A história do Brasil é recheada de tragédias pessoais que interferem nos destinos nacionais, como as mortes de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. O recém-lançado livro Roberto Silveira, a pedra e o fogo resgata outra saga interrompida pela fatalidade. Em fevereiro de 1961, o helicóptero que levaria o governador Roberto Silveira de Petrópolis para visitar vítimas das chuvas explodiu ao levantar vôo, matando o último grande líder político fluminense. Tinha 37 anos e era secretário-geral do PTB nacional, uma das mais fortes opções a João Goulart para disputar a sucessão de Jânio Quadros. O livro é um fascinante desfile das raízes políticas do velho Estado do Rio de Janeiro, antes da fusão com a Guanabara.

Escrito pelo jornalista José Sergio Rocha, o livro foi editado pela Casa Jorge Editorial, do ex-prefeito de Niterói Jorge Roberto Silveira, filho do homem. A pesquisa minuciosa e o texto quase épico conferem robustez às 518 páginas da breve saga de Roberto Silveira, eleito governador em 1958 contra o inabalável PSD de Amaral Peixoto, genro de Getúlio. Em dois anos, projetou-se nacionalmente com ações polêmicas: apoiou a revolta popular que destruiu a estação das barcas, legalizou o jogo do bicho repassando verbas para ações sociais de freiras e padres e conjugou reforma agrária com alfabetização em massa.

Precursor dos marqueteiros num Estado marcado pelo formalismo dos coronéis, foi um dos primeiros a usar pesquisas de opinião. Para um eleitorado acostumado à arrogância dos barões do café, era impossível não se deixar seduzir pelas audácias do jovem petebista. Uma delas foi na cidade de Cambuci, dominada pelo PSD. Depois de tentar em vão atrair algum adulto para a campanha, Roberto comprou um pacote de balas e se sentou na calçada com um menino. Logo estava cercado de crianças, que o seguiram em passeata até a ponte mais conhecida da cidade. O pessedista Getúlio de Moura, que esperava colher a unanimidade dos eleitores do local para governador, teve 2.934 votos. Graças ao empenho da garotada, Roberto, que esperava zero, teve 2.363. O local ainda é conhecido como a Ponte das Crianças.

A impaciência com o marechal Lott na campanha presidencial de 1960 levou o elétrico governador do Rio a defini-lo como “piano de cauda alemão”, difícil de carregar. Mesmo assim, o Rio foi um dos poucos Estados onde Lott, apoiado por ele, venceu Jânio. Num comício em Niterói, Jânio se rendeu, declarando que Roberto seria seu sucessor na Presidência. “Aliás, saindo desta bela praça por ele reconstruída, irei visitá-lo em sua casa”, arriscou o futuro presidente. Jânio então se mandou para o Palácio do Ingá, onde Roberto o esperava com uma garrafa de uísque. Os sobreviventes da noitada contam que Jânio bebeu todas. “Quanto mais ele bebia, mais lúcido ficava”, diria Roberto Silveira, que se despediu de Jânio brincando: “Da próxima vez que você vier aqui, vou lhe servir é cachaça. Não quero meu governo falido.”