletiva em Benghazi, capital dos rebeldes no leste da Líbia, Mustafah Abdelkhalil disse ignorar onde se encontra Kadhafi e explicou que alguns setores da capital ainda não estão sob controle dos insurgentes, incluindo o que abriga a residência do coronel líbio.
 
No Cairo, um representante do CNT afirmou que o país não autorizará a instalação de bases militares da Otan após a saída do coronel Kadhafi, segundo a agência de notícias egípcia Mena. "A Líbia é uma nação árabe e islâmica antes da Otan e seguirá sendo depois da Otan", declarou o enviado especial do CNT na Liga Árabe, Abdel Moneim al Huweini, Segundo ele, "os líbios se rebelaram contra as ocidentais em 1970 e não existirão bases que não sejam líbias".
 
Huweini completou que os rebeldes são agradecidos à Otan, que efetuou os bombardeios que ajudaram os insurgentes pouco experientes e permitiu minimizar as perdas de vidas humanas. Segundo o chanceler italiano Franco Frattini, o regime do coronel Kadhafi controlava nesta segunda-feira apenas "entre 10 e 15%" de Trípoli.
 
Uma fonte diplomática que pediu anonimato afirmou que Kadhafi ainda estaria em sua residência do bairro de Bab al-Aziziya em Trípoli. Os países ocidentais, liderados pelos Estados Unidos, esperam que a ofensiva conduza a uma rápida vitória, mais de seis meses depois do início dos protestos populares contra Kadhafi no contexto da "Primavera Árabe" que já derrubou os presidentes egípcio Hosni Mubarak e tunisiano Ben Ali. Em Benghazi, dezenas de moradores de habitantes tomaram as ruas da "capital" dos rebeldes no leste da Líbia para celebrar o fim próximo do regime.
 
Fim de uma era?
 
Apesar do sucesso aparente dos rebeldes, o porta-voz do regime, Mussa Ibrahim, afirmou que "o regime continua sendo forte e milhares de voluntários e soldados estão prontos para a batalha". De acordo com ele, 1.300 pessoas morreram nas últimas 24 horas em Trípoli, mas não foi possível confirmar o balanço.
 
O presidente Conselho Nacional de Transição, Mahmoud Jibril, declarou nesta segunda a derrota das tropas do líder líbio Muamar Kadhafi. "Agora eu digo, com toda a transparência, que a era Kadhafi acabou", disse Jibril em entrevista coletiva, na cidade de Benghazi, transmitida pelo canal árabe Al Jazeera.
 
Contudo, Jibril afirmou que não se pode dizer que os rebeldes controlam a totalidade de Trípoli e que não há informações sobre o paradeiro exato de Kadhafi, mas que o objetivo é capturá-lo com vida e levá-lo a julgamento. Jibril também afirmou que os rebeldes líbios irão abandonar as armas e voltarão a serem "cidadãos produtivos" assim que acabar o conflito contra as tropas comandadas por Muamar Kadhafi.
 
O líder rebelde disse que Kadhafi será lembrando pelo massacre dos rebeldes. "Muamar Kadhafi e o seu regime serão lembrados pelos atos que ele cometeu contra os rebeldes e contra o mundo", disse. "O povo líbio nunca se submeteu a Kadhafi, desde o primeiro ano de sua revolução, ou melhor, desde o primeiro ano de seu golpe", afirmou Jibril.
 
Ele também alertou o povo líbio para as dificuldades que se seguirão. "Os líbios devem entender que o período que virá não será um mar de rosas. Nós enfrentaremos muitos desafios e temos muitas responsabilidades", disse Jibril. Ele acrescentou que as ações dos rebeldes seguirão os princípios pelos quais a revolução foi criada: criar segurança, paz e prosperidades. "Esses princípios só podem ser alcançados através de reconciliação, contenção e tolerância".
 
O líder rebelde também agradeceu a comunidade internacional pelo apoio dado durante a revolução no país. "Nós agradecemos, em particular, todos os países que proveram todo o tipo de apoio desde o nascimento da revolução até a vitória", declarou.
 
Ação coordenada
 
A ‘Operação Sirene’, iniciada sábado, acontece em coordenação entre o CNT e os soldados rebeldes, segundo o porta-voz dos insurgentes, Ahmed Jibril, que também mencionou a participação da Otan. Os rebeldes procedentes do oeste da Líbia entraram à noite em Trípoli, assim como insurgentes procedentes do mar de Misrata, 200 km ao leste da capital. Mahmoud Jibril, um dos líderes do CNT, pediu aos combatentes que não atuem com vingança em Trípoli e destacou a existência de "focos de resistência" das tropas de Kadhafi.
 
Filho de Kadhafi
 
O Tribunal Penal Internacional (TPI) está em contato com os rebeldes líbios para obter a transferência a Haia de Saif al-Islam, filho de Muamar Kadhafi que foi detido pelos insurgentes. "Todo tribunal está envolvido", declarou à AFP Fadi al-Abdallah, porta-voz do TPI. Ao ser questionado se isto significava contatos com os rebeldes líbios, a resposta foi apenas "sim".
 
Nesta segunda-feira, o procurador do TPI, Luis Moreno Ocampo, confirmou que Saif al-Islam, de 39 anos, foi preso e está detido. "Esperamos que possa estar em breve em Haia para ser julgado", disse o procurador, antes de afirmar que pretende entrar em contato com o governo de transição líbio.
 
Saif al-Islam é acusado, ao lado do pai e do diretor do serviços de inteligência, Abdallah al-Senusi, de crimes contra a humanidade pela repressão contra as manifestações que reclamavam a queda do regime desde 15 de fevereiro. Antes da revolta líbia, Saif al-Islam era considerado o futuro sucessor de Kadafi e se apresentava como emissário e porta-voz do regime.
 
Entenda
 
Motivados pela onda de protestos que levaram à queda os longevos presidentes da Tunísia e do Egito, os líbios começaram a sair às ruas das principais cidades do país em meados de fevereiro para contestar o líder Muamar Kadhafi, no comando do país desde a revolução de 1969. Mais de um mês depois, no entanto, os protestos evoluíram para uma guerra civil que cindiu a Líbia em batalhas pelo controle de cidades estratégicas.
 
A violência dos confrontos entre as forças de Kadhafi e a resistência rebelde, durante os quais milhares morreram e multidões fugiram do país, gerou a reação da comunidade internacional. Após medidas mais simbólicas que efetivas, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a instauração de uma zona de exclusão aérea no país. Menos de 48 horas depois, no dia 21 de março, começou a ofensiva da coalizão, com ataques da França, Reino Unido e Estados Unidos.


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