Foto: MURILLO CONSTANTINO/ag. is toé

TENSÃO Ana Carolina (acima) tem dificuldade de conter o nervosismo antes de provas e passeios. Às vezes, chega a sentir-se febril na véspera do evento

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Nem os monges budistas escapam dela. Treinados para manter a mente imperturbável como a superfície de um lago de águas paradas, eles também manifestam ansiedade de vez em quando. Esse sentimento é uma ferramenta de sobrevivência, acionada em momentos que envolvem alguma tensão. Como atravessar a rua ou fazer um discurso. O esperado é que suma tão logo o pretexto para o seu surgimento tenha fim – ou seja, depois que você atravessou a rua ou fez a palestra. Bem, isso é o que se espera. As pressões da vida cotidiana transformaram a ansiedade em uma doença crônica – algo diferente do que era para ser originalmente – e cada vez mais incidente. "Estima-se que uma em quatro pessoas não consiga se desvencilhar do problema e, com isso, sofra os efeitos físicos e emocionais que ele impõe ao organismo", diz o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto, do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínica de São Paulo. Neste exato momento, cerca de 48 milhões de brasileiros estariam, então, às voltas com os danos da ansiedade.

Entender o que se passa com eles é um desafio. Por isso, a ansiedade está no centro das pesquisas dos principais institutos e universidades que investigam as doenças da mente. Os primeiros resultados indicam que ela tem impacto muito maior do que se pensava. A convivência prolongada com a ansiedade afeta várias áreas da vida, como mostra um levantamento da Associação Americana de Desordens Ansiosas. Dos voluntários entrevistados, 87% disseram que ela prejudica muito as relações pessoais. Outros 75% afirmaram que interfere na habilidade de cumprir as atividades diárias.

Risco maior

O estudo mostrou que os ansiosos vão cinco vezes mais a médicos. "A ansiedade interfere na percepção que a pessoa tem das mudanças no funcionamento do própio corpo. Elas passam a ser muito valorizadas", explica o psiquiatra Barros Neto. Isso pode levar à mania de doenças, a chamada hipocondria.

É fundamental, portanto, que os indivíduos de risco sejam identificados rapidamente. O que se sabia até agora é que o grupo mais vulnerável eram mulheres com idades entre 18 e 40 anos e profissionais que atuam sob maior pressão, como executivos. Novas pesquisas estão refinando essas informações. Estudos indicam que 65% das crianças cujos pais sofrem de ansiedade apresentarão sintomas parecidos. Se o quadro persistir até a adolescência, terão risco 20 vezes maior de manifestar alterações alimentares, como a bulimia e a anorexia, por mais anos do que os colegas da mesma idade. A pesquisa foi feita pela Clínica Psiquiátrica de Adolescentes da Universidade de Turku, na Finlândia.

TERAPIA Meninas aprendem a controlar os sintomas e a evitar crises com a ajuda da psicóloga Blenda Oliveira

No começo do mês, cientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, fizeram descobertas a partir de um questionário para avaliar a saúde mental da família. "Quem vem de uma estrutura familiar com casos de ansiedade, depressão e abuso de substâncias químicas tem mais chances de apresentar um transtorno ansioso", afirmou à ISTOÉ o neurocientista Avshalom Caspi, coordenador da pesquisa realizada com 981 pessoas. "Podemos usar esses dados para identificar aqueles que necessitam de intervenção precoce e até tratamento mais agressivo."

Fora de controle

A psicóloga Mariângela Savoia, coordenadora do Centro de Atenção Integral à Saúde Mental, em São Paulo, diz que os fatores genéticos e ambientais, como a vida em família e na escola, têm papel crucial no aparecimento do distúrbio. A associação entre eles influencia as facetas que o problema pode assumir. Suas expressões mais comuns são a ansiedade generalizada, as fobias, os ataques de pânico, os transtornos obsessivos-compulsivos e o stress pós-traumático (detalhes no quadro abaixo).

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A questão é descobrir em que momento a fronteira da normalidade é cruzada. "Se interfere na habilidade da pessoa em fazer algo que outros na mesma situação conseguem, passa a ser um transtorno", diz a psicóloga. A Clínica Mayo, nos Estados Unidos, catalogou sinais para definir esses limites. Um deles é a preocupação exagerada e constante, muitas vezes sem um motivo real.

Para os especialistas da Mayo, ela é indício da presença da ansiedade do tipo generalizado. A pessoa se assusta com facilidade, tem dificuldade para se concentrar e irritabilidade, principalmente diante de imprevistos. Os que enfrentam esse quadro de sintomas muitas vezes não se lembram da última vez em que se sentiram realmente à vontade. É o caso da estudante paulista Ana Carolina Sousa, 15 anos, que não controla a ansiedade antes de provas e de passeios. "Perco o sono, tenho febre. A sensação de que tudo vai dar errado é incontrolável", diz.

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As fobias podem ser detectadas ao se avaliar a intensidade das próprias reações diante de episódios que despertam ansiedade e compará-las com as de outras pessoas. É a diferença, por exemplo, entre desviar rapidamente de uma pequena aranha que pende do teto e ficar paralisado de medo diante dessa visão. Nesses momentos, o coração dispara, a respiração fica entrecortada e a pessoa sente que precisa fazer todo o possível para evitar a causa de tanta angústia.

Os ataques de pânico, por sua vez, são intensos a ponto de a pessoa pensar que serão fatais. O escritor Rodrigo Faria e Silva, de São Paulo, passou por isso. Sozinho no apartamento, tinha palpitações e dor no peito quando bateu na porta do vizinho pedindo para ser levado ao hospital. "Achei que ia morrer do coração", diz Faria e Silva. Depois de fazer os exames pedidos pelo médico, soube que teve um ataque de ansiedade. "Atendo muitos pacientes como ele", diz o cardiologista Múcio Oliveira, diretor clínico do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.

A ansiedade também pode ser um fator agravante para outras doenças. Há um mês, pesquisadores da Universidade Estadual de Washington, em Seattle, acharam uma forte relação com crises de angina, caracterizadas por uma sensação de aperto, pressão ou queimação no peito. O problema ocorre quando o músculo cardíaco não recebe quantidade suficiente de oxigênio e sangue. Sofrer de uma ansiedade importante multiplica por cinco o risco de ter crises com mais frequência, segundo o médico Mark Sullivan. O estudo avaliou 191 pacientes.

Reação alérgica

Outra associação é com as alergias. Pessoas com alto grau de tensão têm reações alérgicas duas vezes mais intensas em comparação com as suas próprias respostas dadas quando não estavam estressadas. "O sintoma é ainda mais forte no dia seguinte", disse a cientista Janice Kiecolt-Glaser, da Universidade Estadual de Ohio, autora de um estudo sobre o assunto. Um dos prováveis agentes desse processo é o mastócito, célula que produz uma substância chamada histamina. "Ela está envolvida em reações como coceiras, vermelhidão e espirros", diz o especialista Ângelo Leal, do Rio de Janeiro.

A recepcionista carioca Érika Pinheiro, do Rio, foi a vários médicos até descobrir que sua alergia estava ligada à ansiedade. Bastava se deparar com uma situação tensa para as urticárias eclodirem. "Sentia muita coceira, mas achava que tinha alergia à picada de mosquito. Não sabia que a ansiedade potencializa a sensação", diz Érika.

Existe ainda relação com a dor de cabeça. "Tenho pacientes de cefaléia tensional cuja causa é a ansiedade. É ela que precisa ser tratada", diz a neurologista Sandra Correa, do Centro de Dor do Hospital 9 de Julho, em São Paulo. Foi essa abordagem que levou embora as enxaquecas do publicitário Luis Trindade, que duravam até sete dias. Ele tomou remédios e aprendeu a barrar os episódios. "Quando percebo que estou ficando ansioso durante o trabalho, saio um pouco para andar. E todos os dias eu vou correr", diz ele.

fotos: Murilo Constantino/ag. is toé

APOIO Encontros semanais com as amigas para conversar fazem parte do tratamento da artista Eliana Casmamie

O primeiro passo para superar a ansiedade é assumir que ela pode estar fora de controle e procurar ajuda. Nos Estados Unidos, isso ainda é uma batalha. A estimativa feita pela Associação Americana de Desordens Ansiosas mostrou que seis em cada dez ansiosos preferem esconder o fato de que têm um problema nessa área. Aqui, não é diferente. A razão é o medo de ser alvo da discriminação que ainda ronda as doenças mentais.

Quando a ansiedade é leve e passageira, pode ser dissipada com ajustes na rotina. Ioga, alongamento e caminhada, por exemplo, conseguem impedir o avanço dos sintomas. Quando é moderada ou intensa, o tratamento com remédios é feito por tempo indeterminado porque o problema já se tornou crônico.

De fato, mudanças no estilo de vida, com a introdução de exercícios físicos, proporcionam alívio. "Faço uso de antidepressivos e me tornei mais ativo. Sinto-me muito bem agora", diz o escritor Faria e Silva, que toda semana pratica remo em uma raia olímpica. "Isso me relaxa." Há situações em que se pode suspender a medicação. Uma delas é ter maior controle das manifestações, o que é obtido com a ajuda da terapia.

fotos: Julia Moraes, Daniela Dacorso - ag. is toé

VITÓRIA O escritor Rodrigo Silva toma remédios e aderiu à prática esportiva para controlar o pânico. Escolheu o remo

Pais superprotetores

Além disso, novas propostas de tratamento estão surgindo. Na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (EUA), há sessões de terapia familiar contra a ansiedade. A psicóloga Golda Ginsburg, da Escola de Medicina Johns Hopkins, afirma que é preciso intervir preventivamente sobre pais e filhos. Por um ano, ela fez sessões de terapia com os pais para mostrar a eles como seus comportamentos ansiosos afetavam os filhos. Eles tendem a ser superprotetores, o que aumenta a ansiedade e reforça medos nas crianças. "Com a prevenção, diminuímos bastante os casos. Apenas 30% das crianças em risco manifestaram sinais de ansiedade", diz a especialista.

Na opinião da psicóloga Blenda Oliveira, de São Paulo, o envolvimento da família aumenta as chances de sucesso. Uma de suas pacientes teve sintomas de ansiedade aos três anos de idade. A mãe não sabia o que fazer e procurou a terapeuta. "Agora, entendeu que a maneira como lida com os sintomas da filha é fundamental para ajudá-la", diz Blenda. Para detectar o problema o quanto antes em crianças e adolescentes, foi criado no Brasil um programa que congrega universidades brasileiras e internacionais, sob coordenação da Universidade de São Paulo (USP).

Pesquisas mostram que as relações afetivas também possuem potencial protetor. Há um mês, cientistas da Universidade de Michigan publicaram um estudo afirmando que se sentir emocionalmente próximo de alguém aumenta os níveis de progesterona no sangue. Esse hormônio está asssociado à redução do stress e da ansiedade. Isso pode explicar o bem-estar que a artista plástica paulista Eliana Camasmie tem na companhia das amigas. Ansiosa assumida, ela conta que, além da terapia , os encontros semanais para tomar café e conversar representam uma parte importante no tratamento. "A sensação é tão boa que não há ansiedade que resista", diz Eliana.

O tratamento da ansiedade deve avançar ainda mais por causa das pesquisas sobre as origens do problema no cérebro. Equipes da Universidade de Maddison-Wisconsin (EUA), por exemplo, conseguiram determinar qual é o circuito neural ativado quando há preocupação constante. Pessoas com elevado nível de atividade em uma área do cérebro relacionada às emoções, a amigdala, exageram na antecipação eventos negativos. Exames de ressonância magnética foram usados para ver em tempo real as reações cerebrais.

fotos: Julia Moraes, Daniela Dacorso - ag. is toé

AGRAVO Érika Pinheiro consultou vários médicos até descobrir que as suas alergias surgem por ansiedade

Mudanças cerebrais

Valendo-se do mesmo recurso e de experimentos com animais, o neurocientista Frederico Graeff, da USP, campus de Ribeirão Preto, descobriu que os diferentes tipos de ansiedade mobilizam áreas cerebrais diversas. "A generalizada produz maior atividade em regiões superficiais e novas do cérebro, como o córtex pré-frontal, relacionado com o raciocínio abstrato e a capacidade de antecipação", diz Graeff. Já os ataques de pânico atuam em áreas mais primitivas e profundas, cuja função é a de organizar reações de defesa como a luta ou a fuga. O psiquiatra Ricardo Uchida, da Santa Casa de São Paulo, comprovou que a anatomia de quem sofre de ataques de pânico por vários anos se modifica. "Há um aumento de tamanho em estruturas do cérebro como a ínsula", diz Uchida. Ela é uma espécie de intérprete do cérebro, traduzindo sons, cheiros e sabores em emoções. Isso poderá ajudar a entender o que dispara os ataques.

O que se almeja é que achados como esses possibilitem a criação de novas terapias. Hoje, a maioria dos remédios usados contra o distúrbio atua no alívio sintomático e pouca ação desempenha sobre os disparadores do problema. Estudos recentes estão mostrando a eficácia da aplicação, contra a ansiedade, de substâncias receitadas para outras finalidades. O propanolol, usado no controle da pressão alta, tem sido indicado para quem possui um distúrbio ansioso chamado fobia social. Elas apresentam crises quando são confrontadas com situações que deflagram os sintomas, como fazer um discurso em uma sala lotada. O emprego da droga poucas horas antes da situação que causa a fobia pode bloquear os sintomas. Conhecer os mecanismos da ansiedade no corpo é o caminho para aliviar o sofrimento de milhões de pessoas.

Colaborou Greice Rodrigues