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Os cabelos estão menos dourados, os braços mais tatuados, a silhueta um pouco mais fina e a conta bancária “satisfatória”. E a melhor parte: após ter se relacionado sexualmente com milhares de homens, o casamento monogâmico é mesmo o que ela sonhava. Seis anos após a aposentadoria como garota de programa e depois do sucesso do livro “O Doce Veneno do Escorpião” (Panda Books), Raquel Pacheco, 26 anos, sorri à toa. O filme que conta a história de sua curta e intensa vida teve o segundo melhor público em estreias do ano, 400 mil pessoas no fim de semana. Para quem, aos 17 anos, expunha a vida de prostituta num blog e, em seguida, em livro, aparecer na imensa tela do cinema retratada por uma atriz como Deborah Secco parece só mais um passo. Não para a menina tímida que precisou criar uma personagem, a Bruna Surfistinha, para achar seu lugar no mundo. “Fiquei apreensiva, não fazia ideia de como as pessoas iam reagir”, diz ela.

Raquel continua morando no mesmo prédio onde vivia quando ainda fazia programa, num flat em Moema, bairro de classe média alta de São Paulo. Só mudou para um apartamento melhor, o qual ela não abre mais para desconhecidos a pedido de seu marido, João Paulo Moraes, o ex-cliente que virou o único a compartilhar a cama com Raquel desde que ela aposentou Bruna Surfistinha. Ele é advogado e tem um escritório. Ela vive dos rendimentos do livro e dos direitos do filme. O livro teve 260 mil cópias vendidas e foi traduzido para 13 línguas. A Panda Books acaba de colocar mais 30 mil na praça, com o cartaz do filme na capa. Prudente, Raquel não teve coragem de investir o dinheiro em nada grandioso. “Eu só aplico e deixo lá no banco”, conta.

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VIDA REAL
Raquel com a atriz Deborah Secco, que a interpreta: ela
tentou ter uma butique erótica, mas não deu certo

A única tentativa de ter um negócio próprio aconteceu há três anos, quando planejou abrir uma butique erótica com a então melhor amiga, que também é retratada no filme. Um episódio, no entanto, causou uma cizânia entre as duas e acabou com os planos da Raquel empresária. “Ela se recusou a participar de um programa de tevê comigo, disse que jamais diria em rede nacional que era a melhor amiga de Bruna Surfistinha”, conta, com certa mágoa. Raquel também sonha ser psicóloga e, quiçá um dia, ter seu próprio consultório. Só não sabe como fazer isso à sombra da personagem. “Só quem me admira ia querer se consultar comigo”, suspeita.

Entre os cinco anos que separam o lançamento do livro e a chegada do filme, Raquel perdeu as contas de quantas entrevistas deu e das inúmeras vezes que viu seu codinome em destaque nas redes sociais. A fama, no entanto, não a seduziu. “Ela sofreu vários choques na vida, e a fama foi um deles, mas ela nunca ficou deslumbrada”, acredita o editor Marcelo Duarte, da Panda Books, que a acompanha desde 2005. Além disso, Raquel aprendeu a se separar da personagem. Quando começou a aparecer por causa do blog que a tornou famosa, só conseguia ficar à vontade na pele de Bruna. “No dia em que fui conhecê-la, esperava encontrar uma mulher voluptuosa, sem papas na língua, e encontrei uma menina acanhada”, conta o diretor do filme, Marcus Baldini. “Hoje, ela tem plena consciência de quem é a Raquel e quem é a Bruna”, diz ele.

Raquel também aprendeu a lidar com as críticas e com o preconceito. Ser chamada de “vagabunda” nos fóruns online já não dói tanto. “Aprendi a apertar o botão do f…. Deus deveria dar um desse para cada pessoa”, afirma, mostrando a tatuagem que fez no braço direito com um botão e as iniciais PH (que é a grafia que ela usa para escrever f…). Para que ela se sinta completa só falta o perdão da família, em especial da mãe (leia na entrevista). Talvez venha daí o desejo tão ardente de ter filhos. “Só não tive ainda porque não queria estar grávida nem com filho pequeno no lançamento do filme.” Raquel quer ser uma mãe presente, dedicada e afetuosa. E sem nenhuma vergonha do seu passado. “Eles saberão o que eu fui, claro. Não vou esconder nada”, diz. E nem teria como. Afinal, ela é a garota de programa mais famosa do Brasil.

“O casamento é como eu sonhava”

ISTOÉ – Você gostou do filme?
Raquel Pacheco – Adorei! Chorei até nas cenas fictícias. A Deborah (Secco) incorporou para valer, se entregou. Revi minha vida na tela.
ISTOÉ – Você se casou?
Raquel – Estou usando aliança, mas não casamos oficialmente. Estamos juntos há quase seis anos. Todo mundo dizia que não ia durar seis meses…
ISTOÉ – Como é ter uma vida monogâmica depois de ter se relacionado com tantos homens?
Raquel – É ótimo! O casamento é como eu sonhava. Adoro ficar esperando por ele em casa à noite. Eu fiz tudo que quis, realizei todas as minhas fantasias sexuais. O curioso é que com ele eu não sentia química no começo…
ISTOÉ – E hoje?
Raquel – Ah, agora sim! Eu só destravei depois que parei de fazer programa. Eu ficava meio mal de transar com ele depois de ter transado com outros. Limpava tudo, pelos, camisinhas, não deixava nenhum vestígio no apartamento.
ISTOÉ – Você nunca mais viu a sua família?
Raquel – Não. Minha última tentativa foi no Natal de 2007. Comprei uma orquídea, que minha mãe adora,
e mandei entregar com uma carta na qual eu dizia tudo o que eu queria. No final, deixei meus contatos. Ela nunca me procurou.
ISTOÉ – O que você dizia na carta? Pediu perdão?
Raquel – Pedi uma chance. Disse que eu tinha 17 anos e era imatura, rebelde, que agi no impulso. Sei que algo se quebrou, mas eu queria o perdão.
ISTOÉ – E você era imatura? Arrependeu-se?
Raquel – Eu era, mas não me arrependo. Fui muito corajosa também. E dei sorte. Quantas histórias de prostituição terminam em tragédia? Poderia ter me acabado na cocaína.
ISTOÉ – Você ainda sofre preconceito?
Raquel – Demais! Quando dou entrevista, acompanho as discussões pelo Twitter e vejo quanta gente me chama de vagabunda. É muito mais xingamento que elogios, pode ter certeza.
ISTOÉ – Alguma saudade daqueles tempos?
Raquel – Só das amigas. Me diverti muito com elas.