Paula Rego/ Pinacoteca do Estado, SP/ até 5/6

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ATIVISMO
Tríptico de Paula Rego contribuiu para debate em torno da descriminalização do aborto em Portugal

A descriminalização do aborto foi aprovada em Portugal em fevereiro de 2007, depois de dez anos de intenso debate público, do qual a artista Paula Rego participou ativamente. Sua série “Tríptico”, de 1998, foi criada como forma de protesto político. Sustenta-se que a exibição, nesses três trabalhos em pastel sobre papel, das duras condições a que as mulheres são submetidas em sessões clandestinas de aborto teve seu peso na campanha pela revisão da lei. O firme posicionamento de Paula em relação à defesa dos direitos da mulher é apenas um capítulo do histórico ativista e questionador dessa artista nascida em Lisboa em 1936 e residente em Londres a partir dos 16 anos de idade. Paula nunca se calou diante das atrocidades da vida contemporânea. Na tela recente, “War”, 2003, ela responde à invasão do Iraque pelos EUA e Grã-Bretanha. Seus trabalhos são como berros, muitas vezes guturais e violentos, em resposta ao mundo. Eles podem ser ouvidos até 5 de junho na Pinacoteca, em São Paulo, na primeira retrospectiva de Paula Rego na América Latina.

Dos primeiros trabalhos, realizados no final da década de 50, até hoje, a vida doméstica, a infância e as fases da vida da mulher são representadas em seus traços mais rudes e em suas cores mais soturnas. Não raro, suas personagens deformadas, entristecidas
e penalizadas são comparáveis às aberrações pintadas e gravadas por Goya na Espanha oitocentista. A animalidade da raça humana é um traço presente de sua iconografia desde seus primeiros bestiários, pintados em linguagem primitivista. Nos anos 80, quando assume um figurativismo dramático, suas cenas são sempre assistidas por animais.
Cães, gatos, porcos, javalis, garças e raposas presenciam todo tipo de atividade doméstica, como se espreitassem a ingenuidade da vida, ameaçando sua normalidade.

A aberração domina definitivamente a temática de Paula a partir da série “Avestruzes Bailarinas do Filme Fantasia, de Walt Disney”, de 1995, em que corpos que deviam ser lindos, leves e soltos ganham o peso e a consistência de rochas. Nessa escalada em direção aos lugares mais escuros da vida cotidiana, a obra de Paula libera todo tipo de monstruosidade. Situações singelas se transformam em dramas viscerais. Atos banais como pentear os cabelos, vestir-se, despir-se, amarrar os sapatos ou engraxar as botas ganha contornos dramáticos. Como a mulher que atira com um revólver contra o próprio macaco de pelúcia, na litografia “A Sala
de Shakespeare”.

Seu comprometimento com o sofrimento humano dá matizes especiais a Paula Rego.
E a aproximam do olhar agudo de grandes artistas, como Goya.