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Com 40 homicídios para 100 mil habitantes,
África do Sul é único país que sediou Copa
com taxa maior que a do Brasil

 

Uma corporação eficiente, mas que pouco aparece. Que conte com uma formação diferenciada, opere equipamentos e sistemas de alta tecnologia e atue de forma integrada. Esta é a “polícia do século 21”, idealizada por Luiz Paulo Barreto, ministro da Justiça do governo Lula, para garantir a segurança pública no Brasil durante a Copa do Mundo. “Teremos um novo patamar de serviço no setor até 2014, com muita preparação, sistemas avançados para detectar armas de fogo, ações preventivas e de resposta imediata, além de monitoramento estratégico e profissionais com formação diferenciada”, afirma.

Transformação mais do que necessária, se levarmos em conta os critérios da ONU e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para medir a violência com base nos homicídios cometidos em cada região. De todos os países que já foram sedes do Mundial, somente a África do Sul possui índice maior que o brasileiro. Enquanto eles registram mais de 40 homicídios para cada 100 mil habitantes, nós mantemos a média de 24. E para enxergar a real dimensão do problema, basta analisar os números regionalmente. Algumas sedes chegam a ter o índice três vezes maior do que o patamar nacional. O mapa da violência 2010 divulgado pelo Instituto Sangari aponta que capitais como Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Salvador apresentam médias beirando os 50 homicídios, enquanto Recife tem a maior taxa, com mais de 80.

Planejamento e previsão de investimentos
No primeiro encontro técnico de segurança pública para 2014, realizado em 2010, em Brasília, foram apresentadas metodologias de trabalho e possíveis ações das áreas de operações, perícia, inteligência, logística e prevenção para serem executadas por órgãos e departamentos das forças de segurança. A discussão incluiu ainda um caderno de atribuições e outro de necessidades, elaborado com base nas informações de dois grupos técnicos de servidores do Ministério da Justiça que acompanharam grandes eventos e projetos internacionais, em busca de referências.

“O primeiro deles [grupos técnicos] acompanhou a visita do Papa à Inglaterra em setembro, observando a organização, logística, isolamento de trechos, os protestos etc. O segundo visitou Washington, para conhecer o sistema de centros de controle utilizado nos EUA, em especial em Nova York”, relata o secretário nacional de Segurança Pública substituto Alexandre Aragon.

Uma terceira equipe técnica acompanhou o Mundial da África do Sul e também está colaborando com o caderno de necessidades e com o Plano Nacional de Segurança para 2014, que, segundo a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), está em fase de conclusão e deve sair do papel em janeiro. “É um sistema diferente em relação à última Copa. Respeitamos um pacto federativo e teremos mais sedes, maior população, maiores fronteiras, mais aeroportos, uma logística bem mais complicada. Esses pontos nos fazem tomar os Estados Unidos, por exemplo, como uma referência mais próxima da nossa realidade”, compara o secretário. “Mas tiramos lições importantes da África do Sul. Eles tiveram problemas com voluntários fazendo greve, por uma série de motivos. E precisaram escalar os cadetes da força especial para o trabalho. Nós já temos mil homens da Força Nacional de Segurança Pública disponíveis para cobrir eventuais problemas do tipo.”
 

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A União deve investir aproximadamente
R$ 1,6 bilhão em segurança, o dobro do
valor gasto pela África do Sul em 2010

 
 

Além disso, a experiência dos estados com eventos pontuais, frequentes e de grande porte, como o Carnaval, as viradas culturais e esportivas, os shows em estádios e os próprios clássicos regionais, acabam proporcionando oportunidades de intercâmbio interno entre profissionais e um alto ganho de bagagem prática.

A previsão de aporte pela União, até o momento, é de aproximadamente R$ 1,6 bilhão para segurança (o dobro do investido pela África do Sul em 2010). Adequando-se ao Estatuto do Torcedor, todos os estádios com capacidade superior a 10 mil pessoas terão de contar com câmeras, controle de acessos, sistema de detecção de incêndio e alarme de intrusão. Grupos especiais, como a “Polícia do Futebol”, criada para garantir a movimentação de autoridades estrangeiras, turistas, jornalistas e investidores, também estão sendo treinados. Aumento do efetivo, aparelhamento, modernização de sistemas, bolsas-formação e acordos de cooperação com Interpol, FBI e forças de segurança de França, Israel, Estados Unidos, Alemanha e demais parceiros são outras ações previstas.

Oportunidade e legado
De acordo com o secretário Aragon, a Copa do Mundo é uma grande oportunidade para concretizar reformas complexas, mas necessárias na segurança pública do país. “Com os ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos descobriram que simplesmente não possuíam um plano nacional de gerenciamento de crises. Todos os países vivem os problemas e as dificuldades de atuação conjunta das forças de segurança”, recorda. “Mas nós enxergamos na Copa um princípio da oportunidade de integrar o sistema de segurança pública brasileiro, para acabar de vez com esses discursos simplistas de unificação, intervenção. Vamos transformar os investimentos e preparações necessárias para o evento em um legado permanente para a população.”

Os mais de 500 mil turistas esperados durante o evento terão atenção especial. “Queremos garantir a tranquilidade dos visitantes desde os pontos de fronteira até os hotéis e locais do evento. Sem aquela coisa ostensiva, mas com ações eficientes, que não chamem a atenção e nem desviem o foco do que realmente interessa”, diz o ministro Barreto.
Neste momento, há cerca de 210 mil policiais fazendo um dos 53 cursos específicos do Ministério da Justiça, que visam capacitar os profissionais em áreas como atendimento ao turista, direitos humanos, uso progressivo da força, armamento não letal e idiomas. “Já foram mais 1 milhão e 200 mil cursos concluídos em nossos 270 telecentros”, revela.

Integração e fronteiras
Duas diretrizes centrais sustentam as mudanças propostas pelo Ministério da Justiça e pela Senasp: a implantação de centros de controle de segurança 24 horas nas cidades-sedes e a modernização dos sistemas de vigilância e combate aos crimes de fronteira.

Os centros de controle de segurança vão auxiliar no ordenamento das operações policiais. “Imagine todas as corporações na mesma sala. Polícia Militar, Civil, Federal, Guarda Municipal, bombeiros, agentes de inteligência, todas discutindo questões de acordo com as competências de cada um”, explica Aragon. A matriz seria em Brasilia, e cada sede contaria com um centro de controle. Posteriormente, outras 15 capitais teriam seus próprios centros.

Mas é na questão do controle de fronteiras que reside a maior das preocupações. Com mais de 7 mil km de limites secos e 9 mil km de divisas aquíferas, novas tecnologias vêm sendo testadas, como o sistema VANT – que possui aeronaves não tripuladas e consegue enviar imagens e dados para o trabalho de inteligência e repressão das polícias. Outro sistema fornecido pelo FBI, o Law Enforcement Online (LEO), é um extenso banco de dados com informações sobre organizações criminosas, narcotraficantes e terroristas para que a Polícia Federal possa identificar, desde o processo de concessão do visto, pessoas envolvidas com atividades nocivas. Um mandato de captura para o Mercosul também vem sendo discutido com os vizinhos, para acelerar possíveis processos de extradição em crimes transnacionais.

Todas essas medidas, junto com as demais melhorias dos departamentos de imigração nos portos e aeroportos, aquisições de veículos de policiamento fluvial e terrestre, capacitação com especialistas estrangeiros e vigilância ostensiva em pontos estratégicos serão concretizadas com recursos do PEFRON (Projeto de Policiamento Especializado na Fronteira).
 

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