Assista à entrevista:

Bloco 01
Neto fala sobre sua antiga carreira. "Hoje é diferente, com o futebol medíocre desse jeito ninguém mais passa pelas peneiras que a gente enfrentava."

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Bloco 02
Neto conta como virou comentarista. “Eu não me preparei para ser comentarista, mas gostei da coisa. É preciso saber causar para ser apresentador ou comentarista de futebol."

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Bloco 03
Neto fala sobre o futebol de 2011 e dispara: "Mano Menezes não é técnico de Seleção Brasileira"

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Aos 44 anos, José Ferreira Neto segue no fio da navalha. Agora, o ex-ídolo do Corinthians mexe com a paixão de milhões de torcedores à frente do microfone de comentarista. Assim como nos tempos em que vestia a camisa 10, o craque admirado por suas jogadas geniais e execrado por um episódio lamentável – a cusparada no rosto do árbitro José Aparecido de Oliveira, em 1991 – divide opiniões com seu estilo de boleiro das antigas, que preza suas amizades e não hesita em detonar os inimigos.
Neto recebeu a reportagem de ISTOÉ na sede da rádio Transamérica, em São Paulo, na qual participa de um programa diário. Mais magro depois de enfrentar uma operação de redução de estômago, ele ostenta o mesmo tom desafiador com o qual aparece ao lado de figuras como Milton Neves e José Luiz Datena. Ao lembrar o início de sua vida, na pequena Santo Antônio de Posse, em São Paulo, solta o verbo para falar das condições de vida de seu pai, ex-policial militar. “Meu pai era soldado, hoje é sargento, e sempre ganhou uma merda de salário. Tem 30 anos correndo atrás de ladrão e ganha mil e quinhentos contos por mês de aposentadoria. É brincadeira!”

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ISTOÉ – Quando você decidiu que queria ser jogador de futebol?
Neto – Ninguém decidia isso no meu tempo. Mas hoje é diferente, com o futebol medíocre desse jeito ninguém mais passa pelas peneiras que a gente enfrentava. Joguei 17 anos graças à insistência do meu pai e à minha força de vontade.

ISTOÉ – Qual é o seu maior orgulho na carreira de jogador de futebol?
Neto – Foi ter vestido a camisa do Corinthians por quase 5 anos, ter conquistado o primeiro título brasileiro do clube e feito mais de 80 gols por ele. Naquele tempo nem se imaginava Libertadores no Corinthians como hoje em dia. E tem também o Guarani, onde eu joguei muita bola. O clube foi muito importante para os meus fundamentos. Ali eu aprendi a fazer balãozinho com a bola de tênis, depois passei para outra menor e assim por diante. O (técnico) Carlos Alberto Silva me cobrava muito. O gol mais importante que eu fiz foi com a camisa do Guarani, contra o Corinthians. Era a final do campeonato paulista de 1988, 100 mil pessoas no Morumbi. Gostaria de ter ganhado esse título, que ficaria na história do Guarani.

ISTOÉ – Qual das duas bandeiras cobrirá o seu caixão quando você morrer?
Neto – Na verdade, quero ser cremado. Aí podem jogar metade das minhas cinzas no Parque São Jorge e o resto no Brinco de Ouro da Princesa. Só não sei se o estádio do Guarani vai continuar por lá, já que colocaram à venda. Mas vou ser bem sincero: eu sou corintiano desde moleque. Acho que ninguém consegue torcer por dois times.

ISTOÉ – Por que você não foi convocado para a Copa de 1990?
Neto – O (Sebastião) Lazaroni foi muito sacana e desleal com o Brasil. Ele devia ter me convocado junto com o João Paulo, ponta esquerda que jogava no Bari, na Itália. E aí ele levou o Romário, que jogou só uma vez e arrumou briga, o Bismarck e o Tita. Ele só fez isso porque os três jogavam no futebol carioca. O Lazaroni era treinador do Vasco, imagine só como aqueles caras foram valorizados por ele.

ISTOÉ – Você guarda mágoas da CBF?
Neto – Na Seleção Brasileira tem muito vagabundo, cara. Tem muito técnico que convoca os jogadores por interesse, por dinheiro mesmo. Pra falar a verdade, eu cago e ando para essa minha não convocação para a Copa de 90. Se eu tivesse ido, teria entrado numa roubada. Esse time foi uma vergonha, um grupo de mercenários que só pensavam em dinheiro. Eu cago para esses caras.

ISTOÉ – Como você se sentiu quando ganhamos o tetracampeonato em 1994?
Neto – Eu oscilei muito na minha carreira. Tanto que fui o melhor em campo no último jogo do Parreira antes da Copa de 94, contra a Bulgária, e não fui convocado. Agora, os caras do Rio são foda, sempre são escalados. E aí vem a desculpa de que eu era gordo, indisciplinado. É ruim para a minha carreira não ter um título mundial, não ter jogado em um time do futebol europeu, mas não aconteceu.

ISTOÉ – O que você aprendeu com o episódio da cusparada que deu no rosto do juiz José Aparecido de Oliveira, em 1991?
Neto – Eu só tenho um arrependimento no futebol: ter guspido (sic) no Zé Aparecido. O que eu aprendi é que, se a história tivesse acontecido hoje, eu estaria fodido. O que eu fiz foi muito sujo e desleal da minha parte. E o mais triste é que foi pior para ele, que depois teve câncer. Isso foi muito ruim para mim, mas trabalhei minha cabeça. Logo depois, as pessoas viravam o rosto para mim e diziam “não vai cuspir na minha cara!”. Eu era chamado de Bob Cuspe na rua. Tive de ser responsável e “guentar” aquilo que eu fiz. Eu falo sobre isso há 20 anos e nunca vou deixar de falar. O importante é que meus filhos souberam da história por mim. Eles não vão descobrir na escola que o pai deles fez uma barbaridade dessas.

ISTOÉ – Você já fez análise?
Neto – Fiz, durante três anos. Foi bom, a psicóloga era gostosa. Eu não comi, mas foi muito legal (risos). Eu me conheci com a análise. Sempre me perguntei por que eu era famoso, por que sempre chegava com o carro mais novo, por que o bife maior era sempre o meu, o melhor lugar na mesa era o meu. Às vezes eu ficava muito revoltado por que meus irmãos nunca tiveram as mesmas condições que eu. Eu achava que as pessoas gostavam de mim por que eu era famoso, e não o Neto de Santo Antônio de Posse. Também fiz terapia de casal, só não sei se foi bom porque me separei depois. Voltaria a fazer análise sem problema nenhum.

ISTOÉ – Como foi a transição de jogador para comentarista?
Neto – Fui gerente de futebol do Guarani por dois anos e meio, o que me deu muita base para virar comentarista. Agora estou na TV e já tenho oito anos de Bandeirantes. Também tenho um blog no Yahoo! e trabalho na rádio Transamérica. Sou multimídia, tenho meio milhão de seguidores no Twitter.

ISTOÉ – O que é preciso para virar comentarista de futebol?
Neto – Tem muita gente que tem medo de jogador, que faz média e não consegue criticar os amigos. Não pode pipocar, não pode ter rabo preso. Eu não me preparei para ser comentarista, mas gostei da coisa. É preciso saber causar para ser apresentador ou comentarista de futebol.

ISTOÉ – Você trabalha com Milton Neves e José Luiz Datena, dois personagens que dividem opiniões na tevê brasileira. Quem é mais mala?
Neto – O Milton Neves é narcisista, um mala mesmo. Mas é uma ótima pessoa, que ajuda muita gente, algo que ninguém fica sabendo. Se você disser que ele não sabe nada de um assunto, ele baixa a cabeça. As pessoas não entendem muito o Milton Neves, mas eu aprendo muito com ele. Para mim, o Jorge Kajuru é o melhor sujeito da tevê, só perde para o Sílvio Santos. Já o Datena é o cara para quem eu mais devo em termos de amizade e compreensão, ele já me ajudou muito.

ISTOÉ – Galvão Bueno ou Luciano do Valle?
Neto – O locutor que eu mais gosto é o Téo José, que é meu amigo. Já o Luciano do Valle é meu colega. Ninguém tem um gol como o dele. Nenhum grito de gol sai “reto” no computador como o do Luciano do Valle. Conheço o Galvão Bueno das viagens que a gente faz, mas nunca saí com ele. Só saio para jantar com quem é meu amigo. Ele está há trinta anos na Globo e aí não tem como alguém não chamá-lo de mala. Eu sou mala, pô. Se ele só narrasse, seria um dos maiores de todos os tempos. Mas aí ele narra, comenta, faz tudo. Quando você acha que sabe de tudo, dá bom dia para cavalo. Aí fica chato, irritante.

ISTOÉ – Como você trabalha?
Neto – Ligo para os treinadores e para os jogadores que são meus amigos. Tenho fontes que alguns repórteres não conseguem cultivar. Dei o furo das voltas do Ronaldo e do Adriano, além da história do Seedorf (o jogador teria acertado sua vinda para o Corinthians no meio deste ano). Aí eu ligo para os amigos do São Paulo, do Palmeiras ou do Flamengo e vou descobrindo as coisas. Essa é a base do jornalismo, que muitos caras que estudaram não têm – ficam sentados com o cu na cadeira e depois têm inveja de quem faz.

ISTOÉ – Esclareça a polêmica entre você eThiago Leifert, apresentador do “Globo Esporte”?
Neto – Eu não fiz nenhuma polêmica com ele. Eu estava no meio do programa que faço na Band, recebi a informação de que o Seedorf estaria vindo para o Corinthians e dei a notícia no ar. E aí o Thiago Leifert foi no “Globo Esporte” para dizer que era boato, que a gente não poderia acreditar na informação. Fiquei muito bravo com isso, jamais falaria algo assim da Globo, da ISTOÉ, da puta que o pariu. E olha que eu não sou jornalista. Tenho vergonha na cara e nunca desmereci uma informação dada por alguém. Mas acho ele um baita moleque. Admiro as mudanças que ele fez na Globo. Hoje, todo mundo apresenta os jornais de pé, o Jornal Nacional é o único que ainda não levantou da bancada. Só que o Thiago Leifert tem de pensar antes de falar de alguém que tem moral.

ISTOÉ – Quem é o cara: Neymar, Ganso ou Lucas?
Neto – O Neymar já está no nível de Rivelino, Zico, Gérson. E logo vai chegar no Garrincha, no Puskas, no Messi, no Maradona. O Neymar é o cara.

ISTOÉ – O Ganso é mercenário?
Neto – Essa é uma palavra muito difícil. Quem é mercenário, o jogador ou o clube? Só acho que a coisa fica difícil quando você tem um contrato como o dele, que vai até 2015, e arranja todo esse tipo de problema. Eu não sei quem está certo. Mas nessa história o prejudicado é o Santos.

ISTOÉ – Dá para confiar em jogador que cai na gandaia?
Neto – Eu confio mais no jogador baladeiro do que naquele que não sai à noite, nunca é titular e fica no banco sem fazer nada. E olha que eu não fui muito de balada. É claro que eu gostava de sair, de ir nos puteiros que eu conheci no Brasil inteiro. Ia com jogador, com jornalista, com árbitro, com médico do anti-doping. Todo mundo se encontra no mesmo puteiro depois do jogo, é sempre assim. Mas depois que meus filhos nasceram eu mudei muito meu estilo de vida. Não bebo há dez anos.

ISTOÉ – O seu problema de peso tinha a ver com a bebida?
Neto – Meu problema era por causa da comida, e não da cerveja ou do uísque.

ISTOÉ – Um jogador homossexual pode sair do armário no Brasil?
Neto – Pode sim. Muitos jogadores que atuaram comigo eram homossexuais e todo mundo respeitava os caras em campo. Aqueles que usam esse tipo de coisa para vender jornal ou ganhar ibope na tevê é que não merecem respeito. Quem não tem um homossexual em casa? Quem não tem alguém que fumou maconha ou cheirou cocaína na família? Quem não burla o imposto de renda? Quem disse que o homossexual tem menos moral do que um heterossexual?

ISTOÉ – Rola grana demais no futebol de hoje?
Neto – Os jogadores de nome ganham dinheiro demais, mas se você checar as pesquisas vai ver que a maioria não ganha mais do que dois salários mínimos. Os treinadores estão supervalorizados, ganham muito e não são mais importantes do que os clubes e os jogadores. Além disso, há as empresas na jogada, o futebol virou um mercado muito forte. E tem os investidores que a gente não conhece, que compram os direitos dos jogadores e não aparecem. Enquanto isso, os clubes estão devendo as calças, mas ninguém larga o osso.

ISTOÉ – Você acredita no sucesso da Copa de 2014?
Neto – Eu sou a favor da Copa no Brasil, nós somos o país do futebol. Mas, do jeito que está, eu fico com vergonha. Estive na Alemanha, em 2006. Foi brincadeira, vai tomar no cu. Aí fui para a Copa das Confederações na África do Sul, em 2009. Quando cheguei, no ano seguinte, falei “meu Deus, esse é outro país”. O Mundial de 2010 foi uma maravilha. E agora a gente está aqui, sem estádio, metrô, aeroportos. A gente não tem porra nenhuma! Vai chegar uma hora em que vão abrir as pernas e um monte de gente vai ganhar dinheiro por fora. Na verdade, Copa do Mundo é coisa para rico. O pobre vai vender amendoim, vai cuidar de carro no estacionamento do estádio. Se eu não tiver credencial de imprensa, nem sei se vou no estádio.

ISTOÉ – O Mano Menezes será o técnico do Brasil em 2014?
Neto – Eu acho que o Mano Menezes não é treinador de Seleção Brasileira. Ele é muito retranqueiro. É um bom técnico, de time grande, mas não de Seleção. O estilo dele é completamente diferente do futebol brasileiro. O Mano não chega na Copa de 2014. Vai sobrar pro Muricy (Ramalho), pro Abel (Braga), pro (Vanderlei) Luxemburgo.

ISTOÉ – Você seria técnico de futebol?
Neto – Não tenho muito apetite de ser treinador. Mas se vier um Atlético Paranaense, um Coritiba, me oferecendo R$ 250.000 por mês, eu vou na hora. Você acha que eu não vou ter tesão de ficar gritando na beira do gramado por um salário desses? Eu não soube administrar minha carreira de jogador, mas agora tenho um plano de vida: quero ser presidente do Corinthians em 2018. Antes preciso me eleger como conselheiro, mas nem sei se isso vai acontecer, vamos esperar.

ISTOÉ – Você trabalharia com o Ronaldo?
Neto – Que Ronaldo? (Risos) Qualquer um pode estar no Corinthians desde que tenha condições para ajudar o clube. Sem o Ronaldo, o Corinthians não teria nada do que conquistou nos últimos dois anos.