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Conta a historiadora Lilia Moritz Schwarcz que a Missão Artística Francesa chegou ao Rio de Janeiro em 1816 graças a uma convergência de interesses. De um lado, artistas formados pela Academia francesa repentinamente desempregados, após a queda de Napoleão. De outro, a corte portuguesa de dom João, carente de representação oficial. Segundo Lilia, os artistas napoleônicos não vieram convidados, muito embora o pintor Jean-Baptiste Taunay, em sua “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (1834-1839), mencione um “convite”.
Convidados ou não, os franceses recém-chegados usaram sua expertise em pintura histórica para documentar a vida na colônia. Entre eles, Debret foi o que teve a obra mais exaustivamente reproduzida e popularizada. Hoje, ela é revisitada pelo artista Nino Cais, na exposição “Pitoresca Viagem Pitoresca”.

Cais é um artista-cronista dessa primeira década do século XXI, assim como Jean-Baptiste Debret foi pintor do cotidiano oitocentista brasileiro. Em dez anos de trabalho, Cais explora sua relação com os objetos. No modo como se veste com cestos, vassouras e bacias ou na maneira como se debruça sobre cristais ou xicrinhas de café, o artista tece sua história íntima da vida urbana. Em cada uma de suas imagens, há uma evidente adoração pelos objetos. Sua relação com eles é sempre de delicadeza e reverência.

Nesta exposição, Cais pouco usa o próprio corpo para falar de costumes. Em seu lugar, desfilam os personagens retratados por Debret. Reis afundados em suas coroas. Negros, índios e brancos decapitados pelas tesouras de Cais. À primeira vista, essas figuras parecem camufladas.

Mas a estratégia, mais que esconder, indica a vocação de Cais para a devoração de imagens.
Cais é um consumidor voraz de imagens prontas, achadas em sebos, livros e revistas antigos. Ao apropriar-se da “Viagem Pitoresca”, ele revela um apetite antropofágico e traz à tona um Debret de visões étnicas estereotipadas, que, como outros artistas viajantes europeus, representou nativos brasileiros como bárbaros canibais. P.A.
 

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