Encarregada de promover a paz, a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (Minustah) virou alvo de denúncias. Na semana passada, um grupo de organizações não-governamentais americanas acusou as tropas da Minustah de ter participado de massacres no Haiti à Organização dos Estados Americanos (OEA). Na denúncia, pedem a condenação do Brasil, que comanda as tropas, e dos Estados Unidos, que financiam parte da operação, pela morte de 63 pessoas e o desaparecimento de outras 14 – todos civis. A Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA espera a resposta brasileira para dar prosseguimento ao processo. O timing desta queixa poderia servir como foco de luz num país perpetuamente em situação sombria.

A entrega do documento na sede da OEA, em Washington, aconteceu na terça-feira 15. No dia anterior, um mêlée ocorreu às portas de Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe, capital haitiana. O cantor de rap Wyclef Jean – nascido naquela cidade, mas criado em Nova York – intermediara um acordo com rappers e gângsteres, para que fossem distribuídos antigos estoques de alimentos enviados pela ONU. Desde 24 de março não se consegue cumprir o plano de auxílio à população da área. Naquela data, as mesmas ONGs vazaram à imprensa – e ISTOÉ publicou com exclusividade, em sua edição 1848 – relatório explosivo contendo um esboço do que está contido nas denúncias atuais.

“Depois das acusações feitas no relatório das ONGs, as forças da Minustah se retiraram de Cité Soleil e passaram, inclusive, a desencorajar a polícia haitiana a patrulhar a área. A conseqüência disso foi que a favela se tornou uma cidadela impenetrável, comandada por gangues”, afirmou a ISTOÉ Jacques Guy Allard, da ONG Liberté-Egalité-Fraternité D’Haiti. Um dos resultados desta política pôde ser constatado na quarta-feira 16, quando moradores de Cité Soleil reclamavam que as gangues haviam confiscados os alimentos cuja distribuição fora acertada pelo rapper Wyclef Jean.

Cidadelas impenetráveis – Um passo fundamental para esclarecer as denúncias feitas à OEA é a investigação das mortes relatadas por testemunhas em vídeo e no papel. Dos 63 mortos apontados no relatório, cerca de 40 foram vitimados depois do dia 6 de julho, quando houve um tiroteio entre forças da ONU – jordanianos comandados por brasileiros, mais a polícia haitiana – e membros de uma gangue liderada por Emmanuel Wilmer. “Naquele dia, Wilmer morreu. O ataque posterior aos inocentes foi ato de vingança pela morte de Wilmer. As forças da Minustah nem estavam no local. É fácil comprovar isso por meio dos laudos de óbitos”, diz Pierre Espérance, da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), uma das ongs mais respeitadas do país. Para Espérance, as acusações são falsas ou exageradas e o grande erro da Minustah foi ter retirado suas tropas de Cité Soleil e praticamente abandonado o Bel Air, outra favela de Porto Príncipe.

Em Bel Air morreu o paralítico William Merci, quando tomava banho de sol em sua cadeira de roda, em 29 de junho de 2004. Segundo as organizações denunciantes do crime, ele teria sido alvejado na cabeça por tropas da ONU. “Quem garante isso? Não foi feita autópsia em Merci, e não se sabe qual o calibre da bala que o atingiu nem qual a arma de sua procedência. Pode ter sido disparada por capacetes azuis, como são chamados os soldados da ONU, policiais, ou membros de gangues que começaram o tiroteio”, diz Allard. As testemunhas mostradas nas denúncias, diga-se, não sofreram triagem para verificar sua honestidade. “Aqueles que colheram os depoimentos entraram livremente nas cidadelas das gangues e acharam testemunhas sem problemas. É estranho, pois nem os homens armados da Minustah conseguem penetrar naqueles locais”, questiona Allard.

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Motivações políticas – O comandante da missão da ONU, general Urbano Bacelar, assegura que suas tropas não violaram os direitos humanos, embora reajam a ataques. “Nosso mandato garante o direito de revidar quando entramos em um local e somos recebidos à bala”, afirma. “Acredito que estas denúncias estejam relacionadas com a proximidade das eleições”, completa, referindo-se
às eleições presidenciais no Haiti, marcadas para o final do ano. Nessa linha, é recomendável examinar o currículo daqueles que foram à OEA com as denúncias. Pegue-se o advogado Lionel Jean-Baptiste – vereador de Chicago, em Illinois. Ele
é conhecido militante pró- Jean Bertrand-Aristide, o ex-presidente deposto. Existe farto material – fotos, documentos, discursos – mostrando suas ligações com os grupos aristidistas, que são os que mais combatem a presença da Minustah.
“Uma pessoa que mantém contatos com os membros de gangues pró-Aristide
não é exatamente alguém imparcial”, diz Allard. Outros membros da plêiade de ONGs queixosas seguem o mesmo exemplo. Já o propalado apoio do lingüista Noan Chomsky – velho combatente da esquerda americana – não passou do
verbo. Ou seja: o jamegão de Chomsky não está no abaixo-assinado de intelectuais e políticos entregue à OEA.


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