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Em 2006, a cidade de São Paulo atravessou uma grave crise de segurança pública com as ofensivas do Primeiro Comando da Capital (PCC). Para coordenar os ataques, os chefes do PCC utilizaram telefones celulares introduzidos ilegalmente nas penitenciárias onde estavam detidos. Já a cidade de Lima, capital do Peru, passou a concentrar nos últimos anos 27,8% da população do país, em um processo de aceleração da migração provocado pela escalada de confrontos entre governo e guerrilhas na zona rural. Conflito e violência são contextos comuns aos trabalhos dos oito artistas brasileiros e peruanos que se apresentam na exposição “Restraint”, em São Paulo. O título da exposição significa em português “retenção”, que diz respeito ao modo de produção nos centros urbanos de países em desenvolvimento e aos seus processos de criação gerados em meio à escassez de recursos financeiros.

A exposição, montada inicialmente na cidade de Montreal, em 2009, foi idealizada por um grupo canadense chamado Molior, especializado em novas mídias e interessado na produção em arte e tecnologia realizada na América Latina. Para a concepção da mostra, o grupo reuniu três curadores: Julie Bélisle, do Canadá, Miguel Zegarra, do Peru, e a brasileira Kiki Mazzucchelli. “Quando iniciamos nossa pesquisa, não escolhemos um tema predeterminado. Fizemos o inverso: decidimos observar a produção artística em novas mídias no Brasil e Peru para, a partir dos trabalhos, começar a pensar em possíveis relações entre os contextos de Lima e São Paulo”, comenta Kiki.

Em meio a este cenário, os curadores identificaram como característica comum às produções brasileiras e peruanas a criação a partir de tecnologias de fácil acesso, encontradas nos camelôs, shoppings de eletrônicos, internet, etc. Esses meios foram utilizados pelos artistas não somente como ferramentas para improvisação, mas também como uma referência para a presença predominante da cultura dos games, dos dispositivos de vigilância e da comunicação digital como estratégias para as guerrilhas urbanas no Brasil e no Peru.

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ARQUEOLOGIA DA VIOLENCIA
“Matari 69200”, de Rolando Sánchez, denuncia a cultura da violência

Exemplo é a obra “Matari 69200”, do peruano Rolando Sánchez. Não por coincidência, o artista utiliza um Atari modelo 2600, um dos consoles mais vendidos de videogame da década de 1980, mesmo período do confronto entre o governo peruano e a guerrilha maoísta Sendero Luminoso. Fazendo uma brincadeira com o modelo do videogame, o artista mudou a sigla para o número 69200, que se refere ao número de pessoas vitimadas pelos conflitos, e criou uma série de jogos em 8 bits que podem ser manipulados pelo público. Já a dupla brasileira Gisela Motta e Leandro Lima se apropria da estética dos games de outra maneira. Pistolas, metralhadoras, rifles e fuzis tiveram seus modelos retirados de jogos eletrônicos de tiro e foram montados em tamanho real no trabalho “Armas.Obj”, de 2008. Uma segunda parte do trabalho é a instalação “Alvo” em que o público, ao atravessar o espaço expositivo, é perseguido pela projeção de uma mira. Mais que pensar a violência das cidades de Lima e São Paulo, a exposição “Restraint” é um registro das tecnologias e das paisagens urbanas que, dentro de alguns anos, estarão completamente modificadas.