img1.jpg 

A imagem de Mario Jorge Lobo Zagallo quase se confunde com a da seleção. Tetracampeão mundial nos anos de 1958, 1962 (como jogador), 1970 (técnico) e 1994 (coordenador técnico), o Velho Lobo, como é chamado, nunca escondeu de ninguém a sua identificação com a camisa amarela, principalmente quando o assunto é Copa do Mundo. Ele ainda participou dos Mundiais de 1974 e 1998 como treinador, além de 2006, como auxiliar.

O que pouca gente sabe é que esse alagoano de coração carioca estava presente na final de 1950 no Maracanã e acompanhou de perto a fatídica partida em que o Brasil perdeu de virada para o Uruguai por 2 a 1. Detalhe: os donos da casa jogavam pelo empate.

Lenços distribuídos para enfeitar o Maracanã viraram
‘imenso lençol’ para enxugar lágrimas, diz Zagallo

 

Na época, com 18 anos, ele jogava pelo time da categoria juvenil do América-RJ e servia a polícia do Exército Brasileiro. Para sua sorte, ou azar, o seu pelotão foi escalado para trabalhar na segurança da decisão. Franzino e apaixonado por futebol, o Velho Lobo tratou logo de assistir ao jogo sem se preocupar muito com a atividade para a qual havia sido designado. “A torcida era praticamente toda brasileira, então não tinha muito para fazer, apenas ficar ali parado”, confessou.

img2.jpg 

img.jpg
Seleção inglesa perfilada para jogo na Copa de 1950 (acima);
Goleiro uruguaio Maspoli pula na decisão (abaixo).

Na entrevista a seguir, Zagallo conta um pouco do ambiente que cercou aquele jogo, quais imagens ficaram marcadas na sua memória e como a partida influenciou o restante da sua carreira.

ISTOÉ – Quando você ficou sabendo que trabalharia na final da Copa de 1950 para ajudar na segurança do jogo?
Zagallo – Na época, estava com 18 anos e servia a polícia do Exército, no sexto pelotão, onde ficavam os esportistas. Justamente por isso, nos avisaram que ajudaríamos na organização. Naquele dia, o pessoal que servia em Santa Catarina foi chamado também. Mas como tinham um porte físico mais forte, ficaram com a parte da segurança externa, e nós, os franzinos, fizemos o trabalho interno.

ISTOÉ – O que você fazia no seu trabalho de segurança?
Zagallo – A torcida era praticamente toda brasileira, então não tinha muito para fazer, apenas ficar ali parado, com uniforme verde-oliva, cassetete, capacete e tudo o que tinha direito.

ISTOÉ – E onde exatamente você ficou postado?
Zagallo – Fiquei no anel superior, ao lado do gol onde estava o Barbosa (goleiro da seleção brasileira), no canto oposto ao que Ghiggia (atacante uruguaio) avançou e marcou o gol da virada.

ISTOÉ – Você conseguia ver o jogo ou tinha que ficar de costas para o gramado?
Zagallo – Não, não. Fiquei de frente pro campo. Uma oportunidade daquelas, você acha que ficaria de costas? (risos)

ISTOÉ – Qual imagem te marcou mais naquele dia?
Zagallo – Chegamos cedo ao Maracanã para ocuparmos nossos postos. Observei as 200 mil pessoas chegando em festa, com um lenço branco na mão. Acho que foram distribuídos na entrada para enfeitar o espetáculo. O povo inteiro delirando, não tinha visto nada parecido, uma festa fora de série mesmo. Estava tudo preparado para o título. Mas infelizmente, depois do apito final, o Maracanã se transformou no maior cemitério do planeta. O lenço branco que estava na mão de cada um para os festejos acabou por se transformar em um imenso lençol para enxugar as lágrimas de todos os brasileiros.

ISTOÉ – E você, chorou?
Zagallo – Tive de segurar meu choro. Estava servindo o Exército Brasileiro, com uniforme verde-oliva, precisava manter a compostura. Mas o choro contido naquele dia foi esbanjado nos anos em que fui campeão.

ISTOÉ – De alguma forma a tristeza deste jogo influenciou o seu patriotismo?
Zagallo – Fortaleceu sim. Qualquer pessoa presente no Maracanã naquele dia representava não só o Brasil, como pátria, mas também todos os demais brasileiros que não puderam estar presentes.

ISTOÉ – Você sempre se identificou com a amarelinha e é muito supersticioso. Você acha que o Brasil fez bem em aposentar a camisa branca depois daquele jogo? Você teria feito o mesmo?
Zagallo – Não tenha dúvida de que faria o mesmo. O branco na nossa bandeira é diminuto. Só está escrito “ordem e progresso”. Mas o azul, o amarelo e o verde predominam.

ISTOÉ – Nas outras vezes em que você enfrentou o Uruguai, como jogador ou como técnico, você manteve esse espírito de revanche?
Zagallo – Sempre, principalmente quando o jogo era disputado no estádio Centenário (em Montevidéu), onde a paixão deles é tão grande que estendem até hoje uma grande bandeira lembrando a nossa derrota na final da Copa do Mundo de 1950. Mas procuro não ser muito saudosista. Eu digo sempre que a Saudade fica logo acima da Barra Mansa (uma referência à localização de duas estações ferroviárias no Rio de Janeiro).

ISTOÉ – Na época você era juvenil do América-RJ. Conseguia se imaginar campeão com a camisa da seleção oito anos depois?
Zagallo – Tinha o sonho desde criança, mas não imaginava, porque só fui convocado para a seleção brasileira quando tinha 26 anos. Já pensava em seleção desde o América-RJ, quando jogava com a camisa 10 e pedi para ficar com a 11, porque sentia que o caminho seria mais fácil. Mais para frente, tive que enfrentar a concorrência de dois craques da posição, o Pepe e o Canhoteiro. Mas fui convocado e me mantive como titular, até porque tinha uma condição física muito boa e conseguia fazer o vai e vem dentro do campo.

ISTOÉ – Como foi ter concorrência de Pepe e Canhoteiro, dois craques da época, por uma vaga no time titular da seleção?
Zagallo – Tenho um orgulho muito grande disso, porque os dois jogadores eram fora de série. O Feola (Vicente Feola, técnico do Brasil em 1958) tinha sido treinador do São Paulo e conhecia muito bem o Canhoteiro (São Paulo) e o Pepe (Santos). Só que eu era um jogador diferenciado, corria os 100 metros do campo, enquanto que a maioria estava acostumada a correr apenas os 50 metros. Eles não participavam do jogo sem a bola. Com esse meu vai e vem, acabei provocando uma grande mudança tática no futebol brasileiro. Fui fazer uma função que antigamente era desempenhada por dois jogadores, o que permitiu a entrada de mais um no setor do meio de campo. Tenho certeza de que esse novo jeito de jogar ajudou nas conquistas que o Brasil teve em 1958, na Suécia, e 1962, no Chile.

ISTOÉ – E para a Copa de 2014, qual a sua expectativa?
Zagallo – Temos que ganhar de qualquer maneira. Gostaria, inclusive, de poder ajudar. Gosto deste barulho. É isso que me dá forças.

 

Acesse todas as reportagens e fotos da edição especial de ISTOÉ Copa 2014