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RICOS E POBRES
Diplomacia brasileira teve ação importante em
todos os continentes
 

Em 1º de junho de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Evian, na França, para participar da cúpula do G8. A estreia no exclusivo clube dos países ricos, em vez de deslumbrá-lo, apenas selou o entendimento de que muita coisa precisava mudar. A começar pela indiferença demonstrada pelos líderes das grandes potências. “Quando o George Bush entrou na sala todo mundo se levantou. Peguei no braço do Celso Amorim e falei ‘nós não vamos levantar’. Ninguém tinha levantado quando entrei”, lembra Lula. Essa convicção de que o Brasil não poderia mais desempenhar um papel de coadjuvante na política internacional direcionou a ação externa do governo nos oito anos seguintes. O resultado é conhecido. “Lula pôs o Brasil no mapa das nações e garantiu seu lugar na história”, afirma o cientista político Riordan Roett, diretor do programa de estudos latino-americanos da Johns Hopkins University. Segundo ele, o exemplo do G8 é simbólico, pois o grupo perdeu relevância para o G20, que inclui os emergentes. “E, nele, o Brasil é o único com influência real”, diz Roett.

Todo esse reconhecimento não foi por acaso, mas uma combinação de senso de oportunidade e ações responsáveis. A defesa intransigente do multilateralismo aconteceu num momento em que as organizações internacionais, como FMI, Banco Mundial e ONU, tornaram-se anacrônicas. Também foi preciso fazer o dever de casa, que inclui a manutenção da política de responsabilidade fiscal e equilíbrio macroeconômico. “A continuidade da política macroeconômica, que começou em 1994, permitiu um crescimento sustentado, e a liderança da política externa nas áreas de comércio, finanças e mudança climática ajudou o Brasil a ganhar o respeito internacional”, opina o venezuelano Fernando Gerbasi, ex-embaixador no Brasil. Para o diplomata, que também foi vice-ministro de Relações Exteriores, a estabilidade política e a consolidação da democracia firmaram a imagem de porto seguro para investidores estrangeiros.

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NA ÁFRICA
Lula deu atenção especial aos
países africanos

Melhor imagem no exterior

Outro aspecto, pouco explorado, também serviu para cacifar o Brasil externamente: a retirada de 30 milhões de brasileiros da pobreza ou da miséria extrema, por meio de políticas de redistribuição de renda. “Um país pode se afirmar com a bomba atômica ou porque tem um grande exército, ou mesmo pelo tamanho do território. Nós fizemos isso ao enfrentar o problema da desigualdade social. Essa batalha nos deu visibilidade internacional inédita”, diz o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Essa constatação é importante para demonstrar que o crescimento de uma nação não se resume a bons índices de inflação e taxas de juros. “Quando esteve no Brasil, o presidente de Israel, Shimon Peres, disse ao Lula: ‘O senhor conseguiu fazer o que várias gerações da social-democracia apenas desejaram’”, lembra Garcia. Analistas garantem que a classe média será o grande motor do crescimento dos emergentes nas próximas décadas.

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POSIÇÃO
Rever a visão sobre o Irã favorece
vaga no Conselho de Segurança
 

O sucesso obtido até agora é notável, mas não o suficiente. Para consolidar a posição de global player, ainda há muito o que fazer. Como sucessora de Lula, a presidente Dilma Rousseff não poderá descuidar da vizinhança e precisa continuar trabalhando para o fortalecimento do multilateralismo.

A reforma do Conselho de Segurança da ONU segue no topo da agenda, exigindo do Brasil posições mais conservadoras do que a adotada nas negociações sobre o programa nuclear do Irã e no conflito entre israelenses e palestinos. “Qualquer iniciativa internacional deve buscar soluções concertadas, especialmente quando a problemática já envolve atores de maior importância, como no caso do Irã”, adverte Gerbasi.

Papel na estabilidade regional

Mais do que a participação em temas globais, espera-se uma atitude firme do Brasil na América do Sul, tanto na manutenção da paz e da estabilidade regional, como na busca por soluções multilaterais em temas como o combate ao narcotráfico. E, como a imagem externa depende do que ocorre dentro do País, é preciso atentar para ações estratégicas de longo prazo. “Riquezas como a do pré-sal devem ser bem administradas para evitar que o Brasil se transforme numa Venezuela”, afirma Roett. Segundo ele, Dilma precisa manter a inflação sob controle e avançar na reforma tributária e na flexibilização do mercado de trabalho. “E, se quiser manter a competitividade e a produtividade, o governo deve investir em educação”, diz. Se a Lula coube colocar o Brasil no tabuleiro do xadrez global, Dilma deverá trabalhar para evitar que o País seja um mero peão.

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UM LUGAR ENTRE OS CONTEMPORÂNEOS

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APOSTA CERTA
Brasil ajudou a fazer com que o G8
perdesse relevância para o G20
 

Logo que deixar o Palácio do Planalto em 1º de janeiro, um dos primeiros compromissos internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será uma viagem à Índia para receber o prêmio Indira Gandhi para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento. A rotina de homenagens e títulos deve continuar nos meses seguintes e a expectativa é de que Lula seja indicado em 2011 para o Nobel da Paz. Não será uma surpresa, considerando as dezenas de premiações que acumulou em seu mandato. Uma das últimas foi a de Estadista Global, criada para celebrar os 40 anos do Fórum Econômico de Davos. “Lula mostrou um verdadeiro compromisso com todos os setores da sociedade”, resumiu Klaus Schwab, fundador do Fórum, ao justificar a comenda. Lula imprime sua marca num período marcado pela variedade de desafios econômicos e sociais, e escassez de líderes capazes de enfrentá-los com criatividade.

A enorme expectativa sobre as mudanças prometidas pelo americano Barack Obama terminou em frustração. Do outro lado do Atlântico, o francês Nicolas Sarkozy e a alemã Angela Merkel parecem náufragos de uma União Europeia à deriva. O chinês Hu Jintao e o indiano Manmohan Singh avançam na economia, sem conseguir aplacar a imensa desigualdade social. “Há um déficit de estadistas. Não vemos dirigentes que demonstrem grandeza propondo algo novo”, diz o historiador Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, o mundo de hoje ainda é devedor de homens como Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Charles de Gaulle, que se destacaram durante a Segunda Guerra Mundial. “Nossos líderes não estão dispostos a tomar posições duras frente a temas importantes como mudança climática, proliferação nuclear, governança econômica e migração. Todos se sentem constrangidos pelas políticas domésticas”, afirma o cientista político Peter Hakim, do Diálogo Interamericano. “Embora se fale da emergência do mundo em desenvolvimento, não há outro estadista além de Lula. Não há Mandelas, Ghandis e Nassers. É Lula por WO!”, afirma o analista.

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ESTADISTAS
Num mundo de chefes de Estado contestados,
como Berlusconi, Lula se firmou

Para os analistas, dentre as razões que levaram Lula a ocupar essa lacuna está exatamente sua capacidade de assumir posições impopulares, sem medo de tornar-se um pária da comunidade internacional e sem perder a amizade de dirigentes poderosos. “É uma figura extremamente habilidosa”, diz o historiador Virgílio Arraes. “Ele tem a rara habilidade de transitar entre a esquerda e a direita sem constrangimentos”, observa. O analista se refere, por exemplo, à maneira como Lula apoiou o iraniano Mahmoud Ahmadinejad em seu programa nuclear contra a vontade dos EUA e da Europa. Foi capaz de sentar-se à mesa com ditadores africanos, como Muanmar Kadaffi, a quem já chamou de “amigo e irmão”, frequentar a intimidade do cubano Fidel Castro e trocar confidências com o direitista Sarkozy. Com o ex-presidente republicano George W. Bush teve uma relação muito mais fluida que com Obama. Sem ninguém para lhe fazer sombra, Lula quebrou protocolos e destacou-se como um homem comum que fala a língua do povo. “Desde a Segunda Guerra Mundial, nenhum presidente teve a sorte de pegar um contexto internacional tão favorável. Ele é um gênio do marketing político e soube aproveitar a chance”, diz o historiador Francisco Doratioto.

 

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