Muita gente talvez não tenha se dado conta. Mas há uma revolução, às vezes nada silenciosa, acontecendo nas relações entre pais divorciados e seus filhos no Brasil. A luta do jornalista Pedro Bial e a do ator Felipe Camargo pela guarda dos filhos são exemplos dessa mudança de comportamento que começou, timidamente, no meio da década de 80. Na terça-feira 29, a atriz Giulia Gam tentou novamente – sem sucesso – reaver na Justiça a guarda do filho Theo. Por motivos só declarados na Justiça, Bial tem conseguido manter o menino sob seus cuidados desde dezembro de 2000. Depois da separação do casal, Giulia foi morar em Nova York, mas Bial resolveu trazer o filho de volta. Mas o caso ainda não está encerrado. “O julgamento não tem data marcada, mas as provas já foram produzidas. Os laudos psiquiátricos e de estudo social dizem que Giulia está apta a ficar com o filho”, afirma Clíssia Pena Alves, uma das advogadas da atriz. Em 1997, a musa Vera Fischer perdeu o direito de criar Gabriel, nove anos, depois de sucessivas internações para se recuperar da dependência química. Agora, suas esperanças estão voltadas para o dia 27 de fevereiro, data em que ocorrerá nova audiência com o juiz. Há 20 anos, seria pouco provável ver um homem apelando à Justiça para requerer a guarda dos filhos. Um dos motivos era o número de separações, pequeno se comparado aos dados atuais. De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em dezembro, o brasileiro casa menos e separa cada vez mais. O estudo mostra que, de 1991 a 1998, o número de divórcios e separações judiciais cresceu 32,5%, enquanto o de casamentos caiu 6%. Não há números exatos sobre a demanda masculina pela prole, mas o advogado Sérgio Calmon, que defende os interesses de Bial e Camargo, calcula que esses pais respondem hoje por 30% dos processos de guarda na Justiça. O mais importante é a própria mudança da sociedade. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, os homens foram obrigados a dividir os cuidados com os pequenos. Muitos parecem ter gostado da brincadeira. Não apenas um cenário de disputa surge com esse legítimo direito do homem de querer participar ativamente da vida dos filhos, mas também uma nova realidade. Afinal, nem sempre a questão é tirar de um ou de outro o direito à convivência com os filhos, e sim concretizar a separação do casal evitando, contudo, o distanciamento dos filhos. É aí que surgem inúmeras formas de partilhar a atenção e as necessidades das crianças.

Mudanças – O Código Civil de 1916 ganhará nova cara a partir de 11 de janeiro de 2003, quando entrará em vigor o texto sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no início do ano. Com 2.046 artigos, o novo conjunto de leis procurou contemplar as gritantes mudanças de comportamento da sociedade ocorridas no século XX. A guarda dos filhos, por exemplo, antes definida com prioridade para a mulher, passou a ser mais flexível. Fica com eles quem tiver melhores condições de criá-los. Esse é o caso das irmãs Isabela Ferreira Loredo, 14 anos, e Isadora, 12, que vivem com o pai, o funcionário público José Loredo Rocha, em Belo Horizonte, há dez anos. “Quando separei, a Maura (Ferreira, sua ex-mulher) estava perdida. Ela saiu de casa e não sabia para onde ir. Entramos num acordo, e as meninas ficaram comigo, na mesma casa onde morávamos”, explica ele. A adaptação correu bem. Maura participa ativamente da vida das meninas. “Visito-as quando quero. Não tenho dia nem horário estipulados. De outra forma, não poderia levá-las ao médico, por exemplo. Certas coisas requerem a presença da mãe”, afirma ela.

Apesar de cega, a Justiça há algum tempo já tem voltado seus olhos – e ouvidos – para as crianças. O responsável pela mudança é o Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado em 1990. Com ele, o foco de qualquer separação na família passou a ser os interesses dos pequenos. Maior prova disso foi a concessão recente da guarda provisória de Francisco, oito anos, filho de Cássia Eller, à sua companheira, Maria Eugênia Vieira. Convivendo com a cantora há 14 anos, Eugênia partilhava da criação do menino desde seu nascimento. Os sentimentos e a estabilidade emocional do garoto foram a prioridade. A Justiça, em uma decisão inédita e de vanguarda, decidiu que para Chicão seria melhor permanecer com ela, independentemente de sua opção sexual. O único a não gostar da história foi o avô do garoto, o militar aposentado Altair Eller, que ameaça ir aos tribunais pela posse do menino. Uma das irmãs de Cássia, Cláudia, entretanto, não se conforma com a postura do pai. “Ele tem 16 filhos. Cinco com minha mãe e outros 12. Se ele não cuida nem dos dele, como agora quer cuidar do filho dos outros?”, questiona.

Polêmica – O desejo de preservar as crianças do gosto amargo da separação também fez crescer os adeptos de uma nova e polêmica modalidade de guarda: a compartilhada. Por esse sistema, pai e mãe mantêm os mesmos direitos e obrigações na formação e desenvolvimento dos rebentos. O que para alguns é o fim do tormento das visitas com data e hora marcadas e para outros não passa de um meio de deixar as crianças ainda mais confusas pode virar lei. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei do deputado Tilden Santiago (PT-MG) que regulamenta a guarda compartilhada como alternativa para a posse exclusiva. O deputado garante que gastará muito tempo e saliva para garantir a aprovação ainda este semestre. A iniciativa nasceu de uma parceria entre a Associação de Pais Separados do Brasil (Apase) e a Associação Pais para Sempre, de Minas Gerais. “Nossa intenção é que os juízes, no ato da separação, expliquem ao casal as vantagens do compartilhamento da guarda. Toda criança tem o direito da continuidade do relacionamento parental. Pois o meu amor pela mulher pode até acabar, mas isso não fará com que eu deixe de ser pai”, afirma o jornalista Rodrigo Dias, 36 anos, presidente da Pais para Sempre. Ele briga com a ex-mulher para passar mais tempo na companhia do filho Bruno, de nove anos.

Queixas – Uma pesquisa que está sendo realizada pela professora de psicologia jurídica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Leila Maria Torraca de Brito, 45 anos, mostra como a separação pode acabar com a relação entre pai e filho. “Um terço dos pais envolvidos disse estar totalmente afastado dos filhos após a separação. Só pagam a pensão. A queixa comum é a de que quem detém a guarda tem todos os poderes. Na maioria dos casos é a mãe. E os pais se sentem excluídos da vida do filho”, aponta Leila. A pesquisa, feita em seis municípios do Rio, é qualitativa e pretende traçar um painel da guarda dos filhos no Rio. Até agora foram ouvidas 100 pessoas. A professora observa que o termo guarda compartilhada provoca certa confusão na interpretação. “Em países como França e Suécia, os termos foram alterados para guarda conjunta para reforçar que o importante é dividir responsabilidades.” O juiz substituto da 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio, Leonardo de Castro Gomes, o mesmo que concedeu a guarda provisória de Chicão a Eugênia, também acredita que é necessário mais informação sobre o assunto. “É matéria complexa. Resumir a guarda compartilhada à divisão do espaço físico é um equívoco. A guarda é o dever de proporcionar assistência moral e material.”

À revelia da lei, sem ao menos apelar para os tribunais, muitos casais resolvem espontaneamente que o melhor é não privar os filhos nem do amor materno nem do paterno. Em nome dos filhos, deixam de lado as diferenças e estabelecem um novo modo de vida para toda a família. A decoradora paulista Luciana Torres Scavassa, 36 anos, se separou do microempresário Tiago Carrera, 47, há três anos. O casal criou uma forma diferente de contentar a todos. Fábio, 17 anos (filho do primeiro casamento de Luciana), Juliana, 13, Fernando, 11, e Leonardo, seis, passam uma semana na casa de cada um. “Foi o mais racional. Tiago ama os filhos e eles também o amam. Como privá-los disso? ”, defende Luciana. Eles moram em bairros próximos e a perua escolar acompanha a programação da família. “Dessa forma, participo da vida na escola e do dia-a-dia deles”, conta o pai. Quanto aos possíveis contratempos de terem duas casas, como, por exemplo, procurar na casa do pai aquele livro que está na casa da mãe, o casal alega tirar isso de letra. “Se algo for imprescindível, eu ou a Luciana damos um jeito. No começo, parece difícil, mas é uma questão de boa vontade”, completa ele.

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Se passar uma semana em cada casa, parece complicado, imagine alternar os dias de terça a sexta-feira e revezar os finais de semana, prolongando-os até segunda-feira. Foi dessa forma que o produtor de vídeo e diretor da escola Éden, Rico Cavalcanti, 40 anos, e a coordenadora de telecomunicações, Eliane Birman, 35 anos, do Rio, resolveram a questão do convívio com as filhas, Maria, oito anos, e Alice, seis. “Eu não queria ser pai de fim de semana. Sei que nossa fórmula dá certo porque priorizamos as crianças. É preciso passar por cima de ressentimentos, conversar muito e fazer acordos”, ensina ele. No começo, Eliane desconfiou, ficava ligando toda hora para controlar e conversou com amigos psicólogos para saber se ficar mudando de casa poderia trazer prejuízos para as crianças. “Eles não aprovaram, mas insistimos e, a despeito dos especialistas, funcionou. Hoje, tudo flui”, afirma. Rico tem namorada e Eliane se casou de novo, e a fórmula já resiste há três anos.

Atentos a esses novos arranjos, alguns juízes têm se manifestado a favor da divisão de direitos e deveres entre o pai e a mãe. Os números ainda são tímidos. O mesmo estudo do IBGE mostra que, em 1998, de 71 mil separações judiciais concedidas em primeira instância, apenas 301 tinham como responsáveis pela guarda ambos os cônjuges. Em Curitiba, a juíza titular da 2ª Vara de Família, Lenice Bodstein, 48 anos, foi uma das pioneiras nessa concessão. Há pelo menos três anos, ela vem incentivando os pais a chegar a um acordo que privilegie a manutenção da convivência deles com os filhos. Mas Lenice chama a atenção para algumas ressalvas. Ela só concede o compartilhamento se ele já ocorria na rotina do relacionamento que terminou. “Se um pai é obrigado, por motivos profissionais, a passar longos períodos fora de casa e, casado, não participa efetivamente do cotidiano da criança, dificilmente isso mudará”, sentencia a magistrada. Outro ponto importante do sistema é a casa da criança. “O ideal é a divisão de domicílio respeitar o calendário escolar. Nas férias, o melhor é discutir quanto tempo cada um vai passar com os filhos”, afirma. A luta da juíza Lenice ainda não encontrou muitos aliados. Apenas 5% dos casos atendidos por ela terminam com o compartilhamento da guarda. Mas não há baixo porcentual capaz de desanimá-la. “Das sentenças que dei a favor da guarda compartilhada, apenas uma não deu certo” afirma.

Consciência – Muitos juristas são contrários a essa forma de dividir responsabilidades. O carioca Paulo Lins e Silva, especialista em direito de família, acha que esse processo não dá certo. “Nos Estados Unidos existe o conselho tutelar, que decide e todos obedecem. Na França, existe o juiz de negócios de família. Seja como for, alguém toma uma decisão e define a guarda – que não precisa ser necessariamente dos pais. Imagine uma criança com um quarto na casa da mãe, um quarto na casa do pai, os mesmos brinquedos lá e cá? É impossível uma pessoa se sentir ambientada assim. Em meu escritório, as tentativas deram zebra”, diz. “A guarda compartilhada apazigua a consciência dos pais, que pensam estar continuando a exercer direitos e deveres, mas não é bom para a criança. Ela fica sem referências. Há casos bem-sucedidos, mas são isolados”, defende.

Pode ser. Mas há quem passe por cima de verdadeiras guerras e consiga reverter situações que pareciam sem solução. Apesar de nem falar com a ex-esposa, o leiloeiro Artur Viana não deixa que isso interfira no convívio com a filha, Mariana, de 16 anos. Há quatro, ele divide os cuidados com a mãe dela. “A guarda está com ela, mas zelo por todos os assuntos relacionados a minha filha. Pego ela quando quero”, diz. Ele reconhece que a falta de um relacionamento ao menos cordial com a mãe da menina pode resultar em alguns conflitos. “Às vezes, educo de um jeito e ela, de outro.” Quem mais gosta desse jeito de partilha parece ser a menina. “Sou eu quem decide com quem quero ficar. Não é preciso um juiz determinar em que dia e hora vou vê-los”, conclui a Mariana.

Quanto à adaptação das crianças, nem tudo é um bicho-de-sete-cabeças. O psicólogo Lino de Macedo, da Universidade de São Paulo, afirma que a criança é extremamente flexível. “Rapidamente ela assimila as diferenças entre a casa do pai e a da mãe. Mesmo quando as regras não são exatamente as mesmas, ela sabe o que pode e o que não pode”, diz. O fato de ter duas casas, segundo ele, às vezes até ajuda a criança a concretizar a nova situação. “Até os dez anos, a criança tem necessidade da expressão física dos acontecimentos. Ela tem dificuldade de elaborar internamente que o pai se separou da mãe, mas não dela, que, apesar de não morar na mesma casa, ainda a ama. Então, ter um lugar seu na casa e no dia-a-dia do pai concretiza esse amor”, explica.

Harmonia – O fator determinante para uma boa adaptação parece ser a tão propalada harmonia. Mas usar essa palavra num processo de separação parece um contra-senso. “A despeito disso, se pai e mãe conseguem acertar os detalhes de um acordo pacífico, a criança assimila as mudanças com tranquilidade”, assegura o psicólogo. O pediatra Marcelo Silber, do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo, endossa a tese. “A criança é uma grande pacificadora. Não gosta e não se sente bem em ambiente de conflito”, afirma. Com 18 anos de clínica, ele aponta a manutenção da rotina como outro fator primordial para que a criança assimile a condição de ter duas casas ou duas babás. “É preciso muito compromisso com as necessidades da criança. Pelo menos nisso, as duas partes devem estar afinadas”, afirma. Ele lembra que ter hora para comer, dormir e brincar são medidas indicadas para o bom desenvolvimento de qualquer criança, mas que nem sempre são atendidas em lares onde estão o pai e a mãe. “Se a criança já não tinha rotina antes, com os pais juntos, a dificuldade aumenta. Forçosamente, eles vão ter que se organizarem”, opina. Infelizmente, há casos em que as crianças viram armas de disputa. “Quando isso acontece, a criança pode tomar um caminho perigoso. Ela pode se sentir uma carga para os pais, carregar a culpa pela separação ou até se hipervalorizar, aproveitando-se da situação”, explica o médico. As brigas entre os pais podem causar nas crianças efeitos físicos, já que elas, principalmente quando pequenas, percebem o conflito existe mas não têm elementos psíquicos para entender a situação.

É claro que grande parte das separações não é consensual e, não raro, a guarda dos filhos passa a ser mais um item a discutir. Muitos processos se transformam em verdadeiras batalhas, a ponto de os processos chegarem às últimas instâncias, ao Superior Tribunal de Justiça e até ao Supremo Tribunal Federal. “É um setor da Justiça que não indica grande evolução humana e demonstra que muitas vezes o desejo de retaliação pesa mais que o interesse da criança”, diz a advogada de Família Kívia Maia, do Rio de Janeiro. Por sorte, há sinais de esperança. Os exemplos citados mostram que quando se busca a civilidade e o bem-estar dos filhos há outros caminhos.

"É melhor que eu continue sendo o responsável”

 

No final do mês acontecerá mais um round da briga Vera Fischer x Felipe Camargo pela guarda do filho, Gabriel. Nessa entrevista, Camargo fala sobre seu relacionamento com Vera e sua convivência com o filho.

ISTOÉ – Em seu caso, você acha viável a guarda compartilhada?
Felipe Camargo – Não há essa possibilidade. Dei visitação extra para a Vera, que de 15 em 15 dias pega o Gabriel na quinta-feira e devolve na segunda, no colégio. Eu queria que nesses dias ela cumprisse com as obrigações dele, com os horários. Mas isso não aconteceu. Em um ano, ele só foi duas vezes à aula de capoeira às quintas-feiras. Não penso em compartilhar a guarda porque isso pode trazer um transtorno enorme para ele. Acho que no meu caso o ideal é a visitação livre.


ISTOÉ – Não seria melhor para ele?
Camargo – Acho confuso. Tem que ver o que é melhor para o Gabriel. E acho que o melhor é que eu continue sendo o responsável, o que educa, dá limites.

ISTOÉ – Como é sua relação hoje com a Vera Fischer?
Camargo – É tranquila. Gabriel vai passar a semana de Carnaval com ela, eles vão viajar. Antes, a Vera não tinha direito nem de ter o Gabriel dormindo com ela. Sugeri ao advogado ceder porque acho importante ele dormir lá também.

ISTOÉ – É difícil exercer o papel de mãe?
Camargo – Fico realizado, porque o estou educando. Precisei de ajuda, fiz terapia, aprendi muito. Vou aprendendo os códigos dele. Gabriel tem resultados positivos na escola, nos esportes, socialmente. Isso me dá enorme satisfação.


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