Nascido em Roma e vivendo no Brasil há mais de 50 anos, o físico Ennio Candotti, 61 anos, acredita no Brasil. Formado pela Universidade de São Paulo e naturalizado brasileiro, ele se dedica há anos ao exercício e à divulgação da ciência no País. Hoje é professor na Universidade Federal do Espírito Santo e foi empossado presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), durante a 55ª reunião da entidade, que aconteceu na semana passada, no Recife. É o seu terceiro mandato, os dois primeiros foram entre 1989 e 1993. Candotti promete dar continuidade ao que vem sendo feito na instituição em gestões passadas, com o fortalecimento e a implantação de núcleos regionais da instituição. “Espero encontrar tempo e serenidade para atuar de forma intensa”, disse o físico em entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O que o sr. pretende mudar na sua gestão na SBPC?
Ennio Candotti –
Pretendo continuar fazendo aquilo que as gestões passadas fizeram e dar ênfase à construção de núcleos regionais mais ativos. Foram criadas fundações de apoio à pesquisa (FAPs) em vários Estados que precisam de atenção, já que enfrentam dificuldades financeiras. Além disso, como os principais usuários das FAPs são universidades federais, os governadores consideram que é a União que deve custear ciência e tecnologia. O papel da SBPC é político, e consiste em forçar o entendimento entre Estados e federações.

ISTOÉ – Como o sr. analisa a situação da ciência hoje no Brasil?
Candotti –
Ainda não é uma atividade que tem o seu espaço garantido nas prioridades de governo. O próprio PT não me parece considerar a contribuição da ciência e tecnologia como uma das questões fundamentais em seu governo. Acredito que há um potencial imenso de contribuições que a ciência poderia dar ao País, não para políticas imediatas, mas para médio e longo prazos. Seja nas questões dos transgênicos, seja nas do meio ambiente, do aproveitamento da
água e da clonagem.

ISTOÉ – E o que é preciso fazer para melhorar esse quadro, uma vez que não faltam ao País profissionais competentes?
Candotti –
Precisamos consolidar a pesquisa científica, com recursos e interesses coletivos. Temos de começar a implantar laboratórios e centros de pesquisa por todo o País de maneira seletiva e cuidadosa. Não adianta deslocar cientistas de regiões como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para Estados do Norte e Nordeste. A USP, por exemplo, é um terço do que deveria ser, para um Estado com a população de São Paulo. Temos de criar pólos e contribuir para que as universidades já existentes se equipem. Não creio que se deva penalizar as maiores instituições para favorecer as menores; devemos encontrar políticas diferenciadas para equilibrar esse sistema.

ISTOÉ – O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral,
é a favor do incentivo do uso da internet para a divulgação
da informação científica, através de um banco de dados. O
que o sr. acha disso?
Candotti –
É muito virtual para ser real. Estamos falando de regiões
com desenvolvimento complexo, com histórias diferenciadas, que precisam de alternativas compatíveis. Internet é sobremesa e estamos falando de arroz com feijão.

ISTOÉ – Como falar em investir em pólos científicos e em universidades se o País tem grande déficit em ensino de base?
Candotti –
A educação é um fator primordial, mas dá para fazer as duas coisas juntas. Melhorar o ensino fundamental e médio tem a ver com a formação de professores. Hoje, os professores de segundo grau são quase leigos. No Espírito Santo, onde leciono, 50% daqueles que ensinam ciências nas salas de aula não são formados em ciências. Temos um grande desafio pela frente. O Brasil está crescendo e não está formando professores na mesma velocidade.

ISTOÉ – Em que áreas o Brasil se destaca no cenário internacional?
Candotti –
Outro dia viajei num jato da Embraer, que fazia a rota Genebra/Roma. Fiquei orgulhoso. Além disso, a agricultura do País, impulsionada pela tecnologia desenvolvida na Embrapa, é considerada
de ponta. A prospecção de petróleo em águas profundas tem um
papel de liderança, assim como a engenharia de construção de plataformas de exploração.

ISTOÉ – Um dos assuntos mais discutidos na reunião da SBPC foi a pesquisa científica na área da biodiversidade. Por quê?
Candotti –
Porque a legislação vigente é burra. Ela é restritiva e não dá liberdade de pesquisa. Não é possível que um país com a biodiversidade que temos crie uma legislação que limite a presença de pesquisadores no estudo do ecossistema. A melhor maneira de protegermos as nossas riquezas naturais da biopirataria é conhecê-las bem. Não é proibindo os brasileiros de pesquisarem essa área que vamos conseguir uma maior proteção desse patrimônio. Eu não sossegarei enquanto essa lei da biossegurança não for revogada.

ISTOÉ – O sr. acredita que ter o conhecimento da energia nuclear, da fabricação da bomba atômica, elevaria o País a uma grande potência, como sugeriu o ministro Amaral logo após a sua posse?
Candotti –
Todo conhecimento é importante, mas construir armas não significa saber usá-las. É muito mais importante para a segurança nacional alcançar os 14 anos de escolaridade média ideal – que hoje é de seis anos – do que ter bombas e foguetes.