Brasil poderá ser um dos grandes beneficiados com o nascimento de um mercado mundial de algo que parece inusitado: a poluição atmosférica. A compra e a venda desse “produto” – ou seja, o direito de uma nação desenvolvida de poluir o ar em troca de investimentos em energia limpa no Terceiro Mundo – está prestes a começar. Sob a alcunha de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou MDL, o sistema, criado em 1997 pelo Protocolo de Kyoto, deve entrar em operação neste ano.

O mercado funciona da seguinte forma: uma empresa inglesa, que libera na atmosfera grandes quantidades de gás carbônico – um
dos principais agravadores do efeito estufa –, pode continuar a poluir se entrar no chamado comércio do carbono. Ou seja, ela paga para que uma empresa de um país em desenvolvimento, como o Brasil, diminua em seu lugar
as emissões de CO2 por meio de projetos ambientais.

Entre os projetos, estão aqueles que estimulem a produção
de energia limpa, como a solar e a gerada a partir de biomassa,
e os que removam carbono da atmosfera. Nesse campo, chamado sequestro de carbono, os principais planos consistem no
replantio de florestas que, ao crescer, absorvem CO2 do ar.

Ao investir nesses projetos, as empresas ganham o equivalente
a cotas de carbono que elas podem continuar a liberar na atmosfera. Essas cotas são chamadas créditos de carbono. Essa espécie de
“direito de poluir”, deve entrar em vigor se for aprovado em definitivo
o Protocolo de Kyoto, que estipula que os países industrializados
terão que reduzir em 5,2% suas emissões no período de 2008 a 2012.

Mesmo não oficializada, a compra e venda de carbono está mexendo
com muitas empresas brasileiras. Certas de que poderão aumentar
suas receitas e melhorar o ambiente, elas se preparam para participar
de um mercado que pode movimentar só no Brasil US$ 300 milhões
por ano, de um total estimado de US$ 3 bilhões a US$ 10 bilhões
anuais no mundo todo. “Será muito difícil o carbono ultrapassar as commodities tradicionais, mas será um mercado muito importante”,
diz Marcelo Junqueira, diretor-executivo da subsidiária brasileira
da americana Econergy e especialista na área de energia limpa. Com
13 projetos em andamento, a empresa já conseguiu um certificado
de pré-validação para a Cia. Energética Santa Elisa, de São Paulo,
que usa bagaço de cana-de-açúcar para produzir energia.

Já a multinacional francesa Peugeot patrocina o Projeto Poço de Carbono,
na região amazônica do Estado de Mato Grosso, no qual investiu US$ 11 milhões com o objetivo de promover o sequestro de 50 mil toneladas de carbono por
ano no período de 2003 a 2043, por meio do reflorestamento de cinco mil hectares de pastagens degradadas.

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Outro exemplo é o da Siderúrgica Plantar, de Minas Gerais, que recebeu do Banco Mundial US$ 5,3 milhões para substituir carvão mineral por vegetal na produção de ferro gusa. A siderúrgica deixará de emitir
1,1 tonelada de CO2 por cada tonelada do produto produzida. “É
uma vantagem competitiva”, diz Marco Antonio Fugihara, da PriceWaterHouseCoopers e responsável pelo projeto da Plantar.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) percebeu o potencial de o País vender créditos de carbono e preparou uma grande campanha de marketing para o mercado internacional.
A idéia é mostrar as vantagens brasileiras em relação aos seus
principais rivais, a Índia e a China. “O Brasil tem condições de atrair investimentos, pois tem um mercado de capitais sólido e território
e clima para absorção de tecnologias”, diz Isaura Frondizi, gerente-executiva de meio ambiente do BNDES. Se tudo der certo, o banco deverá se transformar em um centralizador dos projetos ambientais, dando certificações e incentivo financeiro aos novos programas.

Início próximo – O mercado de carbono ainda não é oficial porque
os países do chamado Anexo 1 (36 no total, incluindo Europa, Japão
e Canadá) ainda não atingiram um número de assinaturas suficiente
para colocar o Protocolo de Kyoto em vigor. Para isso, é preciso a assinatura da Rússia – dona de 18% das emissões. A expectativa
é que isso aconteça ainda no primeiro semestre de 2003. Mesmo
não assinando o documento, os EUA, com 25% do total mundial
das emissões de gases poluentes, ficariam obrigados a cumprir
as metas sob pena de punição, a exemplo do que acontece na Organização Mundial do Comércio (OMC), que impõe sanções aos membros que infringem um dispositivo ou uma regulamentação.


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