Nos próximos dias, uma dupla de
velejadores pretende realizar uma façanha
que, à primeira vista, parece loucura: atravessar os 900 km que separam a ponta
da América do Sul e a Antártida, enfrentando ventos fortes, mares bravios e muito frio,
a bordo de um pequeno veleiro sem cabine,
de não mais que seis metros e meio.

A jornada, que deve levar de três a quatro dias, faz parte da terceira expedição pelas Américas realizada pelo brasileiro Roberto Pandiani, 44 anos, com um veleiro conhecido como hobie cat — uma embarcação de 21
pés, com dois cascos paralelos e compartimentos apenas para os equipamentos de primeira necessidade. Se bem-sucedido, Pandiani será a primeira pessoa a atravessar
o chamado estreito de Drake e atingir a Antártida a bordo de um barco sem cabine.

Parece difícil de acreditar. As duas camas em que os velejadores se revezarão durante a travessia não passam de uma pequena esteira montada nas laterais do casco, em que eles deverão se amarrar e se cobrir com uma barraca improvisada. Nos compartimentos, além de água e mantimentos, eles levam equipamentos de vídeo, foto e comunicação. Pandiani, no entanto, mostra que está preparado. “Podem até nos chamar de loucos”, diz ele. “Mas, depois de ver todo o planejamento que fizemos, acho difícil que alguém continue a duvidar do nosso projeto.”

As preparações se iniciaram em outubro de 2001. Na época, Pandiani conversou com o sul-africano Duncan Ross, 39 anos, que já havia participado de outras expedições ao lado do brasileiro. De lá até
janeiro deste ano, ambos trabalharam duro para obter patrocínios, estudar a travessia e montar um hobie cat especial para a região.

Ross, que acompanhou toda a construção no estaleiro Barracuda,
no Rio de Janeiro, mostra o Satellite, como o barco foi batizado. Seu casco, em comparação com o de um hobie cat comum, é muito mais resistente. No lugar da tradicional fibra de vidro, os velejadores
optaram por uma combinação de espuma compacta e kevlar, o mesmo material usado em coletes à prova de bala. Seu mastro também
é mais alto e mais espesso, o que garante maior estabilidade.

Para combater o frio, que pode cair abaixo dos dez graus negativos durante a noite, os velejadores também estão preparados. Na bagagem, eles levam uma vestimenta especial, chamada dry suit (roupa seca). Composta por três camadas de tecido, ela retira o suor do corpo, mantendo-o aquecido, e impede a entrada de água. Para garantir a segurança, o Satellite não vai sozinho à Antártida. Pela mesma trilha, segue, à distância, o Kotic 2, um veleiro de aço de 63 pés, ou cerca
de 19 metros, equipado para enfrentar condições adversas de clima.

A aventura começou na terça-feira dia 7. Pandiani e Ross desmontaram seu hobie cat em São Paulo e partiram, de carro, em direção a Ushuaia, no extremo sul da Argentina. A chegada está prevista para quarta
-feira 15. Lá, depois de montar o Satellite, os velejadores começam
o processo de adaptação, já que, em Ushuaia, eles devem
enfrentar ventos cortantes e temperaturas próximas a zero.

De Ushuaia, a equipe vai para Puerto Williams, no Chile, para aguardar o melhor momento da partida. Será preciso cerca de quatro dias de tempo bom para
que não haja imprevistos durante
o caminho. “Não poderemos
perder tempo”, diz o brasileiro. “Vamos dormir pouco durante
o trajeto e alcançar a Antártida
o mais rápido possível.”

Os velejadores relutam em dizer o nome do local que devem alcançar no continente gelado: Deception Island (ilha da decepção). “Chegando lá, vamos mudar seu nome”, brinca Ross. A ilha, uma pequena formação vulcânica, será seu abrigo durante quatro dias, enquanto aguardam o encontro com o Kotic 2. A partir daí, os velejadores pretendem passar 25 dias explorando a Antártida,
para em seguida voltar à América do Sul, a bordo do veleiro de aço.

Essa é a aventura mais ambiciosa de Pandiani. Em 1994, o brasileiro passou 289 dias viajando de hobie cat entre o Brasil e os EUA. Entre novembro de 2000 e abril de 2001, ele partiu da costa chilena e atravessou o cabo Horn, na ponta da América do Sul, chegando
ao Rio de Janeiro. No estreito de Drake, será a primeira vez que
Pandiani enfrentará mar aberto a bordo de um veleiro de 21 pés.

Sua façanha será equivalente à de outros velejadores solitários
em busca da quebra de limites. Em 1984, Amyr Klink passou 100
dias em alto-mar, em um pequeno barco a remos, para atravessar
cerca de 6.500 km entre a África e o Brasil se aproveitando de
correntes oceânicas. Outro caso que ficou famoso foi o do norueguês Thor Heyerdahl, que atravessou o oceano Pacífico a bordo de uma
balsa rústica em 1947 para provar sua teoria de que povos antigos
eram capazes de fazer longas travessias. “É o que sempre
quis fazer”, comenta Pandiani. Agora é torcer pelo velejador.