Marshmallow e Yam, dois perus albinos, receberam o perdão presidencial, na terça-feira 22. Com o ato, eles não só escaparam do forno como ganharam aposentadoria confortável na Disneylandia, sob o sol da Califórnia. Outros 45 milhões de meleagridídeos não tiveram a mesma sorte e foram consumidos por americanos neste feriado de Thanksgiving Day, uma espécie de Dia de Ação de Graças ecumênico. A tradição manda que se cozinhe estas aves, como teriam feito os peregrinos pioneiros na Nova Inglaterra, em 1621, num banquete que incluiu os índios Wampanoags na lista de convidados. Na ocasião, o rebu fora ordenado pelo então governador William Bradford, em agradecimento ao Todo-poderoso pela boa colheita naquele ano, ao contrário do que acontecera na miserável safra anterior, que matou vários colonos de fome. Foram salvos da extinção pelos wampanoags, que lhes ensinaram melhores técnicas de cultivo do milho. Infelizmente, os nativos seriam levados à beira da extinção em 1675, em conseqüência de uma guerra contra os brancos promovida pelo chefe “Rei Philip” Metacon. George W. Bush cumpriu, nos jardins da Casa Branca, outra tradição: a de perdoar o peru destinado ao banquete do presidente. Mas o costume de comer os bichos não será obliterado pelo ato caridoso estendido a Marshmallow e Yam: outros perus seriam levados ao forno para o prazer paliativo da primeira-família.

Desde 1941, o Thanksgiving Day crava-se na folhinha na quarta quinta-feira de novembro. Antes deste ano, o presidente Abraham Lincoln (1861-1865) já havia tornado o feriado oficial, pela primeira vez, em 1863, mas apontava a última quinta-feira do mês como o dia D. Já o perdão às aves começou em 1957, com o presidente Harry Truman (1945-53). Mas nem todos seus sucessores repetiram o gesto caridoso. O piedoso Jimmy Carter, por exemplo, conseguiu passar os quatro anos de seu único mandato (1977-81) sem salvar o pescoço de um único peru. Já o republicano Gerald Ford (1974-77) resolveu, no primeiro ano de sua gestão, não estender ao peru o perdão que dera à raposa (seu antecessor, Richard Nixon, que renunciara em desgraça em 1974).

Hoje, é difícil encontrar motivos para agradecimentos coletivos. O país está numa guerra sem saída aparente, sofreu a pior temporada de furacões de sua história e mergulhou num lamaçal de escândalos políticos. Além disso, juntamente com o Natal, o Thanksgiving Day bate recordes de suicídios e violências domésticas. E o histórico em termos culinários também não chega a ser promissor: em 2004, nada menos que 360 pessoas sofreram queimaduras de terceiro grau ao tentarem uma receita de peru frito. Quinze desses cozinheiros de meia tigela conseguiram atear fogo às suas residências. Pelo jeito, Marshmallow e Yam parecem ser os únicos a ter justificativas válidas para gorgolejar graças no último dia 24.