Os brasileiros costumam definir Brasília como a ilha da fantasia, uma espécie de oásis fora da realidade nacional, tanto pela renda per capita mais elevada do país como pela qualidade dos serviços públicos. Estudo realizado pela ONU sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em todo o mundo confirmou esse sentimento. O Distrito Federal foi classificado pelas Nações Unidas com o IDH de 0,849, o
mais elevado entre todos os Estados brasileiros, repetindo a posição
que tinha conseguido no levantamento anterior, de 1991. “Como responsável pelo Distrito Federal por 11 anos, fico satisfeito em ver
mais um reconhecimento internacional de sua excelente qualidade de vida”, comemorou o governador Joaquim Roriz, que governou Brasília
de 1988 a 1990, de 1991 a 1994 e de 1999 a 2002, tendo sido reeleito
no ano passado. Em 1991, o Distrito Federal tinha conseguido o índice
de 0,799, bem acima da média brasileira, que era de 0,696. O Brasil,
como Brasília, melhorou, passando, depois de dez anos, para 0,766,
ainda longe do índice do DF.

Mas o impacto da qualidade de vida do Distrito Federal fica ainda mais evidente com o cálculo do IDH de Brasília e cada um dos bairros e cidades satélites de forma isolada. Pelo estudo, feito pela Secretaria de Planejamento e Coordenação de Brasília, o Lago Sul, moradia de cerca de 28 mil privilegiados, teria 0,945 de IDH, o mais alto do mundo, superando a líder Noruega com seus 0,942. O Plano Piloto – com 300 mil habitantes, ficaria em nono lugar, com 0,936 ponto. “Este estudo, feito obedecendo os parâmetros da ONU e usando dados do IBGE e de levantamentos locais, foi feito para que o governo pudesse ter a verdadeira dimensão dos números do IDH e a noção exata das desigualdades existentes entre as várias regiões do Distrito Federal”, afirma o secretário de Planejamento, Ricardo Penna. O cálculo do IDH é feito com base em três variáveis: a renda, a longevidade (expectativa de vida de uma pessoa ao nascer) e a educação. Assim como no Brasil, a educação, com 51,8% do índice, foi o fator que mais contribuiu para os números finais do Distrito Federal. O IDH-E atingiu 0,938, com a cidade satélite do Cruzeiro, uma das mais antigas, ficando na liderança, com 0,992, seguida por Brasília, com 0,991. “Isto mostra que o tema já deixou de ser política de uma gestão e passou a ser prioridade de governo. Roriz comandou o Distrito Federal durante seis dos dez anos de abrangência da pesquisa, mas a prioridade com a educação foi mantida durante o governo de Cristovam Buarque”, afirma Ricardo Penna. A Noruega candanga do Lago Sul espanta ainda mais no índice da renda per capita, que chega ao máximo de 1, não atingido por nenhum lugar do mundo.

Ricardo Penna acha que os índices da capital federal não deveriam espantar ninguém. “Temos o 9º PIB do País, mesmo sem sermos um pólo industrial. A renda per capita, apesar da queda verificada ao longo da década nos salários do funcionalismo, segue sendo a maior do Brasil. O fornecimento de energia elétrica já é universal e os dados de abastecimento de água e de recolhimento e tratamento de esgotos deixam longe o resto do País”, garante. Ele destaca que mesmo o setor de saúde tem cumprido seus objetivos. “A média anual de atendimentos pela rede pública de saúde do DF é de seis milhões de pacientes. E simplesmente quatro milhões, isto é, dois terços do total, vêm de fora do Distrito Federal”, constata Penna. Exatamente por causa dessas distorções é que o governo já pensa em estabelecer estratégias a médio e longo prazo. Ricardo Penna admite que a maior preocupação do Distrito Federal para manter o IDH em nível igual ou melhor até 2010 é a região do Entorno, um aglomerado de municípios pobres e miseráveis em Goiás e Minas Gerais que não param de crescer em termos populacionais, mas em condições precárias de vida. A situação é particularmente grave no sul e no oeste do DF, onde cidades como Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto, que viraram municípios na década passada, apresentam crescimento explosivo. A população de Águas Lindas cresce nada menos que 18% ao ano, mas a qualidade dos serviços não segue, nem de perto, o mesmo ritmo. Penna afirma que a situação do Entorno faz com que haja uma inédita sintonia entre os governos Lula e Roriz. “O PPA de 2004/2007 contempla o Entorno com recursos significativos. Temos que levar os índices de IDH do Distrito Federal para lá, sob o risco de vivermos uma crise comum”, afirma Ricardo Penna.

O governo do Distrito Federal também pretende fazer um desenvolvimento descentralizado da região, criando pólos de empregos perto das áreas de maior densidade populacional. Isso, além de melhorar a qualidade de vida, diminuiria a pressão sobre o Plano Piloto e as demais partes “norueguesas” do Distrito Federal. “Hoje, 30% da mão-de-obra empregada na capital vem do Entorno. Os índices de criminalidade são maiores exatamente nas áreas próximas. Brasília segue sendo um ímã, atraindo as pessoas. Se não oferecermos melhores condições de vida, de trabalho, de moradia aos locais mais pobres, vai chegar o dia em que pessoas virão pegar sua parte armadas”, comenta Penna. Um exemplo do sucesso dos programas de erradicação de favelas de Brasília é a boa colocação de satélites como Samambaia, Riacho Fundo, Recanto das Emas, Santa Maria, antigos assentamentos que acolheram não só favelados que já moravam na capital, mas centenas de milhares de migrantes. Mesmo as duas cidades satélites mais pobres, Planaltina e Brazlândia, tiveram IDH acima da média nacional e bem à frente de Estados como Pará, Amazonas, Ceará e Bahia.

Ao mesmo tempo, o governo de Joaquim Roriz decidiu colocar os investimentos em saneamento básico como prioridade: duas enormes estações de tratamento de esgotos, conjugadas à implantação de uma rede de captação capaz de levar o saneamento a 100% dos domicílios do Distrito Federal e despoluir rios. “O sistema Melchior, que atenderá 900 mil pessoas de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, e o do Gama, que cobrirá as necessidades da mais 300 mil pessoas, vão causar uma revolução ambiental e no saneamento básico no Distrito Federal”, afirma o presidente da Companhia de Saneamento Básico do Brasília (Caesb), Fernando Leite. Ele destaca que, hoje, o Distrito Federal já tem 88% das residências com rede de esgoto e 66% desse esgoto é tratado. Com os novos sistemas e mais a implantação da rede de esgotos nos bairros dos Lagos Sul e Norte, a intenção do governo é chegar a 100%. “Se você tem água tratada, esgotos coletados e tratados, rios e lagos despoluídos, você contribuiu diretamente para que o IDH de longevidade suba ainda mais”, afirma Ricardo Penna.

Para cobrir as despesas com todas essas obras, o governo recorreu
ao financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial. Os projetos passaram pelo crivo rigoroso dos organismos internacionais, hoje dando preferência a obras ambientalmente corretas
e com cunho social. São nada menos que US$ 80 milhões que permitiram as obras do sistema Melchior – despoluindo ainda os rios Melchior, Ponte Alta e Alagado, entre outros – e Gama. A limpeza do Melchior vai dar ao DF mais uma reserva ecológica e um enorme parque de lazer, vizinho
a Samambaia, uma das mais pobres e populosas cidades satélites. Limpos, os rios vão ajudar a abastecer a hidrelétrica de Corumbá IV.
A barragem vai garantir água para o Distrito Federal e toda a região por 100 anos. Fora do campo do saneamento básico, o novo cartão-postal
do governo Roriz é a terceira ponte do Lago Sul. O projeto, ousado, já
foi premiado nos Estados Unidos como a ponte, de construção recente, mais bonita do mundo.