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No alto de uma ladeira de tirar o fôlego no bairro Anchieta, em Belo Horizonte, o amplo apartamento de Aécio Neves (PSDB) tem uma vista fabulosa da capital mineira. Aos 50 anos, senador eleito com 7,6 milhões de votos, Aécio mantém os pés nas montanhas, mas demonstra mirar muito além do horizonte. Ele tem um projeto para o Brasil. E encontra inspiração até dentro de casa. Entre as telas de pintores mineiros de seu apartamento destaca-se um óleo de Carlos Bracher que retrata o Congresso Nacional com espessa massa de tinta e tons sombrios. “Quero levar oxigênio novo para o Senado”, diz Aécio. Na prática, isso significa se antecipar à posse marcada para o dia 10 de fevereiro e não parar de traçar estratégias de ação com seus pares, sejam eles da oposição, sejam da base do governo. Convencido da necessidade de promover a “refundação” do PSDB e de recuperar o papel moderador do Senado, Aécio pretende apresentar uma agenda da oposição a Dilma Rousseff (PT) ainda nas primeiras semanas do futuro governo. “Só os frágeis temem dialogar com o governo”, argumenta o ex-governador de Minas Gerais. Escolhido o Brasileiro do Ano na Política por ISTOÉ, Aécio encerra 2010 preparando o futuro, depois de somar à própria consagração nas urnas as vitórias de Itamar Franco (PPS), também para o Senado, e de Antonio Anastasia (PSDB), seu antes desconhecido vice, para o governo de Minas Gerais.

Instalado na sala de estar do apartamento que ficou praticamente sem uso durante os dois mandatos no governo mineiro, Aécio demonstra tamanho entusiasmo com o que vem pela frente que chega a surpreender. “Eu estava emprestado no Executivo”, diz, referindo-se ao período que encerrou com mais de 90% de aprovação nas pesquisas de opinião pública. Ele, de fato, é um político que pode ser vinculado ao Parlamento desde sempre.

Seu avô paterno, o promotor e professor Tristão Ferreira da Cunha, começou a trajetória política em 1912, como vereador da cidade de Teófilo Otoni (MG) e cumpriu quatro legislaturas como deputado. Seu pai, o advogado Aécio Ferreira da Cunha, falecido aos 83 anos no dia 3 de outubro, foi deputado por 36 anos. Por causa das atividades políticas da família, Aécio, que é nascido em Belo Horizonte, passou boa parte da adolescência e juventude no Rio de Janeiro, cidade que adora e na qual também mantém um apartamento. Só que, em vez de montanhas, do imóvel no Jardim de Alá ele avista um pouquinho da Lagoa Rodrigo de Freitas e do mar.

Definindo-se como um construtor de pontes, Aécio diz
que só os frágeis temem dialogar com o governo

Quando vivia no Rio, Aécio se interessava mais pelo surfe – esporte que gosta de praticar até hoje – do que pela política. Tinha 20 anos quando o avô materno, Tancredo Neves, convocou-o para trabalhar em sua campanha para o governo de Minas. Eleito o avô, Aécio virou seu secretário particular e nunca mais se afastou da política. Antes de ele próprio assumir o governo mineiro, atuou 16 anos como deputado federal, os últimos dois como presidente da Câmara dos Deputados. Herdeiro da tradição familiar, ele também ganhou da avó materna, Risoleta Neves, a caneta Parker-21 com que o presidente Getúlio Vargas (1882- 1954) presenteou o então ministro da Justiça Tancredo Neves pouco antes de se matar, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Passadas mais de três décadas, Tancredo chegou a ser eleito presidente, mas morreu antes de tomar posse no Palácio do Planalto – o correspondente ao Catete em Brasília.

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Calejado pelos bastidores do poder e pelas reviravoltas da política, Aécio desconversa quanto à possibilidade de disputar a sucessão de Dilma em 2014. Em variação contemporânea do avô Tancredo, que dizia “Presidência é destino”, o neto cita Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar.” No decorrer do ano passado, ele bem que defendeu a realização de prévias internas no PSDB, em âmbito nacional, para definir o candidato do partido à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diante da resistência da cúpula do partido à proposta, desistiu de entrar na disputa em dezembro de 2009. Um ano depois, ele acredita que, na vida, o melhor é esperar que as circunstâncias criem as condições. “Não se pode ter obsessão”, afirma. “A obsessão entristece, tira o foco. E agora meu objetivo é o mandato no Senado.”

Antes mesmo de voltar oficialmente ao Parlamento, Aécio articula o que chama de uma agenda da oposição a ser apresentada ao governo federal. Contrariado com o fato de o Congresso estar há décadas andando a reboque do Executivo, o senador eleito sustenta que a nova geração que chega ao Senado precisa propor iniciativas nos campos político e tributário, assim como na gestão pública. “Em vez de ficarmos caudatários da agenda construída pelo governo em função de seus interesses imediatos, de sua estratégia política, precisamos inverter um pouco o jogo”, afirma.

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GESTOR
Aécio construiu a Cidade Administrativa (acima), símbolo de uma administração aprovada por mais
de 90% dos mineiros, e ajudou a eleger seu sucessor, Anastasia, e o senador Itamar Franco

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Uma das ideias é trabalhar pelo fortalecimento dos Estados e municípios, a começar pela distribuição das receitas dos impostos. Embora acredite que em determinados momentos o governo federal possa e deva promover isenções fiscais – como foi feito pelo governo Lula para combater a crise econômica mundial deflagrada em 2008 –, Aécio defende que a parcela de tributos compartilhados com os outros níveis da federação seja intocável. O passo seguinte seria criar um indexador como instrumento de garantia do valor real dos repasses da União. “Mais de 70% das receitas dos impostos estão nas mãos da União”, argumenta. “Isso traz uma consequência administrativa perversa para os Estados e municípios, que estão cada vez mais fragilizados e dependentes da União.”

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RAÍZES
O senador eleito com o pai, o ex-deputado Aécio
Ferreira da Cunha, que faleceu em 3 de outubro

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“Aos 83 anos, descobri que a minha essência não mudou”
Aécio Ferreira da Cunha, ex-deputado

No âmbito político, o senador eleito planeja retomar a discussão em torno da chamada cláusula de barreira, que chegou a ser encaminhada na época em que ele foi presidente da Câmara dos Deputados. Caso aprovada, a cláusula condicionaria o funcionamento parlamentar apenas aos partidos que tivessem um determinado coeficiente de votos. Seria, na sua opinião, uma forma de fazer com que os partidos voltassem a ser representantes de segmentos do pensamento da sociedade e não de grupos de interesse específico. “Acabaria com essa história de candidatos deixarem os grandes partidos para buscar um partidinho que não representa nada, mas pelo qual é mais fácil se eleger”, compara Aécio. No que diz respeito à gestão pública, ele acredita ser possível implantar um sistema de profissionalização do serviço federal similar ao implantado em Minas Gerais, que incluiu a demissão de mais de três mil pessoas em cargos em comissão.

Para arquitetar essa agenda, Aécio já começou a procurar senadores eleitos e também no exercício do mandato. Quando janeiro chegar, pretende intensificar as viagens pelo País e o contato com os futuros colegas de Parlamento. Disposto a dar “uma cara nova” ao Senado, ele descarta a possibilidade de disputar ou aceitar qualquer posto oficial de liderança no Parlamento ou no PSDB. Ao mesmo tempo, está empenhadíssimo em rediscutir o programa e a atuação de seu partido. “Criei o termo refundação, que uns gostam, outros não”, comenta. “Eu gosto.” Se depender apenas de sua vontade, o processo de reformulação das diretrizes do partido será conduzido por três lideranças históricas do PSDB: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador José Serra e o senador em final de mandato Tasso Jereissati.

Definindo-se como “um construtor de pontes”, Aécio se prepara para fazer uma oposição dura, mas qualificada, ao governo Dilma. “Será uma oposição forte, mas sempre pensando no Brasil’, resume. “E não existe governo forte sem oposição forte.” Depois de tomar o café oferecido pela governanta Delza Souza, 65 anos, que o conhece desde o nascimento e o acompanhou durante os quase oito anos no Palácio das Mangabeiras, Aécio mantém a reserva sobre a morte do pai, ocorrida no mesmo domingo de sua eleição para o Senado. Deixa a sala de estar em direção à ala privada do apartamento e volta com uma folha de papel branco. Emocionado, mostra o manuscrito encontrado na mesinha de cabeceira do pai (leia fac-símile acima). Nele, Aécio Ferreira da Cunha registra que, aos 83 anos, descobrira que a sua essência, o seu foco na vida, não mudara. Que continuava sendo a independência, o comedimento no ser e a solidariedade. Sem maiores detalhes, Aécio comenta: “Essas também são as minhas referências.”


Luiz Inácio Lula da Silva – Brasileiro da década
Dilma Rousseff – Brasileira do ano
Marcelo Tas – Brasileiro do ano na televisão
Tony Ramos – Brasileiro do ano na cultura
Thiago Pereira – Brasileiro do ano no esporte


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