A reportagem publicada por ISTOÉ (edição 1883) sobre o escândalo de pedofilia na Igreja Católica brasileira, revelando até a existência de um diário de um padre pedófilo, ganhou repercussão internacional na segunda-feira 20, quando o Corriere della Sera, o maior jornal italiano, dedicou uma página inteira à notícia. Intitulada “Escândalo no Brasil, os diários dos padres pedófilos”, a matéria citou ISTOÉ com a fotografia da revista no alto da página. Já no Brasil, os poucos veículos que publicaram a notícia o fizeram apenas depois da repercussão pelo Corriere, sem citar a fonte original da reportagem, como se o assunto tivesse sido revelado pelo periódico italiano. E na terça-feira 22, a Justiça do Estado de Goiás condenou o autor dos diários, o padre Tarcísio Tadeu Sprícigo, a 14 anos e oito meses de prisão em regime fechado, por abuso sexual de um menino de 13 anos. Sprícigo, ex-padre da paróquia São Pedro Apóstolo, em Anápolis, já havia sido condenado pelo abuso a outro menino, este de cinco anos. “Foi uma vitória que atribuo à publicação da matéria de ISTOÉ, pois esperávamos há muito tempo por essa decisão. Foi importante para deixar claro para a cúpula católica que acima da lei de Deus existe a lei dos homens”, disse a ISTOÉ o advogado Evandro Coutinho.

Silêncio não obsequioso – Mesmo assim, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não quis se manifestar sobre as denúncias nem sobre as investigações feitas pelo Vaticano. Os três prelados que poderiam comentar o caso, segundo assessores da entidade, não foram localizados. O presidente da CNBB e arcebispo de Salvador (BA), cardeal dom Geraldo Majella, estava em viagem a Roma e o bispo de Maringá (PR) e responsável pela área de vocações, dom Anuar Battisti, estava no interior do Paraná. Já os assessores do vice-presidente da CNBB, dom Antonio Celso Queiroz, bispo de Catanduva (SP), prometeram que ele falaria a ISTOÉ, mas não deu retorno aos telefonemas. Dom Celso e dom Odílio Scherer, bispo-auxiliar de São Paulo e secretário-geral da CNBB, acabaram de retornar da Santa Sé. Os dois, junto com dom Geraldo, encontraram-se com o papa Bento XVI na quinta-feira 17, em audiência privada no palácio apostólico. Apesar de o conteúdo do colóquio permanecer reservado, não se descarta que eles tenham tratado também dos casos de pedofilia dos sacerdotes brasileiros – que já atingem 1.700 padres, 10% do clero do País. Mas os assessores da CNBB negaram que Sua Santidade e os bispos brasileiros tenham falado desse espinhoso assunto. De qualquer maneira, o Vaticano não tinha mais como se esquivar do escândalo. “É natural que se esteja seguindo o triste caso com a devida atenção”, afirmou laconicamente a nota liberada pela sala de imprensa do Vaticano.

Vazamento – Em caso de assuntos delicados como esse, é comum a Santa Sé ficar oficialmente em silêncio, o que não significa necessariamente indiferença. Mas às vezes o Vaticano responde a esses desafios produzindo uma densa cortina de fumaça. Na quarta-feira 23, a agência de informações religiosas Adista (www.adista.it) antecipou a divulgação do documento sobre a exclusão dos padres homossexuais do sacerdócio, cuja apresentação oficial está marcada para terça-feira 29. As oito páginas contêm “Instruções a respeito dos poderes de discernimento vocacional em relação às pessoas com tendências homossexuais em vista da admissão deles no seminário e nas ordens sagradas”. O documento foi aprovado pelo papa Bento XVI em 31 de agosto e assinado no dia 4 de novembro pelo cardeal Zenon Grocholewski, prefeito da Congregação para a Educação Católica.

O documento, que não menciona a pedofilia, define os atos homossexuais como “pecados graves, intrincicamente imorais, contrários à lei natural”. O texto reitera a posição da Igreja Católica, segundo a qual “quem tem tendências homossexuais enraizadas” não pode corresponder às exigências necessárias a cada sacerdote: “a castidade e a maturidade afetiva específica”. Nas instruções, os diretores espirituais “devem certificar que o candidato não apresente distúrbios sexuais incompatíveis com o sacerdócio”. Um outro ponto do documento afirma que o candidato ao sacerdócio deve “alcançar a maturidade afetiva” e explica: “Tal maturidade o tornará capaz de se colocar em uma correta relação com homens e mulheres, desenvolvendo nele um verdadeiro sentido de paternidade espiritual em confronto da comunidade eclesial que lhe será confiada.”

Tática – “Isso parece uma tática de desvio para tirar a atenção pública do real problema do Vaticano, que é o abuso sexual de crianças pelo clero”, disse Peter Tatchell, do grupo gay britânico OutRage. Já o vaticanista Marco Politi, do La Repubblica, acha que “isso tudo não é novidade para a doutrina da Igreja, mas é a situação atual que empurra o sumo pontífice a emanar uma instrução assim drástica. O Vaticano é aterrorizado tanto pelas contínuas revelações sobre os casos dramáticos de pedofilia em vários países quanto pelo risco de difusão da percepção do sacerdócio como um ofício com gays em profusão. Na verdade, é notório que a pedofilia não tem nenhuma relação com o homossexualismo enquanto tal – pais de família, aparentemente exemplares, resultaram envolvidos em casos de abusos de menores de idade –, mas é evidente que, depois do choque dos escândalos que estouraram nos Estados Unidos e nas últimas semanas no Brasil, a hierarquia do Vaticano quer entrar na via do rigor”.

A agência Adista, considerada progressista, negou que a divulgação antecipada
do documento tenha sido “pilotada” pelo Vaticano. “Tivemos acesso a ele
e achamos que era o momento oportuno para publicá-lo na internet. Não é a
primeira vez que antecipamos uma publicação oficial. Em outras ocasiões, os debates provocados pelos documentos antecipados foram tão fortes que o Vaticano teve de voltar atrás por causa da reação da opinião pública”, disse a ISTOÉ o jornalista Valerio Gigante, da Adista. Segundo ele, o documento é “discriminatório porque condena não só a prática do homossexualismo como o sentimento de uma pessoa homossexual. A Igreja Católica prefere o silêncio quando se trata de crimes de pedofilia envolvendo os sacerdotes. No entanto, grita contra os padres gays”,
critica Gigante.