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Estação central de Berlim, cidade-sede da final da Copa de 2006

São os especialistas internacionais que dizem: o verdadeiro legado de um megaevento esportivo não é o significativo dinheiro movimentado nas semanas de competição, mas o que vem depois – os benefícios econômicos, sociais e culturais que ocorrem, ao longo de décadas, no país que sediou o torneio. E para que o resultado seja realmente positivo a fórmula é uma só: planejamento, planejamento e planejamento. Esse é o principal conselho dado pelo alemão Holger Preuss, que pesquisa há mais de uma década a gestão dos legados desse tipo de evento, aos brasileiros diretamente envolvidos, desde outubro de 2007, na organização da Copa 2014. 

Quando esteve no Brasil a convite do Ministério dos Esportes, Preuss também alertou: “Cada caso é um caso”. Ou seja: não dá para adaptar ao Rio de Janeiro de 2014 o que foi feito, por exemplo, em Barcelona nos Jogos Olímpicos de 1992 – projeto considerado nota 10 para a revitalização da cidade espanhola. Ou em Pequim, que, para a Olimpíada de 2008, teve uma zona verde erguida para novas arenas, como o Ninho do Pássaro, e as instalações para a imprensa. Nem pensar também que a elevação da autoconfiança e do orgulho de um povo em exibir sua bandeira possa ser o principal, ainda que intangível, legado – como ocorreu com os alemães, ainda fortemente marcados por seu papel na Segunda Guerra, depois da Copa 2006. Mas vale aprender com a experiência dos países ou cidades que já sediaram Copas do Mundo e Olímpiadas, analisando seu balanço de erros e acertos, diretamente proporcional ao realismo de metas e cifras. 

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Para a Olimpíada de 2008, Pequim criou uma zona
verde para abrigar o Ninho  do Pássaro (acima) ; Berlim remodelou o estádio
Olímpico, construído nos anos 30, para a Copa de 2006 (abaixo)

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Além de beneficiar-se, durante os anos seguintes, com as cenas de hospitalidade transmitidas sem parar aos vizinhos europeus – um forte incentivo ao turismo –, a Alemanha estabeleceu em 2006 realizações sofisticadas, como a primeira Copa verde, que passaram a integrar a agenda permanente do evento. Mais do que novos estádios e equipamentos, colocou em prática propostas inovadoras, como a abertura de espaços públicos com telões para receber confortavelmente os milhares de turistas sem ingresso – para as chamadas Fan Fests, sucesso também encampado, a partir daí, pela Fifa. Mas se a construção de uma nova imagem internacional surgiu como grande legado para um país desenvolvido, que não enfrenta gargalos de infra-estrutura ou graves demandas sociais, a Copa da África do Sul em 2010, a primeira realizada no continente africano, longe das comodidades do Primeiro Mundo, estabeleceria, como definiu a Fifa, “novos parâmetros” para os próximos Mundiais. Que passam a levar em conta com destaque o legado social que o megaevento é capaz de proporcionar à população. É esta concepção, que também orienta a preparação da Copa no Brasil. 

O nível de erros e acertos no legado de uma Copa ou Olimpíada
está diretamente ligado ao realismo das metas e cifras

Segundo anunciaram recentemente a Fifa e o governo da África do Sul, um fundo milionário, originário de recursos da Copa 2010, será destinado a programas de educação para aproximadamente 72 milhões de crianças que não frequentam a escola no continente. Houve também investimentos em unidades hospitalares nas cidades-sede dos jogos – iniciativa fundamental no país onde a contaminação pelo vírus HIV atinge 18% dos adultos. Os organizadores da Copa 2010 sustentam ainda que as melhorias da infraestrutura do país, a recuperação de áreas degradadas e a demonstração de que as cidades são seguras para os estrangeiros incentivarão o turismo local nos próximos anos. A ideia de que há paz na África do Sul pós-apartheid parece ter saído vitoriosa: no final da Copa, 83% dos visitantes, de acordo com pesquisa da Fifa, disseram que pretendem voltar; 94% informaram que recomendariam uma visita ao país aos seus amigos e familiares. 

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Cidade do Cabo (primeira foto), Leipzig, na Alemanha (segunda foto),
Barcelona melhoraram a estrutura devido a megaeventos

Essa tendência de planejar megaeventos esportivos levando em conta as necessidades reais da população é adotada também pelas grandes metrópoles de países ricos que abrigam extensas periferias de baixas escolaridade e renda. Citando textos de autoridades de seu país, o professor da Universidade de East London Gavin Poynter, que acompanha todo o projeto da candidatura para a Olímpiada de 2012, evidenciou aos organizadores da Copa 2014 no Brasil o que garantiu a escolha de Londres: “Apresentamos a visão de uma Olimpíada que não representaria apenas uma celebração do esporte, mas uma força de regeneração. Os Jogos irão transformar uma das mais pobres e carentes áreas de Londres. Serão criados milhares de empregos, erguidas milhares de moradias e oferecidas novas oportunidades de negócios”, destacou. O planejamento dos ingleses, que estão com seu calendário de obras em dia e sua planilha de gastos sob controle, chegou ao esmero de construir um estádio com uma parte permanente e outra temporária para que, após os Jogos, o espaço originalmente destinado ao atletismo possa ser adaptado, sem custos, para o futebol – verdadeira demanda dos moradores locais, com rentabilidade garantida. 

Os especialistas também sustentam que os megaeventos podem acelerar projetos de desenvolvimento social e renovação urbana. Sem ambiente favorável e esforços reunidos, eles demorariam muito mais para serem concretizados, mesmo que já tivessem sido planejados. As pesquisas mostram ainda que, da década de 90 para cá, cidades empreendedoras têm disputado a indicação para sediarem Mundiais e Jogos Olímpicos não somente para responder às suas necessidades domésticas de reestruturação econômica e de modelos de consumo, mas também para se beneficiar das mudanças na economia internacional, marcada pelo avanço global de setores como telecomunicações, lazer, viagens e turismo. 

Um estudo da FGV aponta que o Brasil vai movimentar
R$ 142 bilhões a mais entre 2010 e 2014, por causa
da organização da Copa

Para maximizar todas essas oportunidades de negócios, é preciso medir custos e benefícios. De acordo com estudo recente feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com a consultoria Ernst & Young, o Brasil movimentará R$ 142,39 bilhões adicionais no período entre 2010 e 2014, gerando 3,63 milhões de empregos por ano e R$ 63,48 bilhões de renda para a população, além de uma arrecadação tributária adicional de R$ 18 bilhões. Com os investimentos nacionais em infraestrutura, estádios e segurança, a expectativa, segundo o documento, é que o Brasil consiga reverter, ao ser alvo também de R$ 6,5 bilhões de investimentos de mídia e publicidade internacional, a estagnação de cinco anos no fluxo de turistas estrangeiros, passando dos atuais 5 milhões para 7,48 milhões até 2014 e 8,95 milhões em 2018. 

O estudo sobre impactos socioeconômicos da Copa 2014 defende, por fim, que se busque um efeito. “A ideia é que o Brasil se prepare desde já para que o evento não seja de apenas alguns dias, mas de muitos anos, deixando um legado positivo para o conjunto da sociedade. Mais importante do que só corresponder às expectativas externas é criar um ambiente interno para que todas as obras de infraestrutura e os impactos sobre a macro e a microeconomia gerem condições melhores de vida à sociedade brasileira.” Como se vê, o que está em jogo é realmente bem mais do que um campeonato mundial de futebol. 

 

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