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CASAL Guilherme Mallas terá direito à pensão de seu companheiro, o PM Antônio Módulo

Nos últimos anos, as conquistas dos homossexuais brasileiros se limitaram às decisões isoladas de alguns tribunais. Desde que juízes de vanguarda reconheceram uniões homoafetivas, concederam adoção a casais de gays e garantiram benefícios a parceiros do mesmo sexo, os homossexuais começaram a deixar a invisibilidade legal na qual sempre viveram. Agora, é a vez de o governo federal abraçar a causa.

Na quinta-feira 14, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, apresentou o Plano Nacional da Cidadania e Direitos Humanos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais), que deverá virar um decreto presidencial. É o primeiro marco normativo dos direitos gays no Brasil. Em 2004, o governo havia ensaiado um aceno ao grupo ao lançar o programa Brasil Sem Homofobia, contra a discriminação. Mas agora, após consulta pública com dez mil pessoas, o Poder Executivo estabeleceu metas a serem cumpridas por outros órgãos federais em três anos. "Nosso desafio é transformar o plano em realidade", disse Vannuchi.

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Entre as diretrizes está a ampliação do acesso das lésbicas a tratamentos reprodutivos, treinamento de policiais na assistência às vítimas de homofobia, inclusão da temática LGBT nos livros didáticos, reconhecimento do companheiro do mesmo sexo como dependente no estatuto dos militares e retirada dos homossexuais da categoria "grupo de risco" da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

O plano solicita ainda a equiparação da união homoafetiva à estável – com todos os direitos garantidos ao casal heterossexual, inclusive a adoção – e a criminalização da homofobia – demandas paradas no Legislativo há 15 anos. "As bancadas religiosas atrasam a votação", diz a senadora Fátima Cleide (PT-RO), autora do projeto de lei contra a homofobia.

"Essa vitória é uma conquista da sociedade brasileira"
Antônio Ferreira, que ganhou no TST o direito à indenização de R$ 1,3 milhão do Bradesco por homofobia

"As portas estão fechadas no Legislativo. A esperança está no Judiciário", afirma a advogada Maria Berenice Dias, maior referência no País na defesa dos direitos dos homossexuais.

Deverá ser julgada no próximo mês, no Supremo Tribunal Federal, uma ação movida pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pedindo equiparação da união homossexual à estável. A causa conta com a simpatia do relator, o ministro Carlos Ayres Britto, e se a mudança for aprovada terá efeito imediato em todo o País.

Indenização de danos morais por discriminação, concessão de benefícios ao parceiro, adoção e registro de crianças com dois pais (ou duas mães) são os principais marcos da revolução do Judiciário na temática homossexual.

No mês passado, o Tribunal Superior do Trabalho condenou o Banco Bradesco a pagar R$ 1,3 milhão ao baiano Antônio Ferreira – a maior indenização paga a uma vítima de homofobia. "Essa vitória é uma conquista da sociedade brasileira", diz o ex-bancário, que era isolado do grupo e chamado de "viado" e "bicha" pelo superior. Ferreira processou o banco em 2004, após receber uma lacônica carta de demissão alegando má conduta.

Na Polícia Militar, a homossexualidade é enquadrada como irregularidade no código policial. A luta contra a homofobia enraizada nos quartéis é uma vitória recente dos gays na Justiça. Há duas semanas, o subtenente reformado da PM Antônio Módulo Sobrinho, 68 anos, conseguiu garantir o direito a pensão ao seu companheiro, Guilherme Mallas Filho, 56 anos, com quem vive há 35. Segundo a advogada, Márcia Reyes, foi a primeira concessão de benefício a um parceiro homossexual de um policial.

O reconhecimento da união homoafetiva é um fato no Judiciário. A advogada Rosa Maria Rodrigues acaba de concluir um mapeamento das decisões relativas às uniões entre homossexuais nas principais cortes do País. Entre 1980 e 2008, foram 187 acórdãos – 45% relativos a inventário, 31% a separações, 17% a inclusão em plano de saúde, pedidos de benefícios previdenciários e pensão por morte, e 7% a ações coletivas de direitos aos parceiros de servidores públicos e pensão de alimentos.

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FAMÍLIA
Arlécia Duarte e Maria Letícia Mariano (atrás) conseguiram que no registro constassem duas mães

Mas o caminho costuma ser longo. Na semana passada, a Justiça negou às lésbicas Adriana Maciel, 26 anos, e Munira Ourra, 27, que tiveram gêmeos por inseminação artificial no dia 29 de abril, o direito de registrar os filhos com duas mães. Elas recorreram da decisão. Desde 2006, houve pelo menos 20 acórdãos de concessão da tutela, segundo o advogado Enézio de Deus, especialista no tema. Há dois anos, o casal Arlécia Duarte e Maria Letícia Mariano conseguiu adotar e registrar Caíque, de cinco anos, com o nome das duas na certidão de nascimento. "Foi a realização de um sonho", resume Arlécia.

Na contramão

Ao julgar um pedido de ação popular – impetrada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – para devolução aos cofres públicos dos recursos doados pelos governos estadual e municipal para a última Parada do Orgulho Gay, o desembargador Claudio de Mello Tavares mostrou que ainda há muito a avançar para reduzir o preconceito no País. "Não se pode negar aos cidadãos heterossexuais o direito de, com base em sua fé religiosa ou em outros princípios éticos e morais, entenderem que a homossexualidade é um desvio de comportamento, devendo ser reprimida e tratada", defendeu o juiz, embora tenha negado o pedido. A reação foi imediata. "É uma posição homofóbica", diz Cláudio Nascimento, membro do grupo Arco Íris, que organiza a parada. O texto chegava a usar o termo "doença" para se referir à homossexualidade, mas foi modificado. "Houve um erro de digitação", explicou à ISTOÉ o desembargador. "Quis apenas defender a liberdade de expressão." O advogado Roberto Gonçale, da OAB, rebate: "Ninguém pode, ao se expressar, ferir a dignidade do outro. E foi isso que aconteceu."

Francisco Alves Filho