Os nova-iorquinos acreditam que a ilha de Manhattan foi comprada pelo holandês Peter Minuit, por US$ 24, dos índios mahican. O establishment do Partido Democrata atual acha que o prefeito Michael Bloomberg pagou US$ 75 milhões (alguns colocam o preço em mais de US$ 100 milhões) pela cidade toda na semana passada. Esta foi a quantia gasta pelo prefeito para ser reeleito ao cargo que ocupa desde 2001. Estabeleceu-se um recorde histórico de orçamento de campanha com esta soma, saída do cofre particular do bilionário candidato republicano. Apesar do custo exagerado, considere-se que o homem levou não apenas a ilha no centro da metrópole, mas também o Bronx, Brooklyn, Staten Island e Queens – as outras regiões que compõem a metrópole. O negócio daria um belo tratado econômico sobre inflação imobiliária, não fosse o fato de que ambas as crenças não passassem de mitologia. Os nativos do século XV não venderam suas terras por 24 verdinhas, e Bloomberg não recebeu o território pela centena de milhões que desembolsou no século XXI. O que as urnas recheadas na terça-feira 8 apontaram foi apenas a aprovação da maioria dos eleitores de Nova York a uma política municipal que, apesar dos tropeços, aparenta estar no bom caminho.

Mike, como é conhecido o prefeito, poderia ter economizado a fortuna jogada em campanha e despendido os mesmos US$ 7 milhões gastos pelo seu oponente do Partido Democrata, Fernando Ferrer. As pesquisas, desde o começo da corrida eleitoral, já favoreciam Bloomberg com amplas margens. Ferrer, ex-administrador regional do Bronx, apontado como o principal articulador do renascimento urbanístico daquela área – que estava literalmente entregue às baratas –, nem sequer mantinha a preferência sólida da enorme população hispânica da qual ele faz parte. Três em cada dez latinos votaram em Bloomberg. O resultado final das urnas deu 59% dos votos ao prefeito e apenas 39% a seu oponente. Bloomberg havia vencido sua primeira eleição, em 2001, com a minguada margem de 2%. O fato de que desta vez amealhou um patamar histórico de sufrágios – uma porcentagem que o coloca em segundo lugar no ranking de eleitos (só perde para o legendário Fiorello La Guardia, que reinou entre os anos de 1932 e 1945) – tem mais a ver com os desencontros do Partido Democrata do que com o tamanho da carteira do candidato. “O Partido Democrata de Nova York é um conjunto de feudos que vivem em constantes guerras. O resultado é que ninguém catalisa os votos de uma cidade onde 95% dos eleitores são registrados como democratas”, diz Leonard Ellenberg, do Instituto de Pesquisas Marist. Bloomberg, um ex-democrata incapaz de quebrar a barreira dos feudos do partido, tornou-se republicano. Sua plataforma, porém, não tem nada a ver com a do partido que o acolheu. O prefeito opera como independente – e por isso conseguiu votos democratas – e gerencia a cidade como se fosse uma empresa. “Nova York sabe distinguir entre o empresário e o senhor feudal”, diz Ellenberg. Ou seja: é como se o pioneiro Peter Minuit houvesse concorrido contra Bill Gates. Nova York preferiu o século XXI ao século XV.