Sabe aquele cafezinho amargo, sem gosto, aguado? Esqueça. Está fora de moda. De alguns anos para cá, o brasileiro passou a valorizar esse produto que está no próprio DNA da formação cultural, estética e social do País. Estamos entrando na era dos cafés especiais e gourmets. Uma bebida feita a partir de grãos selecionados, produzida com critério e servida com o requinte e a elegância dos melhores vinhos. A revolução ainda está no começo. E não se limitará apenas a bules e xícaras. O fruto estreou na alta gastronomia. Tornou-se ingrediente
de finos pratos elaborados em sofisticados restaurantes. Até nos supermercados já é possível encontrar marcas que transformam um simples cafezinho numa saborosa e elegante viagem de sabor e prazer. Não era sem tempo. Afinal, há séculos esse pretinho básico fez parte
do dia- a-dia do Brasil. Sem exagero, pode-se dizer que onde
há um brasileiro há uma xícara de café por perto. Fica até difícil compreender por que só agora o maior produtor de café do mundo – colheu 48 milhões de sacas em 2002 – passou a reverenciar um de
seus maiores e mais preciosos bens.

Entre os fatores apontados como fundamentais para essa mudança de atitude, destaca-se o boom do café expresso. O fenômeno impulsionou
a abertura de redes de cafeterias mundo afora. Nessa o Brasil se deu bem. O grão plantado aqui, tipo arábica – que devido às suas variações de acidez e corpo confere à bebida aroma requintado e sabor intenso –,
é tido como o melhor para o preparo da bebida. O outro fruto cultivado em larga escala no Brasil, chamado de robusta ou conillon, menos complexo e com mais cafeína, é usado nos blends (mistura de grãos)
dos cafés tipo superior ou tradicional, ambos inferiores aos especiais e gourmets. “O café está trilhando um caminho semelhante ao do vinho”, diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira
da Indústria do Café (Abic).

Não é exagero. Novas técnicas agrícolas, cuidados no armazenamento e distribuição, a implantação de selos de qualidade e o surgimento dos baristas, profissionais na arte de servir uma ótima bebida, são a prova de que o tratamento mudou. Mas o principal fator dessa revolução é o surgimento dos cafés especiais. Antes, exportava-se o fruto verde, que era torrado e moído no Exterior. Principalmente na Itália e Alemanha, os maiores exportadores de café industrializado do mundo. Aqui só eram fabricadas bebidas de baixa ou no máximo média qualidade. Agora, é possível encontrar ótimos cafés com o selo made in Brazil. “Aqui o café não era torrado, mas, sim, incinerado. Tudo para esconder imperfeições, como a adstringência e acidez. O brasileiro quer café forte, encorpado. Mas isso significa café escuro, muito torrado, imperfeito”, conta o neozeolandês Marco Kerkmeester, proprietário do Santo Grão, um café tão elegante quanto o bairro onde está instalado, nos Jardins, em São Paulo. O lugar é especializado em servir “café gourmet”, ou café de alta qualidade, como prefere o dono: “Café gourmet é uma nomenclatura ruim. Quando preparamos nosso blend não me preocupo se foi classificado como tal”, conclui Kerkmeester.

Termos – Há quem pense da mesma forma. Marco Suplicy, primo de segundo grau do senador Eduardo e dono do recém-inaugurado Café Suplicy, situado também nos Jardins, acha que o termo é uma invenção brasileira para facilitar a entrada do produto no mercado estrangeiro. “Café gourmet não quer dizer nada. Gourmet é uma pessoa, entende?”, diz o empresário. A casa tem seu próprio blend, além de vender lotes
de grãos tipo arábica de seis diferentes fazendas, situadas entre São Paulo e Minas Gerais. O problema parece ser a utilização indevida do termo. “Algumas indústrias andam aplicando incorretamente esse nome. Sabemos que a grande maioria dos cafés ditos gourmet à venda no mercado apresenta imperfeições e qualidade duvidosa”, diz a empresária
e barista Georgia Franco de Souza. Uma das maiores autoridades em café no Brasil, ela é dona da Lucca Cafés Especiais, localizada no Batel, bairro chique de Curitiba. A loja é uma verdadeira butique de luxo dedicada ao grãozinho. Neta de fazendeiros de café, Georgia viajou toda Europa e Estados Unidos atrás de cursos e workshops. Seu esforço foi recompensado. A moça foi contratada pelo Itamaraty para servir seu
café aos chefes de Estado e autoridades convidadas para a posse do presidente Lula. Recebeu elogios de um confesso admirador da bebida.
“O Fidel Castro bebeu pelo menos três xícaras. Disse que estava muy bueno”, recorda-se Georgia.

Para deleite do comandante e dos apreciadores em geral do café, e apesar da polêmica quanto à nomenclatura, hoje há pelo menos 100 marcas de cafés especiais e gourmet no mercado, a maioria do Estado
de São Paulo. Pesquisa recente do Sindicato da Indústria de Café do Estado de São Paulo (Sindicafé-SP) revelou que 22% da área física de venda do produto nos supermercados já é ocupada por esse tipo de
café. Como os melhores vinhos, algumas marcas receberam selos de qualidade. Spress Café, Astro e Cafeera, Brauna e Turmalin carregam orgulhosas o certificado da Associação Brasileira de Cafés Especiais (ABCA), entidade que agrega os produtores e fabricantes elegantes da bebida. A associação, por sinal, está organizando seu quinto concurso
de qualidade. Diversos produtores do País enviaram 974 amostras de frutos para avaliação. A disputa irá até o final de outubro e os melhores grãos passaram pelo crivo de um júri internacional, que se reunirá em Araxá, em Minas Gerais.

Os colegas paulistas também estão preocupados com a qualidade da bebida. Os cafés Gran Reserva, Canecão e o Spress foram agraciados com o selo Produto de São Paulo, concedido pela Secretaria de Agricultura do Estado. Essas marcas podem ser encontradas em cafeterias finas, restaurantes chiques e até mesmo em alguns supermercados. A rede Pão de Açúcar tem uma boa oferta de marcas diferenciadas em suas gôndolas. O segredo dessas jóias? Todos levam 100% de grãos do tipo arábica e têm no seu blend frutos do Sul de Minas, Cerrado mineiro e Chapada de Minas Gerais; Mogiana e Centro-Oeste paulista; Norte do Paraná; e Planalto e Cerrado baiano, as melhores regiões produtoras de café do País.

Mas se apenas seis rótulos têm um carimbo de excelência, como reconhecer os outros? “Como ainda é um mercado novo, a melhor maneira de identificar um gourmet na prateleira é pelo preço”, diz Herszkowicz, da Abic. E o consumidor não deverá mesmo ter dificuldades para identificá-los. O quilo do café gourmet custa em média R$ 16,23. O tradicional sai quase três vezes menos: R$ 6,42. As previsões são de que nos próximos anos a procura por cafés de qualidade triplique. Não é por acaso que o café brasileiro industrializado começa a despertar interesse no Exterior. As empresas Café Bom Dia, com a marca Perfect Morning, e Coimex, com o café Brazilian Rio, entraram no disputado mercado americano. O único porém é que a valorização do café não está chegando às mãos de quem o produz. Nos últimos anos, o preço internacional do grão teve uma queda de até 70%. Os motivos? O consumo mundial caiu – até por causa da concorrência com chás sofisticados e sucos concentrados – e, na contramão, a produção aumentou. Os cafeicultores também acusam os fabricantes de estipular o preço do produto a seu favor.

Discussões à parte, o café segue seu caminho rumo à sofisticação. E não só na xícara. A alta gastronomia descobriu o valor desses grãozinhos. Daniella Andrade, chef da Mille Foglie, um misto de livraria café e restaurante, localizada nos Jardins, em São Paulo, inovou quando resolveu mesclá-lo aos pratos servidos no almoço. “Por que não brincar? Adicionei o café em um prato com javali, que é uma carne neutra. Aí completei com ingredientes brasileiros, como banana frita e purê de batata”, explica.

A exemplo do Mile Foglie, no restaurante Valle D’Aosta, em Alphaville, condomínio localizado em Barueri, cidade vizinha a São Paulo, a chef Marilene Cunha criou um faggotino di café, uma trouxinha recheada com vários tipos de queijo e molho à base de café. Para aguçar ainda mais a imaginação dos chefs, em junho passado a Associação Brasileira de Alta Gastronomia (Abaga) promoveu um concurso para eleger os melhores pratos salgados que levassem café. O primeiro lugar ficou com o restaurante Leopolldo, com o prato Saint-Jacques “en cage” à l’arôme de café as petite salade, do chef Daniel Olivier Valay. “O café é uma bebida que pode acompanhar uma refeição desde a entrada até a sobremesa”, diz Jorge Monte, presidente da Abaga e idealizador do concurso.

Elegante e ingrediente de pratos sofisticados, o irrequieto café não pára. A criação do Grupo de Avaliação de Café (GAC), do Sindicato das Indústrias de Café do Estado de São Paulo (Sindicafé), é mais uma prova disso. O GAC tem a incumbência de emitir laudos que atestem a boa qualidade das amostras enviadas por fabricantes e produtores. No ano que vem a Abic implementará o Programa de Qualidade de Café (PQC). O objetivo é criar um selo de qualidade para toda a indústria. A menina dos olhos do PQC é o Sensor de Paladar, apelidado de língua eletrônica. O equipamento, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Tecnologia Agropecuária (Embrapa), em sua unidade de São Carlos (SP), apresenta uma sensibilidade de paladar em média mil vezes mais apurada do que a de um ser humano. A máquina foi desenvolvida com princípios da nanotecnologia (que se baseia na utilização de átomos). O Sensor foi projetado para analisar qualquer líquido. Mas o café será o primeiro, graças à parceria firmada entre a Embrapa e a Abic. Fora isso, inúmeros concursos são promovidos para avaliar a qualidade da bebida. É. O cafezinho nunca mais será o mesmo. Ainda bem!

 

Faggotino di Cafe (prato individual)

Molho de base
250 ml de leite
50 g de queijo brié
30 g de manteiga
25 g de trigo
100 g de pinoli
20 ml café expresso

Recheio
100 g de queijo mascarpone
50 g de queijo brie
50 g de queijo parmesão
50 g de queijo gouda
20 ml de licor Sambuca
Noz-moscada e ervas a gosto

Massa
50 g de farinha de trigo
50 g de café
4 ovos
Sal a gosto

Modo de preparo
Bata o recheio no liquidificador e acrescente o Sambuca. Banhe as trouxinhas feitas da massa e coloque o recheio dentro. Amarre com cebolinha. Regue o molho no centro do prato e acomode a trouxinha.

 

Mignon de Javali ao Molho de Café

Molho de café
(prato individual)
200 ml de café expresso
150 ml de creme de leite fresco
50 ml de Kahlúa (licor de café)
1 colher de sobremesa de açúcar mascavo
1 unidade de canela em pau
6 unidades de zimbro
sal e pimenta branca moída a gosto

Modo de preparo
Junte todos os ingredientes em uma panela, leve ao fogo, reduzindo
até 1/3 e reserve.
Outros ingredientes:
4 unidades de mignon de Javali
purê de batatas
3 unidades de banana nanica

Obs:
• grelhar o mignon com sal e pimenta branca
• servir com o molho de café, purê de batata e as bananas fritas.