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O plano estava traçado. Depois de prenderem o homem que tinha roubado um carro em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, no dia 12 de março, dois policiais militares decidiram levá-lo a um lugar ermo e executá-lo. Como o homem já tinha sido ferido numa curta perseguição, os policiais argumentariam depois que ele morrera durante o tiroteio. Desse jeito, Dileone Lacerda de Aquino, saído da prisão em 2010, seria apenas mais um nome para entrar nas estatísticas de pessoas mortas em conflito com a polícia – uma lista que aumentou 78,3% nos últimos 15 anos. Mas o plano falhou por um detalhe: o lugar ermo não estava tão ermo assim. No cemitério escolhido pelos policiais para a execução havia ao menos quatro pessoas visitando túmulos. E uma delas, uma corajosa mulher, não hesitou em usar seu celular para denunciar ao Centro de Operações da PM a cena que estava presenciando. “Diz que já é normal fazer isso aqui, mas não é normal eu assistir isso”, insistiu a testemunha com um burocrático atendente do 190 (leia a íntegra do telefonema).

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VÍTIMA
Dileone Lacerda de Aquino foi executado pelos PMs, depois de preso por roubar um carro

Os policiais Ailton Vital da Silva e Filipe Daniel da Silva foram presos na quinta-feira 7. Com nome mantido em sigilo pela Corregedoria da PM, a mulher que visitava o túmulo do pai no cemitério Parque das Palmeiras virou uma celebridade anônima. “Todo mundo quer saber quem é ela, mas o que posso dizer é que ela estava num carro com mais três pessoas, duas mulheres e um senhor”, conta o dono do cemitério, Osvaldo Cury. Segundo ele, é muito comum policiais entrarem no local todos os dias. Por isso, o vigia que estava de plantão naquele sábado de março não achou estranho quando a viatura M 29411 passou pelo portão de entrada. “Eles vêm aqui para usar o banheiro, beber água e até para procurar traficantes e ladrões da região que às vezes pulam o muro para se esconder no fundo do cemitério”, diz Cury. Com apenas 15 anos, o local tem pouca área ocupada. Não há túmulos, só lápides, de forma que qualquer visitante poderia ter visto o crime – o que só ressalta a desfaçatez dos PMs assassinos. Eles só não contavam com a valentia da testemunha do Parque das Palmeiras.

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CENÁRIO
O cemitério Parque das Palmeiras foi o local “ermo” escolhido pelos PMs para executar o preso

A misteriosa mulher que narrou a execução de Aquino chegou a dispensar o Serviço de Proteção à Testemunha do Estado, pois não queria mudar sua rotina de vida. “Tiramos as pessoas de circulação e muitas vezes elas precisam mudar de Estado e de identidade”, justificou Luis Daniel Pereira Cintra, secretário-adjunto de Justiça, que cuida do programa que já protegeu mais mil pessoas relacionadas a 682 casos desde 2000. No entanto, a destemida testemunha, que seria uma professora da periferia da cidade, já começa a se arrepender de ter confiado na polícia. “A Corregedoria prometeu me preservar e eu acreditei”, disse ela à reportagem do jornal “Agora”, que a localizou na quinta-feira 7. “A prova de que isso não foi feito é que estou falando com vocês.” A mulher reclama que a gravação de sua denúncia foi divulgada sem que, ao menos, tivesse sido providenciado um efeito de distorção de sua voz. Ela teme que esteja colocando, inclusive, seus familiares em risco. 

Depois que o caso do Parque das Palmeiras chegou à imprensa, o governador paulista Geraldo Alckmin decidiu anunciar que todas as mortes registradas como decorrentes de confrontos com policiais militares passarão a ser investigadas pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil. A intenção é tratar de forma mais rigorosa estes casos, em geral encarados como mera rotina da PM. A decisão tem tudo para acirrar velhas disputas entre Polícia Civil e Militar. “Possivelmente vai haver conflito porque as duas polícias vivem brigando, é histórico”, diz o cientista político Guaracy Minguardi, especialista em segurança pública. “Mas foi uma decisão correta, pois é função do DHPP investigar esses crimes que envolvem homicídio.” Minguardi prevê, no entanto, a necessidade de aumentar o efetivo do departamento, já que a quantidade de crimes envolvendo a Polícia Militar paulista é alta. Só em 2010, foram 495 casos.

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