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CONTRASTE
Fachada de loja da rede em São Paulo e detalhes da confecção em Americana: trabalhadores
amontoados em meio à sujeira em um espaço sem ventilação tinham jornadas sem descanso

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A trajetória ascendente da grife espanhola Zara levou seu fundador, Amancio Ortega, ao posto de sétimo homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 31 bilhões. O frisson provocado pela entrada no mercado brasileiro, em 1999, transformou a marca em item obrigatório no closet das consumidoras de classe média. Mas uma mancha surgiu em meio à tamanha opulência. Na semana passada, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) descobriram um esquema de utilização de mão de obra escrava em três fábricas de fornecedoras da Zara, em São Paulo, nas quais 68 trabalhadores recebiam poucos centavos por peça produzida em condições subumanas.

O caso rapidamente tornou-se o assunto principal nas redes sociais e um dos tópicos mais comentados do Twitter. Críticas severas, avisos de boicotes e piadinhas como “o diabo veste Zara” se reproduziram de maneira viral. Tragada pelo escândalo, a controladora do grupo, a Inditex, que faturou US$ 15,8 bilhões em 2010, emitiu nota eximindo-se de culpa: “Ao ter conhecimento dos fatos, a Inditex exigiu que o fornecedor responsável pela terceirização não autorizada regularizasse a situação imediatamente. O fornecedor assumiu totalmente as compensações econômicas dos trabalhadores tal como estabelece a lei brasileira e o Código de Conduta Inditex.” A empresa disse estar disposta a colaborar com as autoridades brasileiras.

Mas Zara terá que fazer muito mais para limpar sua reputação, da mesma forma que outras multinacionais do ramo da confecção, envolvidas em exploração de trabalhadores em condições degradantes. “É uma crise de caráter. Os consumidores identificam a empresa com desonestidade, com má-fé. O primeiro erro já foi cometido após a crise: transferir a culpa para fornecedoras”, afirma José Eduardo Prestes, consultor há 12 anos em gestão de crise e professor de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “A proporção que o escândalo atingiu exige que a liderança mundial da empresa, Amancio Ortega, se posicione publicamente.” Segundo Prestes, a empresa deveria mostrar que medidas foram tomadas para sanar o problema.

Palavras não deverão ser suficientes para impedir que os responsáveis pela Zara respondam por ações penais no Brasil, cujo crime de utilização de trabalho escravo está tipificado no Código Penal. A investigação conduzida pelo Ministério Público do Trabalho e pelo MTE começou em maio, na cidade de Americana, interior paulista, onde se descobriu uma oficina com 52 funcionários (46 bolivianos, cinco brasileiros e um chileno) trabalhando em péssimas condições e com remuneração mínima. Metade da produção da fábrica, que foi fechada na época, era destinada à grife espanhola. O resto, segundo a procuradoria, era das marcas Ecko, Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d’Água e Tyrol, que serão instadas a regularizar a situação. A apuração levou ao descortinamento de toda uma cadeia produtiva, na qual os direitos mais básicos do trabalhador eram desrespeitados. Tornou-se comum, no Brasil, aliciar bolivianos e colocá-los em locais insalubres para a fabricação de vestuário popular. A prática ilegal chegou ao mundo das grifes.

Em duas oficinas, 16 bolivianos amontoavam-se em um espaço exíguo entre enormes volumes de peças, em meio à sujeira, falta de ventilação e com fiação elétrica exposta. Não havia descanso. A jornada diária era de até 16 horas e a remuneração, irrisória. O dono da oficina recebia apenas R$ 6 por calça jeans fabricada. Deste valor, apenas um terço era dividido para os trabalhadores. Na loja, a mesma peça é vendida por R$ 135, em média. No Brasil, a Zara possui 31 lojas e 50 fornecedores fixos. “Os trabalhadores estavam submetidos a condições análogas à de escravo. A Zara é responsável direta, pois toda a produção era destinada à empresa”, afirma Fabíola Junges Zani, procuradora do Trabalho. As multas podem chegar a R$ 1 milhão.  

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