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Sem bombas Um soldado alemão namora uma francesa diante da Torre Eifell: Paris tornou-se uma espécie de parque de diversões sexuais durante a Segunda Guerra Mundial

Turistas de todo o mundo invadem as mesinhas redondas do Café de Flore, no Boulevard Saint-Germain, em Paris, na fantasia de reviver a aura dos anos do existencialismo. Nem suspeitam que, durante a Segunda Guerra Mundial, essas mesmas mesinhas eram ocupadas por outro tipo de boêmio. Engalanados em suas fardas cinzas, encimadas por colarinhos verdes, os oficiais da Wehrmacht, as forças armadas nazistas, usufruíam da noite parisiense como privilegiados turistas de guerra. Vindos do front oriental, eles aproveitavam horas de puro deleite e diversão. E isso na melhor das companhias – charmosas e elegantes mulheres francesas. Calcula-se que durante os quatro anos da Ocupação, quando a região norte da França ficou sob o poder da Alemanha (Paris incluída), 100 mil mulheres francesas se tornaram prostitutas ocasionais para servir à clientela nazista. Nesse período, nasceram 200 mil crianças bastardas. Esse episódio, que ficou conhecido como "a colaboração horizontal" está vindo à luz agora com detalhes inéditos no livro 1940- 1945 – Années erotiques Tome 2 – de la grande prostituée a la revenche dês mâles (1940-1945 – Anos eróticos Vol. 2 – da grande prostituta à vingança dos machos). O seu autor é o historiador francês Patrick Buisson.

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Buisson é conselheiro do presidente francês Nicolas Sarkozy e diretor do canal a cabo Histoire. No ano passado, ele deixou o país estarrecido com as revelações do primeiro volume da série, intitulado Vichy ou os infortúnios da virtude (Vichy era a capital do governo francês durante a Ocupação). Buisson repete a dose ao se aprofundar nesse período tabu da recente história do seu país. Segundo suas pesquisas, a simpatia de parte das mulheres francesas pelos soldados nazistas começou primeiro na elite. Mas, como as camadas populares se espelham no estilo de vida dessa elite, tal simpatia logo se alastrou – chegando até as donas de casa interioranas, cujos maridos se encontravam no front (no total, foram dois milhões de soldados franceses). Daí para as adolescentes, foi apenas o tempo de uma troca de olhares. Além do encanto, havia também a penúria financeira dessas mulheres das classes mais pobres.

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O livro abre com as suntuosas festas oferecidas aos oficiais alemães de grande patente na embaixada da Alemanha, borbulhantes de champanhe, atrizes e cantoras da moda. Logo, a sociedade parisiense repetiria o ritual, especialmente nas chamadas "quintas-feiras de Florence", acontecidas no Hotel Bristol. Florence Gould era casada com o milionário das ferrovias Frank Jay Gould e promovia encontros culturais que passaram a incorporar os alemães francófonos, entre eles os escritores e militares Ernst Jünger e Gerhard Heller. "Pelo menos duas vezes Florence baixou a guarda: primeiro diante do major da aeronáutica Ludwig Vogel, um homem robusto de 30 anos", escreveu Buisson. O segundo amante foi o próprio Jünger, "coqueluche dos salões". O exemplo de Florence foi seguido por muitas estrelas parisienses, como a atriz Mireille Balin, do filme O demônio da Argélia, que largou o marido, o cantor italiano Tino Rossi, para viver um romance com o oficial Birl Desbok. Ela passou a exibi-lo como "um troféu sexual", segundo Buisson.

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O caso mais escandaloso foi o da atriz Arletty, que justificaria assim a sua colaboração horizontal: "Meu coração é francês, mas meu traseiro é internacional." Esse foi o lema adotado nas ruas pelas prostitutas, cujo trabalho foi favorecido por uma lei que legalizava as chamadas "maison close". Os prostíbulos de luxo, enumerados em guias escritos em alemão, passaram a funcionar a pleno vapor, satisfazendo ideologia higienista dos nazistas – segundo eles, o sexo praticado nas casas de tolerância era mais fácil de controlar do ponto de vista sanitário. Buisson colheu o depoimento de Fabienne Jamet, dona do bordel One-Two-Two, um dos mais frequentados na época: "Jamais, na França, os prostíbulos foram tão bem cuidados quanto na presença dos alemães." Chamados no passado de "boches" (cabeçasduras), os nazistas passaram a receber tratamento especial porque, entre outras coisas, tinham o hábito de presentear as francesas com flores e chocolates. Além disso, o que a mulher de um soldado francês ganhava em um dia prostituindo- se era três vezes mais do que ela recebia do governo como auxílio de sobrevivência. Para seduzir o inimigo, as mulheres tingiam os cabelos de preto, porque acreditavam que assim ficariam mais exóticas para os alemães.

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Nesse período, entre 500 mil e 1,2 milhão de nazistas passaram pela França e foi nas classes populares que eles se mostraram mais bem-sucedidos em seus galanteios. "Faxineiras, copeiras, enfermeiras, cozinheiras, costureiras, professoras, funcionárias dos correios, balconistas, colegiais: ela tem muitas faces, mas uma só figura. Ela é aquela que dorme com o inimigo", escreveu Buisson. Com a França libertada em agosto de 1944, veio a reação: 20 mil jovens foram humilhadas, apedrejadas, cuspidas e tiveram as cabeças raspadas em praça pública. Eram as "tondues" (raspadas), uma delas eternizada com o filho nos braços em célebre foto de Robert Capa. Depois da "colaboração horizontal", chegava a vez da "vingança dos machos", feridos no que havia de mais sagrado em seu orgulho patriótico: a virilidade.