Sempre casual, vestindo sutis variações do uniforme calça-e-camisa-social-jeans, o americano Dean Kamen é daqueles inventores com ar blasé e ojeriza a badalações. Seus olhos só denunciam certa paixão quando a conversa discorre sobre seus inventos. Kamen tem uma lista respeitável de criações. Nesse rol estão o primeiro aparelho portátil para hemodiálise, uma cadeira de rodas com as funções de um robô e vários stents, espécie de mola de aço inoxidável implantada na artéria para impedir a obstrução dos vasos sanguíneos. Uma dessas molas cardíacas, aliás, auxilia na circulação do vice-presidente americano, Dick Cheney.

Quando machucou seu tendão-de-aquiles, o vice-presidente dos Estados Unidos também recorreu a um dos inventos de Kamen. Cheney causou sensação ao circular por seu escritório, em Washington, a bordo do badalado transportador humano Segway. Misto de patinete com motoneta scooter, a traquitana, também apelidada de Ginger e de A Coisa, foi mantida sob sigilo durante meses. Até seu lançamento, no final de 2001, houve quem especulasse que Kamen mantinha em seu laboratório um anfíbio hovercraft movido a hidrogênio, ou um aparelho antigravidade para ser usado em missões espaciais.

Vendido entre US$ 3 mil e US$ 8 mil, o patinete inteligente é revolucionário. Movido a baterias que podem ser recarregadas em qualquer tomada, ele é menos poluente do que uma cafeteira. A engenhoca de duas rodas atinge a velocidade máxima de 27 quilômetros por hora, carrega uma pessoa de 110 quilos e transporta outros 35 quilos na bagagem. “Ele é o veículo de transporte ideal para as grandes cidades”, justifica o americano, que vai para o trabalho em Manchester, no Estado de New Hampshire, e volta a bordo de sua invenção.

No ano passado, o transportador humano ganhou as ruas e foi testado por policiais e pelos Correios dos EUA. Em Paris, o aluguel para uma hora de passeio custava R$ 24. Pouco tempo atrás, Kamen gabava-se de que 37 Estados americanos já haviam aprovado a circulação do transportador sobre as calçadas. Nesse caso, a velocidade máxima seria o dobro de um par de pernas, que anda a quatro quilômetros por hora, em média. De julho a setembro deste ano, o centro de experimentação de veículos elétricos de Quebec, no Canadá, vai oferecer a um grupo de 100 pessoas uma motoneta para testar a viabilidade de adotar o Segway para percorrer distâncias curtas.

O  agora Dean Kamen vai tentar minimizar o prejuízo causado pelo tropeço de Bush.segredo da Coisa está em sua concepção tecnológica. Para começar, o patinete é operado por circuitos eletrônicos e sensores que enviam comandos aos motores. No guidão ficam os controles de direção: basta girá-los para fazer curvas. E na manopla direita se faz o ajuste de velocidade. O toque de genialidade está na base onde se apóiam os pés. No chassis ficam os sensores de inclinação e os cinco giroscópios que comandam a traquitana. Para evitar deslizes, cada giroscópio é posicionado num ângulo distinto. Os computadores de bordo comparam os dados de cada um deles para determinar a posição do condutor e eliminar eventuais falhas. Os sensores funcionam como o ouvido interno, que dá o sentido de equilíbrio ao organismo humano.

“No fundo, as grandes invenções da humanidade são sempre simples e intuitivas”, explica Kamen. Por isso, seu patinete aboliu qualquer sistema de frenagem ou aceleração. “O Segway é movido à base do pensamento”, diz o inventor, com um sorriso entre os lábios. Os sistemas eletromecânicos da Coisa detectam qualquer inclinação do corpo e respondem na forma de movimento. Seu funcionamento é quase modesto. Basta montar na engenhoca e pensar: gostaria que este treco fosse para a frente. Para brecar, vale a mesma regra. “É só pensar: quero parar, para o corpo intuitivamente se retrair, o que é suficiente para os giroscópios dispararem um comando para parar os motores”, ensina o inventor.

Além de incrível fenômeno de marketing, o transportador humano de Kamen tinha o mérito de ser quase à prova de quedas. Tanto que o maior entrave para sua propagação, além do preço salgado, era a ameaça aos pedestres, o que se agravou logo depois do primeiro atropelamento. Nem o próprio Dean Kamen esperava por uma inversão dramática de seu invento até assistir a um tombo memorável protagonizado por ninguém menos do que George W. Bush, o presidente dos Estados Unidos. Durante seus dias de folga, Bush filho visitou a casa de veraneio da família em Kennebunkport, no Maine, onde seu pai, George Bush, celebrou seus 79 anos. Diante das câmeras indiscretas de toda a imprensa, pai e filho resolveram demonstrar sua destreza. A cena foi patética. O presidente Bush se desequilibrou. Tombou, mas não desistiu. Agora, o inventor Kamen trabalha para recuperar a propaganda negativa da Coisa, que tem o mérito de não ser poluente, como as motocicletas ou carros, e ainda ajudar a conter os congestionamentos. Depois de tantos louros,