O banco FonteCindam recebeu um socorro especial do Banco Central após a desvalorização do real, em janeiro de 1999, que resultou em um prejuízo de
R$ 600 milhões aos cofres públicos. Pego de calças curtas pela mudança na política cambial, o FonteCindam foi acusado de ter comprado dólares em condições especiais, à semelhança do Marka. Seu presidente na época era Luiz Antônio Gonçalves, ex-funcionário do BC e amigo de longa data de vários integrantes da equipe econômica do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Passados quatro anos, documentos levantados pelo delegado José Castilho Neto e pelo perito Renato Barbosa mostram que o FonteCindam, por intermédio de seu fundo de investimento, o Cindam Brazil Fund, ajudava a lavar o dinheiro da agência do Banestado de Nova York. De acordo com a papelada reunida pela Polícia Federal, no dia 16 de abril de 1997, por exemplo, o fundo do Cindam recebeu do Banestado de Nova York U$ 152 mil em sua conta no Bank of Butterfield International no bairro de Manhattan. A bolada saiu da conta do Banestado da Trade Link Bank, uma empresa offshore aberta pelos diretores do Banco Rural nas Ilhas Cayman, no Caribe.

Os documentos mostram que o Cindam não era o único banco a operar por intermédio de fundos no esquema Banestado. Muitos dos fundos que receberam aporte do banco já tiveram seus nomes envolvidos em conhecidos escândalos nacionais. Formado por consórcio que comprou empresas telefônicas, o Opportunity Fund – do banco Opportunity de Daniel Dantas –, que opera nas Ilhas Cayman, também recebeu vários repasses da agência do Banestado de Nova York, que totalizaram cerca de US$ 1,5 milhão em 1997. O dinheiro era remetido por uma rede de doleiros, donos das contas no Banestado, que enviavam os recursos para a conta do fundo em bancos dos EUA ou para o Midland Bank, nas Ilhas Cayman. Curiosamente, o Opportunity Fund está sendo investigado pela Justiça desse mesmo paraíso fiscal sob a acusação de fazer várias operações fraudulentas. Já o fundo do Banco Pactual, o Pactual Orbit Fund Ltd., mandou uma bolada maior: pelo menos U$ 5 milhões nos anos de 1996 e 1997, quando o principal dirigente da instituição era Luís César Fernandes. Numa única tacada, o Fundo de Investimento do Pactual recebeu U$ 2 milhões numa conta no Bank of NYC. Grande parte do dinheiro do fundo do Pactual era enviada pelo doleiro Marcelo Tarsasantchi, dono da conta 7175 no Banestado. Consultados por ISTOÉ, especialistas em lavagem de dinheiro afirmaram que os fundos de investimentos foram usados para internar, por intermédio de operações na Bolsa de Valores, parte dos U$ 30 bilhões de recursos que saíram ilegalmente do País através do Banestado. A PF acredita que, ao contrário das operações descritas acima, em que o dinheiro saiu do Banestado direto para as contas dos fundos, na maioria dos casos toda a bolada rodava antes dezenas de offshores. Após percorrer várias contas, o dinheiro finalmente chegava a um fundo de investimento num paraíso fiscal. Sob o pretexto de fazer investimentos a curto prazo no Brasil, esses fundos conseguiam finalmente internar fortunas.

Nas operações do Banestado, foram utilizados até mesmo renomados fundos dos EUA. Fundada no início da década de 90, a empresa Atrium Capital se tornou uma das instituições financeiras mais respeitadas da Califórnia, ao se especializar no investimento do capital de países emergentes. Uma investigação do Ministério Público dos EUA concluiu, no entanto, que o fundo de investimento da empresa, a Atriumn Capital – Limited Partners, foi utilizado para ajudar a lavar o dinheiro da conta Tucano no Chase Manhattan Bank de Manhattan. A promotoria distrital de Nova York descobriu que, após o fechamento da agência Banestado em Nova York, em 1999, o fundo da Atrium e outras empresas estabelecidas em paraísos fiscais enviaram para a Tucano U$ 200 milhões nos últimos três anos. O nome da empresa americana aparece em vários documentos da Beacon Hill, escritório especializado em lavagem de dinheiro que abriu a conta Tucano. Montado ao lado do conglomerado do Citibank em Nova York, a Beacon Hill fechou suas portas em fevereiro, após ISTOÉ ter trazido à tona a remessa ilegal dos U$ 30 bilhões para o Exterior por intermédio do Banestado.

De acordo com a papelada, a que ISTOÉ teve acesso, somente no ano
de 2001 o fundo de investimento da Atrium enviou U$ 2 bilhões para a Tucano, uma subconta da conta do Beacon Hill no Chase Manhattan.
Os documentos mostram que o dinheiro era creditado da conta número 100174903483 no Citibank de Nova York. A Tucano era alimentada ainda por contas da própria Tucano no Uruguai e no Paraguai e por contas
de empresas offshore montadas em paraísos fiscais, em vários bancos
de Nova York. Por exemplo, só da conta da Astecca Financial Corp. (offshore das Ilhas Virgens Britânicas), no Connecticut Bank of Commerce, a Tucano recebeu U$ 4,2 milhões em 2001. A conta número 100174903483 ganhou uma bolada ainda maior: U$ 9,6 milhões. As investigações do Ministério Público dos EUA mostram que o Atrium
e outros fundos eram usados para transportar o dinheiro da Tucano
para paraísos fiscais e depois trazê-lo de volta ao Brasil por meio de operações na Bolsa de Valores.

Segundo a PF, o dinheiro que transitou pela agência nova-iorquina do Banestado era movimentado por corretoras de valores e por fundos de investimentos estrangeiros, o que reforça ainda mais a tese de que parte dos recursos da remessas era lavada em operações nas Bolsas de Valores. A PF suspeita que fundos ajudaram também a lavar parte do dinheiro da máfia dos fiscais do Rio, revelada no início do ano por ISTOÉ. A desconfiança se deve ao fato de que os sócios da empresa Coplac – que abriu a conta de Rodrigo Silveirinha e dos demais fiscais no Discount Bank da Suíça – são procuradores de mais 200 fundos de investimento no País. Coincidentemente, o doleiro Xaim Zalczberg, um dos sócios da Coplac, é primo de Dani Zalczberg, o milionário doleiro paulista que tem quatro contas no Banestado de Nova York. As coincidências não param por aí. As contas do esquema do doleiro operavam o dinheiro do fundo do Pactual e do Opportunity. Segundo especialistas em lavagem de dinheiro, os fundos de investimentos, cujas operações somente são registradas na Bolsa, foram utilizados para internar os recursos enviados para o Exterior pelo Banestado em operações fraudulentas.

“Os fundos tornaram-se o principal mecanismo para trazer de volta, por meio de operações de resgate na Bolsa, todo o dinheiro sujo que saiu ilegalmente do País. Mais de 80% dos investimentos estrangeiros que entram são recursos da corrupção e do crime organizado do próprio País”, disse a ISTOÉ um ex-operador da Bovespa, que pretende entregar todo o esquema de corrupção aos integrantes da CPI. Os especialistas acreditam que uma resolução do Banco Central, denominada Anexo 4, abriu o caminho para a lavanderia no País. Assinada na década de 90 durante o governo Collor, a resolução queria atrair capital estrangeiro a curto prazo e teve suas regras ainda mais flexibilizadas no governo FHC. O Anexo 4 mantém o anonimato dos responsáveis pelos fundos estrangeiros que investem no Brasil. Tudo isso mostra que os três mosqueteiros escalados para comandar a CPI – o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) e os deputados José Mentor (PT-SP) e Rodrigo Maia (PFL-RJ) – terão uma missão espinhosa pela frente.

Nos EUA, os primeiros punidos

Justiça começa a ser feita no escândalo do Banestado. Não no Brasil, mas nos Estados Unidos. Numa entrevista coletiva no escritório do promotor distrital (district attorney) de Manhattan, Robert Morgenthal, foi anunciado, na quinta-feira 26, o indiciamento da empresa Beacon Hill Service Corporation, que funcionava como intermediária na abertura de contas em paraísos fiscais e em esquemas de lavagem de dinheiro. Morgenthal disse que, somente entre 2001 e 2002, a firma movimentou remessas totalizando US$ 3,2 bilhões – em apenas 40 contas que tiveram quebra de sigilo pelas autoridades americanas. A Beacon Hill foi a responsável pela abertura da conta camuflada “Tucano” (número 310035), no banco J.P. Morgan Chase, que recebia transferências ilegais de dinheiro. Dali eram feitas remessas, ainda em nome da Beacon Hill, para contas de políticos brasileiros, como Ricardo Sérgio Oliveira – ex-caixa da campanha do PSDB – e João Bosco Costa – ex-diretor do Previ, conforme ISTOÉ denunciou. Mencionou-se também na coletiva o nome do ex-governador Paulo Maluf, que está sob investigação do escritório do promotor distrital, em processo de lavagem de dinheiro. “A pedido de autoridades brasileiras, também estamos rastreando o movimento de remessas ilícitas, feitas por Paulo Maluf”, disse Morgenthal a ISTOÉ.

A Beacon Hill é apenas uma pequena parte de uma investigação enorme, como disse o promotor. Foi a mesma empresa que cuidou das 18 remessas para contas em paraísos fiscais feitas pelo presidente da Ponte Preta de Campinas, Sérgio Carnielli, que somam US$ 615 mil. Somente na Tucano, a Beacon Hill, que funcionava, desde 1994, em Manhattan, movimentou cerca de US$ 28 milhões, entre 1996 e 1998. Essas informações publicadas por ISTOÉ chamaram a atenção de Morgenthal, que lê português. O promotor serviu num navio de patrulhamento durante a Segunda Guerra Mundial, que esteve estacionado no Recife. “Infelizmente, a falta de prática me fez perder muito da fluência em português. Mas ainda consigo ler”, disse. Sabendo desse interesse pelas investigações, ISTOÉ colocou o escritório do promotor em contato com os agentes da força-tarefa da Polícia Federal, o delegado José Castilho e o perito Renato Barbosa, que estavam fazendo investigações em Nova York. O casamento deu certo: em pouco tempo, o sigilo de um total de 14 contas do Banestado foi quebrado. A troca de informações entre as autoridades americanas e brasileiras trouxe grandes progressos nas investigações. A primeira empresa a cair foi a Beacon Hill, fechada em 4 de fevereiro. Os fundos que ainda restavam em suas contas – US$ 13 milhões – foram confiscados pelo District Attorney. Pode-se dizer que muitos políticos, empresários, traficantes e doleiros brasileiros perderam dinheiro com a medida. “A investigação sobre a Beacon Hill continua. Essa empresa fez inúmeras transações ilegais envolvendo indivíduos, firmas laranja e casas de câmbio na América do Sul”, disse Morgenthal.

Os paraísos fiscais serviam de refúgio perfeito para os depósitos de remessas ilícitas. Mas, depois dos ataques de 11 de setembro, o governo americano vem forçando a abertura na omertá da máfia financeira desses países. “O governo e as instituições financeiras da Suíça também têm prestado grande colaboração em nossas investigações. É só uma questão de tempo para que surjam novos indiciados”, acredita Morgenthal. Uma outra fonte do escritório da Promotoria Distrital disse a ISTOÉ que com a Ilha de Jersey, por exemplo, as relações entre as autoridades americanas são excelentes. Essa menção leva ao caso de Maluf, acusado de ter enviado para a ilha cerca de US$ 80 milhões, supostamente pagos pela construtora Mendes Junior, que teria obtido preferência em obras em seu governo.

ISTOÉ revelou como funcionava a operação de remessas do ex-prefeito: a empreiteira pagava nove sub-empreteiras que enviavam o dinheiro para contas de laranjas em Foz do Iguaçu. De lá eram feitas remessas a uma offshore na conta Campari. Dali várias somas saíam para a Suíça e depois eram depositados numa conta de uma agência do Deutsch Bank, em Nova Jersey. Para a soma voltar ao Brasil, o Deutsch tentou “comprar” a Eucatex – empresa da família Maluf. O promotor Silvio Ferraz, ao tomar conhecimento das provas arregimentadas nas investigações da PF, deu início a um inquérito. A subscrição das ações da Eucatex pelo Deutsch foi imediatamente cancelada. A empresa pediu concordata. O valor da compra? Seria, coincidentemente, US$ 89 milhões. E é nesta operação toda – que implica um banco proibido de operar desse modo pelo Banco Central americano – que o promotor de Manhattan está focalizando sua lupa.

Mas não será somente esse caso que vai ocupar os sherlocks de Morgenthal. O pessoal do District Attorney está interessado também no velho caso MetroRed – aquele do cabeamento de São Paulo com fibras ópticas, onde a empresa americana é acusada de subornar autoridades municipais paulistanas com US$ 1,5 milhão. Naquela oportunidade, foram levantados os nomes dos traficantes e lavadores de dinheiro Oscar de Barros e José Maria Teixeira Ferraz – condenados na Flórida por esses crimes e envolvidos no famoso Dossiê Cayman. Nos Estados Unidos, a empresa que corrompe autoridades estrangeiras está violando o Foreign Corruption Practice Act, lei que terminou por punir a MetroRed. Do outro lado da transação – aquele que recebeu o dinheiro – estaria Flávio Maluf, segundo disse Oscar de Barros em depoimento. No Brasil, o caso, mais uma vez, acabou em pizza.

Mas o que poderia acontecer com Paulo Maluf se o promotor Morgenthal provar que ele cometeu algum crime? Uma fonte
do escritório da promotoria disse a ISTOÉ: “Dependendo da
violação, podemos até pedir a extradição de Paulo Maluf.” Não
se imagina que isso aconteça de fato, já que o político, além de cidadão brasileiro, tem mais de 70 anos. Mas, com certeza, garante
a fonte, seus bens em território americano podem ser congelados
e mesmo confiscados. “Além, é claro, de que forneceríamos farto material ao governo brasileiro para que as autoridades do País
façam justiça”, diz o promotor.

Osmar Freitas Jr.