Neste domingo 27, faz exatamente um mês que os jovens Banou, 15 anos, de Mali, e Ziad, 17, da Tunísia, morreram eletrocutados ao fugir de uma das truculentas blitze da polícia francesa. O incidente aconteceu em Clichy-sous-Bois, subúrbio pobre ao norte de Paris e, sabe-se, foi o estopim para que milhares de jovens suburbanos – em sua maioria filhos de imigrantes árabes e africanos – tocassem fogo em carros, latas de lixo e escolas de toda a França. De lá para cá, muita (e, paradoxalmente, tão pouca) coisa mudou. Paris continua forte e dona da mesma beleza imponente de sempre. Mas engana-se quem pensa que esse berço da história e da democracia ocidentais esteja livre das ameaças do subúrbio.

Na quarta-feira 24, ISTOÉ conversou com um grupo de oito jovens, filhos de imigrantes, em Aubervilliers, nos arredores de Paris. Com idade entre 21 e 30 anos, Nader, Abdel, Lesar, Gepetto, Sofian, Abdulah, Housmane e Cristophe querem mais, muito mais confusão. Cabeças do chamado Bando do 112 – pois moram em um HLM (Habitat à Loyer Moderé ou habitação de aluguel moderado) de numero 112 –, eles prometem incendiar Paris da próxima vez. “Fomos burros. Ao queimarmos carros e escolas do subúrbio demos corda para o (Nicolas) Sarkozy (ministro do Interior da França) nos enforcar. Da próxima vez, acabamos com Paris, incendiando primeiro a praça da Bastilha”, vocifera Nader, 24 anos, descendente de argelinos e um dos sete desempregados do grupo. E a queimada tem data marcada? Sofian, 30, filho de imigrantes marroquinos, responde: “Se a direita ganhar, será logo depois das eleições de 2007. Mas se a esquerda vencer, será no primeiro grande vacilo”, ameaça.

Durante quase duas horas de conversa, o bando dos 112 mostrou seus desejos, costumes e manias. Todos, sem exceção, são fãs de rap e hip-hop, fumam
(muito) haxixe e têm um ódio descomunal pela França, país que, para eles, destroçou os locais de origem de seus pais e ainda assim os trata como “filhos bastardos”. “A polícia diz que a gente se droga e por isso bota fogo nos carros. Mas é justamente o contrário: a gente só não mata todo mundo porque tem um baseado pra fumar”, diz Nader. “É isso mesmo”, endossa Abdel, 25 anos. “O Sarkozy acha que proibindo a venda de gasolina em garrafas vai nos impedir de fabricar coquetéis Molotov, mas ele não sabe que a gente tem revólveres calibre 38 e até Kalashnikovs e granadas”, diz, ameaçador.

Enquanto a tal revolução do banlieue (subúrbio) não acontece e essa espécie de 1968 dos excluídos não toma corpo, a verdadeira arma dessa moçada – para ira dos franceses mais conservadores – é um rap pra lá de ofensivo. Fãs da dupla NTM (Nique ta Mère, que em português quer dizer, literalmente, “foda a sua mãe”) e do rapper Mr. (Monsieur) R, os jovens do banlieue consideram esse estilo musical um “grito de guerra dos excluídos”. “Eles cantam a nossa dor. A melhor música é a que diz ‘Eu vou foder a França até ela gostar de mim’”, dizem, orgulhosos.

Tentando ouvir pessoalmente o rapper Mr. R (Richard Maleka), a reportagem de ISTOÉ acompanhou o repórter Mustapha Kessous, do Le Monde, ao tribunal do Palácio de Justiça de Melun. Processado por “atentado contra a moral e ode à violência” por dois deputados da Assembléia Nacional, o rapper deveria comparecer para se defender das acusações. O autor da música FranSSe (além de comparar o país às SS nazistas, diz que “a França é uma putana” e que despreza símbolos nacionais como Napoleão e o general De Gaulle), no entanto nem sequer compareceu para se defender.

Ainda assim, a visita da reportagem ao local serviu para radiografar o tamanho do preconceito contra os imigrantes árabes. Logo na entrada da sala do julgamento, um policial pediu ao jornalista Mustapha Kessous que ele entregasse sua carta de acusação e fosse ao banco dos réus. Mustapha educadamente explicou que ele era jornalista do maior jornal da França e o policial, constrangido, pediu desculpas. “Já perdi a conta de quantas vezes me pediram a carteira profissional para comprovar que eu não estava mentindo”, diz. Mas Mutapha não os culpa, ao contrário, entende bem a situação. “Um árabe nunca se forma numa faculdade e se torna jornalista de um importante jornal francês. Isso só aconteceu comigo porque eu estudei em boas escolas, de bairros ricos, e porque o Le Monde sabia que precisava de um jornalista com feições árabes para extrair boas matérias sobre os banlieues”, conta o jovem de 26 anos que foi incorporado à equipe do jornal às pressas, há menos de um mês, quando as confusões começaram. Ces’t la vie….