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O líder líbio Muamar Kadhafi discursou para uma multidão reunida nesta sexta-feira na Praça Verde de Trípoli e convocou seus seguidores e o povo líbio se a preparar para defender a Líbia, segundo imagens divulgadas pela televisão estatal.

"O povo líbio ama Kadhafi", proclamou o dirigente à multidão. Kadhafi afirmou ainda que "todos os arsenais serão abertos para armar o povo", no 11º dia de insurreição contra seu governo. "Vamos lutar e vamos derrotá-los! Preparem-se para defender a Líbia", acrescentou.
Liberada, cidade clama ‘Viva a Líbia, fora Kadhafi!’

"Viva a Líbia, fora Kadhafi!" foi o grito de guerra que ressoou na tarde desta sexta-feira em Tobruk (leste), cidade "liberada" pela oposição líbia, durante manifestação em frente à mesquita onde se reuniram mais de mil pessoas. Convocada pelos opositores ao regime de Muamar Kadhafi que controlam a cidade há uma semana, a mobilização ocorreu após a grande oração muçulmana da sexta-feira e ocorreu em clima de festa, com gente no teto da mesquita, bandeiras, buzinaços e cânticos. "Líbia, Líbia, vamos, vamos!", cantavam com punho em riste alguns.

Muitos idosos também participaram da manifestação em Tobruk (a 130 km da fronteira com o Egito), organizada sob o olhar condescentente das forças militares e policiais que desertaram e se somaram à revolta. Pouco antes da grande oração, um grupo de soldados passou, inclusive a bordo de uma caminhonete, saudando com o sinal da vitória e recebendo aplausos pelo caminho. "A vida em Tobruk é normal", disse à AFP Mohamed Haduth, de 52 anos, explicando que as pessoas "se encarregaram de se organizar" sozinhas, depois de tomar o controle da cidade.

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Este clima de fraternidade surrealista e auto-gestão não fez os manifestantes se esquecerem do motivo da mobilização: derrubar o regime atual, como já conseguiram fazer outros protestos similares na Tunísia e no Egito. "Kadhafi tem que deixar o nosso país. Ele nos trata como animais. Vivemos há 42 anos como animais, em más condições", disse o próprio Haduth, um dos manifestantes que mais ergueu a voz na praça. "Pedimos à comunidade internacional, inclusive às Nações Unidas, que se envolva", acrescentou, denunciando os ataques das forças do regime contra "civis desarmados".

Por sua vez, Omar Sherif, engenheiro químico de 45 anos, repetia que "há sangue pingando do Livro Verde", em alusão à obra na qual Kadhafi desenvolve sua teoria de governo e que combinam ideias das repúblicas socialistas com elementos como os vínculos tribais e o nacionalismo árabe. "Em 42 anos não tivemos nenhum tipo de liberdade. Queremos dizer a Kadhafi que este é o nosso país, não sua fazenda, queremos que vá embora", disse à AFP Abdullah Bliheg, de 29 anos.

Em frente à mesquita está uma delegacia onde em 17 de fevereiro ocorreram os enfrentamentos entre opositores e as forças de segurança que deixaram pelo menos 7 mortos, informaram testemunhas à AFP. No prédio, incendiado e abandonado desde que a polícia e os militares decidiram se somar à revolta, vai tremular no mastro de seu teto, uma bandeira líbia da época da monarquia nas cores vermelha, verde e preta.

Protestos continuam

O clima de tranquilidade vivido na mobilização de Tobruk contrastou com a violência registrada em protestos realizados na sexta-feira em outras partes do país. A rebelião mantinha o controle no leste da Líbia e o regime de Kadhafi tentava sufocar a extensão do movimento para o oeste, enquanto dezenas de milhares de líbios e estrangeiros fugiam do país por terra, mar e ar. Tobruk, com 100.000 habitantes, é conhecida por ter sido cenário de uma das batalhas mais importantes da Segunda Guerra Mundial, entre os aliados e os Afrika Korps nazistas, a partir de seu local estratégico.

As tropas aliadas tomaram a cidade em 1941, mas a perderam para o marechal Erwin Rommel em junho de 1942, após sitiá-la durante meses. Os aliados a recuperaram em novembro do mesmo ano. Atualmente, vários cemitérios militares ao redor da cidade lembram os mortos neste conflito.

A escalada de revolta, nesta sexta-feira, na Líbia, tem incentivado manifestantes de todo o mundo árabe, dezenas de milhares dos quais têm lotado as ruas de cidades da Tunísia ao Iêmen para pedir melhores condições de vida e mais liberdade. Simpatizantes do ditador Muamar Kadhafi mataram alguns manifestantes, abrindo fogo indiscriminadamente contra fiéis que saíam do local de orações nas mesquitas, desesperados para evitar novos protestos no dia semanal muçulmano de descanso, disseram moradores à AFP.

Com policiais e tropas mobilizados no entorno de mesquitas, líderes religiosos fazem sermões impostos pelas autoridades pedindo o fim da "sedição", disseram fiéis. Trocas de tiros também foram reportados em um distrito do oeste. Em Benghazi, segunda cidade do país, onde os protestos contra o regime de 40 anos de Khadafi emergiram, começou a crescer o temor de que suas fracas defesas possam estar vulneráveis a um contra-ataque, depois da euforia da libertação.

Em Misrata, 150 km ao leste da capital, voluntários ajudaram a fortificar a terceira cidade da Líbia com contêineres e sacos de areia, temendo que os cerca de 500 soldados leais à Brigada Hamza busquem abrigo em uma base aérea vizinha. Já esvaziado, o regime enfrentou novas deserções enquanto seus embaixadores na França e na organização cultural da ONU, Unesco, renunciaram, os últimos de uma série de representantes líbios no exterior a anunciar que estão "se unindo à revolução".

Mundo árabe

Os protestos que varrem o Oriente Médio e que já derrubaram Zine el Abidine ben Ali, da Tunísia, e Hosni Mubarak, do Egito, foram amplamente organizados com base no site de relacionamentos Facebook. Eles têm unido uma diversidade de grupos, que protestam contra serviços públicos e pedem reformas políticas mais amplas em alguns dos países mais corruptos do mundo, com forte censura.
No Iraque, os primeiros protestos significativos contra o fracasso do governo em fornecer serviços básicos deixaram no total 18 mortos e 124 feridos, prédios em chamas e forçou um governo da província a renunciar. As forças de segurança usaram jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo para dispersar milhares de manifestantes em Bagdá, onde jovens atiraram pedras na tropa de choque no "Dia de Fúria" e derrubaram dois muros de concreto que foram erguidos para selar o acesso à intensamente fortificada Zona Verde, em Bagdá, onde fica a embaixada americana.


"Já se passaram oito anos e não fizeram nada por nós. Chega de palavras, queremos ação!", disse Ammar Raad, de 33 anos. O primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, acusou os insurgentes da Al-Qaeda e forças leais ao ditador deposto, Saddam Hussein, de terem organizado as manifestações.

No Iêmen, dezenas de milhares protestaram após as orações semanais, pedindo a renúncia do presidente veterano, Ali Abdullah Saleh. Na cidade de Aden, a polícia matou um manifestante e 20 pessoas ficaram feridas nos confrontos. Na capital, milhares marchavam rumo a uma praça principal perto da Universidade de Sanaa, a maioria mulheres, cantando "Fora, fora!" e "Deus seja testemunha de seus atos, Abdullah". Os organizadores disseram que a multidão chegou a 100.000.

Os manifestantes se referiram a esta sexta-feira como "o começo do fim" para o regime de Saleh, que está no poder desde 1978. Em Aden, violentos confrontos explodiram, quando milhares de pessoas que marchavam na direção da intensamente patrulhada praça Al-Aroob, em Khor Maksar, foram confrontadas por forças de segurança que dispararam bombas de gás lacrimogêneo e armas de fogo para dispersá-los, informaram testemunhas.

Na Tunísia, dezenas de milhares participaram de uma marcha pedindo a renúncia do governo transitório do premier Mohamed Ghannouchi, na maior manifestação realizada desde a queda de Ben Ali, no mês passado. Os tunisianos estão furiosos de que integrantes do regime autoritário de Ben Ali ainda estejam no poder e temem que sua revolta possa ser esvaziada. Os manifestantes gritaram "Revolução até a vitória", "Ghannouchi, pegue seus cães e vá" e "Não ao confisco da revolução".

No Bahrein, dezenas de milhares de manifestantes lotaram Manama para pedir o fim do regime sunita no poder, enquanto o chefe de Estado maior americano, Mike Mullen, reafirmou o compromisso de Washington com o contestado rei Hamad. Alguns manifestantes levavam megafones, gritavam palavras de ordem e faziam discursos, enquanto a marcha avançava na direção da rotatória da Pérola, rebatizada de "praça dos mártires", em homenagem às sete vítimas fatais da violenta repressão policial em um protesto na semana passada.

A Jordânia também assistiu ao protesto de milhares de pessoas em Amã, pedindo reformas políticas em um "Dia da Fúria", organizado pela poderosa oposição islamita e outros partidos.

Diplomata: “há milhares de mortos na Líbia”

O número de mortos na Líbia chega a milhares, afirmou nesta sexta-feira o embaixador adjunto da missão líbia na ONU, Ibrahim Dabbashi, em uma coletiva de imprensa. "Já existem milhares de pessoas mortas, e esperamos mais", declarou o diplomata Ibrahim Dabbashi, que se voltou contra o regime de Kadhafi. Seus comentários acontecem antes que os 15 países do Conselho de Segurança da ONU se reúnam nesta sexta-feira para estudar as sanções contra o regime do dirigente líbio enquanto prossegue a violenta repressão nesse país.
 


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