“Nas autobiografias, o exagero é o menor dos pecados”, diz o historiador espanhol Felipe Fernandez-Armesto sobre os inúmeros equívocos que desvirtuam a real trajetória do comerciante e aventureiro italiano Américo Vespúcio (1451-1512) – o homem cujo nome batizou o continente descoberto por Cristóvão Colombo, ou seja, a América. Isso porque os diários de viagem deixados por Vespúcio seriam uma importante fonte de informações sobre as grandes navegações do século XV, não estivessem eles repletos de exageros e mentiras que buscam engrandecer a sua imagem. Essas imprecisões que adquiriram ares de verdades históricas estão reunidas na divertida e documentada biografia “Américo” (Companhia das Letras), que Fernandez-Armesto escreveu depois de pesquisar tais documentos. Ele tenta responder à questão: “Quem foi aquele mago da palavra que imprimiu a marca de seu nome em um continente?”

O talento nato do comerciante florentino para a autopromoção lhe permitiu na época um feito admirável: falido e sem saber nada de navegação, ele conseguiu, em seis anos, ofuscar o pioneirismo de Colombo como desbravador do novo mundo, cair nas graças dos sábios e sair à frente, diante dos monarcas espanhóis, como o principal homenageado pela descoberta. “Entre as qualidades de Vespúcio destacava-se a lábia, os dedos leves como plumas e a autoconfiança contagiante”, escreve Fernandez-Armesto.

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Vespúcio é mentiroso

 

Em 1507, o respeitado cartógrafo suíço Martin Waldseemuller redigiu as “Navegationes de Vespúcio”, traduzidas para o latim, e escreveu: “Europa, Ásia e África já foram exploradas, e outra parte foi descoberta por Américo Vespúcio, como se pode ver nos mapas adjuntos. E como a Europa e Ásia receberam nomes de mulher, não vejo razão pela qual não possamos chamar a esta parte Amerige, isto é, a terra de Américo, ou América, em honra do sábio que a descobriu.”

No entanto, como se sabe, foi Colombo quem descobriu efetivamente o continente. Em 1538, um outro cartógrafo deu-lhe também o nome de batismo de Américo ao compor um mapa-múndi. A fraude se perpetuou até o século XIX e só foi percebida por um catedrático de Milão em 1869. Na verdade, Vespúcio inspirou-se no navegante genovês para enfrentar a travessia atlântica.Trabalhou anos como um agente de Giannoto Berardi, o homem que fazia o aprovisionamento das embarcações de Colombo e que viabilizou as suas viagens. Após a morte repentina de Berardi, Vespúcio (que chegou a exercer a atividade de cafetão) herdou muitas dívidas e estava realmente em situação difícil. Foi quando Cristóvão Colombo caiu em desgraça junto à corte. O paraíso que ele anunciara revelara-se uma terra de pestilências que vitimara todos os marinheiros que lá aportaram. O ouro encontrado era pouco, ele não achou o prometido caminho para as Índias e apenas conquistara “aborígines inúteis”.

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Os filhos de Colombo 

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No relato desvairado de sua terceira travessia do Atlântico, Colombo conta ter trazido muitas pérolas, mas nem isso sensibilizou os reis, que decidiram acabar com o seu monopólio sobre a costa descoberta e não mais bancar suas viagens. Vespúcio conhecia tudo sobre a história do seu ídolo Colombo, mas só entendia de barcos enquanto eles estivessem firmemente ancorados no porto. Mesmo assim, se candidatou para sucedê-lo e conseguiu embarcar na primeira das viagens financiadas por Castela. As pérolas eram a sua principal motivação, já que ele era experiente no comércio de joias e possuía uma lista de clientes abastados interessados em adquiri-las. Era o começo de uma farsa que duraria séculos e cujo brilho se mostrou opaco como pérolas falsas.

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