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PROCESSO
Olivia luta na Justiça para ter identidade de doador

As duas jovens entrevistadas para esta reportagem estão entre as primeiras do mundo a colocar um dilema para a sociedade. Olivia Pratten, canadense, 28 anos, e Alana S., americana, 24, nasceram por meio de técnicas de reprodução assistida. No caso de Olivia, seu pai era infértil. Na história de Alana, sua mãe queria um filho, mesmo sem ter um marido. Por isso, tanto a mãe de Olivia quanto a mãe de Alana recorreram a doadores anônimos de esperma – prática comum e permitida. Hoje, porém, as duas meninas, já crescidas, querem saber quem são seus pais biológicos, os homens que cederam seus espermatozoides e, por conseguinte, metade do material genético de cada uma.

Simples? Longe disso. Trata-se, na verdade, de uma demanda delicada, complexa, e para a qual ninguém havia se preparado. Há 30 anos, quando os avanços na reprodução assistida começaram a permitir a realização de procedimentos sofisticados, parecia tranquilo imaginar o uso de óvulos ou esperma doados de forma anônima em nome do sonho de ter um filho. E era. Para os pais, representava a solução do problema. No entanto, à época não se imaginou que as crianças geradas dessa forma pudessem manifestar o desejo de conhecer seus outros pais biológicos. A grande questão é que os doadores, em sua maioria, só fizeram as doações por causa da garantia do anonimato e de que ninguém surgiria, anos depois, apresentando-se como seu filho. O impasse, como se vê, está colocado.

À primeira vista pode parecer estranho ir atrás de quem doou o óvulo ou o esperma. A motivação para fazê-lo, porém, não se resume a mera curiosidade. “Não sei qual a influência do meu pai biológico sobre quem sou, mas não poder conhecê-lo significa nunca responder a essa dúvida”, disse Olivia à ISTOÉ. A jovem sempre soube que foi gerada com esperma doado. E é com o apoio dos pais que ela tenta obter na Justiça canadense a autorização para acessar as informações sobre o doador. Alana S. também sabe desde criança que seu pai biológico é um doador de esperma. Mas a inquietação em relação às suas origens a levou a buscar a identidade do doador e a criar um site no qual reúne histórias de jovens como ela, de doadores e de pais. “Reuni diferentes pontos de vista. Todos são relevantes para entender a questão”, disse à ISTOÉ.

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AÇÃO
Site de Alana reúne relatos de quem, como ela,
é fruto de doações anônimas de gametas

O sentimento de Olivia e Alana é comum entre filhos gerados da mesma maneira. O livro “O Nome do meu Pai é Doador”, publicado no ano passado, traz uma pesquisa na qual foram ouvidos 485 adultos cujas mães recorreram a esperma doado. Dos entrevistados, dois terços gostariam de ter acesso aos dados do doador. Para 45% dos participantes, o modo como foram concebidos é razão de incômodo. A saúde também é afetada. Eles são duas vezes mais propensos a abuso de substâncias químicas quando comparados com quem conhece os pais biológicos. E têm uma vez e meia mais chances de apresentar distúrbios psicológicos. Diante de tudo isso, porém, Elizabeth Marquardt, uma das responsáveis pela pesquisa, garante que mentir não é a solução. “Os pais devem contar à criança sobre a reprodução assistida desde cedo”, disse à ISTOÉ.

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O fim do anonimato, porém, poderia ter um impacto negativo sobre a quantidade de pessoas dispostas a doar. “O número de doadores cairia”, prevê a médica Vera Féher Brand, diretora do Pro-Seed, um dos maiores bancos de sêmen do País. “Se tivesse de me identificar, não doaria, pois teria o risco de me envolver com a pessoa gerada pela doação”, diz Paulo (nome trocado), 27 anos, doador há um ano.

Uma questão levantada pelos defensores da quebra do anonimato é o direito da criança de conhecer a história de saúde de seus pais biológicos. O argumento é procedente, já que um bom gerenciamento da saúde inclui saber os antecedentes familiares de doenças. “O doador é uma parte do filho gerado”, diz Leann Mischel, presidente de um grupo americano que cruza dados de doadores e filhos de doação. “E o filho precisa conhecer a saúde dos pais.”

Ainda não há consenso sobre o que fazer em relação à demanda. Em alguns países, como a Noruega, jovens com mais de 18 anos podem conhecer seus pais biológicos. No Brasil, o anonimato persiste. E não há sinal de mudança. “Não houve pressão para alterar as normas vigentes”, diz Reinaldo Ayer, coordenador de bioética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

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