Marco Mazzola estava no estúdio de uma gravadora com Chico Buarque, lá pelos anos 80. Liga um jornalista e pergunta: “É verdade que o Chico grava nu?” Mazzola tapa o fone e pergunta ao próprio. Chico, inteiramente vestido, responde: “Diz que sim.” Mazzola, que está comemorando 30 anos de produções musicais na MPB, lembra que a exótica especulação veio logo após a imprensa descobrir que a cantora Simone enfrentava o frio do estúdio com pouca roupa. “Ela gostava de gravar à vontade, com um robe. Disseram que cantava pelada. Imagina! Ninguém conseguiria trabalhar se fosse assim”, diz. Nos alfarrábios de Mazzola, há todo tipo de registro. Como este de Raul Seixas: após saber que a Polygram tinha proibido bebida alcoólica em estúdio, ele pediu, então, que fosse instalado um bebedouro de água para se hidratar enquanto cantava. “Só que, descobrimos depois, ele tinha botado vodca dentro do bebedouro”, relembra. Segundo Mazzola, o sonho do roqueiro era comprar um carro zero quilômetro – o que aconteceu assim que recebeu a primeira bolada de dinheiro. E qual foi a escolha do homem que nasceu há dez mil anos atrás? Um Galaxie dourado! “Ele dirigia por Copacabana com as janelas abertas e o som altíssimo. E a música que tocava era a dele mesmo.”

Carioca de 54 anos, Mazzola não vive de seu passado, do tempo em que era o poderoso executivo de multinacionais como a Warner, Sony, BMG Ariola ou Universal e fez alguns dos principais trabalhos de estrelas como Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Rita Lee, Caetano Veloso, Elis Regina, Jorge Benjor e Djavan. Há dez anos ele tem a própria gravadora, a MZA Music, e é, como diz, “dono do próprio nariz”. Mas, ao arredondar três décadas como produtor musical, resolveu lançar um CD duplo, MPBZ – 30 anos. 30 sucessos by Marco Mazzola, com as canções originais que produziu; e, no bojo das comemorações, as lembranças afloram. Quem poderia supor que quase foi preciso brigar com Ney Matogrosso para que gravasse Homem com H, do pernambucano Antônio Barros Silva? “Ney disse: ‘No meu disco essa música não entra de jeito nenhum.’ Ele achava que era forçar demais a barra. Implicava com a letra jocosa e com o fato de ser forró.” O cantor concorda: “Homem com H só entrou no meu disco porque o Mazzola insistiu muito. Eu achava que não sabia fazer forró.”

Preguiça – Entre os vários sucessos que descobriu, estão Marina Lima, Elba Ramalho, Adriana Calcanhotto, Kleiton e Kledir e Alceu Valença. Segundo ele, a escassez de novos nomes no cenário musical tem a ver com certa preguiça das gravadoras de garimpar talentos desconhecidos. “Ninguém queria gravar o Chico César. Fizemos o CD Mama África e ele vendeu 300 mil discos! Eu tenho um artista chamado Nilson Chaves que recebe todas as glórias fora do Brasil e quase ninguém conhece aqui. Ele já gravou dez discos.” Mazzola reconhece que é muito mais dispendioso e arriscado lançar um nome novo do que pegar uma estrela pronta. Mas acrescenta que apenas a aposta no que já existe não permite a renovação do mercado. “Tem de viajar pelo País, ver o que as pessoas estão consumindo nas regiões”, aconselha. Sua MZA é uma empresa média, voltada unicamente para o artista nacional, cujo catálogo – que inclui Zeca Baleiro, Martinho da Vila e Chico César – vende cerca de 25 mil discos por mês.

Ele corrobora o que diz todo o mercado fonográfico: os jabás (presentes ou pagamentos) dados às rádios e programas de tevê inviabilizam a divulgação do cast de gravadoras de menor porte. “A saída”, afirma, “é levar o artista onde o povo está, como diz Milton Nascimento.” Ou seja, programar viagens dos cantores a capitais distantes do País. O resultado, segundo ele, é impressionante. “Como o mercado está voltado para os grandes centros urbanos, o cara chega lá e é rei. Vende mais de mil discos numa única noite de lançamento”, afirma. Outra adaptação necessária aos novos tempos tem mão inversa: artistas que foram reis no passado precisam se redisciplinar. “Acabou o tempo dos milhões, dos contratos milionários, das mordomias bancadas pelas gravadoras. Acho que alguns artistas ainda não entenderam isso e vivem num mundo irreal. Não existe mais adiantamentos, acabou aquela história de dar carro, roupas ou passagens internacionais de presente.” A respeito da tomada de espaço da música sertaneja sobre a MPB, ele arrisca: “É um estado de espírito. Vai passar.”