O “Cavalo Branco”, o “Jotabê” e o “Andarilho Johnnie” começam a se retirar das prateleiras. Pouco a pouco, as adegas de restaurantes, bares e casas noturnas têm sido tomadas por requintadas coleções de cachaça. Artesanal, caprichada, envelhecida em alambiques de carvalho, bálsamo, amendoim, imburana e até de pau-brasil, a bebida nacional compõe um cenário colorido, da mais límpida transparência ao caramelo mais escuro. Não importa a embalagem, o conteúdo faz a festa de quem ousa desafiar os últimos resquícios de preconceito e trocar o destilado escocês pela “marvada”. Hoje, muitas marcas têm preços superiores aos da maioria dos uísques, um absurdo em se tratando de produto nacional. Isso significa que muita grana deve circular nas duas feiras dedicadas à bebida que acontecem este mês. No domingo 11, haverá o encerramento da Expo Cachaça BH 2004, realizada na Serraria Souza Pinto, em Belo Horizonte. A última edição do evento atraiu 43 mil visitantes e expôs 800 marcas de 18 Estados. Entre os dias 22 e 25, é a vez de o Parque de Exposições do Anhembi, na capital paulista, receber 400 marcas de 21 Estados na Brasil Cachaça 2004. Palestras, cursos de degustação e atrações culturais atrairão um público tão diversificado quanto o de consumidores.

Os empresários pegam carona nessa repentina supervalorização do produto e investem em cachaçarias cada vez mais sofisticadas. Em maio, foi inaugurada em São Paulo a Cachaçaria Pompéia, provavelmente a maior do País, com 320 lugares e uma área total de 9,4 mil metros quadrados, com espaço para leilões de animais e uma minifazenda com pôneis, um avestruz e passeio de charrete. “Criamos um espaço rural no meio da cidade. Fica cheio de casais com crianças nos finais de semana e de executivos de segunda a sexta. Na hora do almoço, servimos comida mineira e, à noite, os clientes são atraídos por nosso cardápio com 350 rótulos de cachaça”, conta Luis Alberto Toquetão, sócio da casa.

A escolha e o fornecimento das garrafas são tarefas dos empresários Carlos Gonzalez e João Rodrigues, que trocaram o comércio de vinhos pelo de aguardente. “Pouco tempo atrás, eu só bebia uísque. Um dia, em um almoço de negócios, me convenceram a experimentar uma cachaça envelhecida 12 anos. Fiquei com medo de ficar com dor de cabeça e achei que minha mulher ia me chamar de cachaceiro quando eu chegasse em casa cheirando a pinga. Não aconteceu nada disso. Desde então, minha bebida é a cachaça”, conta Gonzalez. Os dois profissionais – que de enófilos se tornaram “cachaciers” – comemoram ainda este mês a inauguração de uma cachaçaria dentro da Porto Alcobaça, agitada casa noturna paulistana. Com o parceiro Toquetão, negociam a construção em Xangai, na China, de um espaço semelhante à Cachaçaria Pompéia. “Já fizemos diversas reuniões com empresários de lá. A idéia é criar um espaço dedicado à gastronomia e ao estilo brasileiros”, conta Gonzalez.

No Rio de Janeiro, os apreciadores da cachaça contam, desde dezembro, com a charmosa Mangue Seco, de Plínio Fróes, também proprietário da Rio Scenarium, um dos estabelecimentos mais badalados da rua do Lavradio, próximo à Lapa. A casa tem um restaurante de peixes e frutos do mar no térreo e reserva o piso superior aos amantes da boa aguardente. Já estiveram ali o governador de Minas, Aécio Neves, o cartunista Ziraldo, a cantora Ângela Ro Rô e a atriz Letícia Sabatella. A carta tem 106 marcas, de até R$ 35 a dose (Anísio Santiago), e foi montada com a supervisão de Paulo Magoulas, presidente da Academia Brasileira da Cachaça. Entre os rótulos mais curiosos estão a Mingote – produzida na fazenda de Aécio Neves em Cláudio (MG) e batizada com o apelido do trisavô de Tancredo Neves, Domingos – e a Providência, a aguardente preferida de Juscelino Kubitschek, produzida em Ruenópolis (MG). “Dizem que, quando JK estava no meio de uma reunião muito chata, pedia licença para se ausentar por alguns instantes dizendo que precisava tomar uma providência. A garrafa o aguardava na sala ao lado”, conta Fróes. O público da Mangue Seco é formado principalmente por pessoas descoladas, de meia-idade, que consomem a bebida sem perder a linha. “Na escada que divide os ambientes ainda não registramos nenhuma queda”, brinca o proprietário.